Ingrid ataca machismo e críticos: ‘Sou atleta, mas o povo não entende’

Saltadora foca em medalhas no Mundial e em Tóquio-2020 para apagar imagem polêmica que construiu após briga e sexo na Vila dos Atletas. E diz que ainda é alvo de discriminação<br>

Ingrid posa no Centro Aquático Maria Lenk, onde treina com o Flu
Davi Fernandes/Lancepress

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Protagonista de uma das maiores polêmicas da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos do Rio, Ingrid Oliveira exibe um jeito de criança em suas primeiras palavras. Aos poucos, a atleta dos saltos ornamentais, de 20 anos, mostra que a maturidade chegou, ainda que de maneira conturbada.

Após encerrar o evento com resultados ruins e a imagem arranhada, graças a uma discussão com a ex-parceira Giovanna Pedroso, Ingrid diz que é hora de virar a página. O ápice da briga foi uma noite de sexo com Pedro Henrique Gonçalves, da canoagem slalom, no quarto onde a dupla se hospedou na Vila dos Atletas, antes da prova na plataforma sincronizada de 10m (ficaram em último lugar).

O episódio causou nova enxurrada de xingamentos nas redes sociais da saltadora, que já havia tido o nome exposto após publicar uma foto de maiô antes do Pan de Toronto (CAN), em 2015. Hoje, ela namora o fotógrafo Gabriel Molon e se diz mais calma com os comentários, mas faz críticas o machismo:

– Sou atleta, mas o povo não consegue entender isso. Quero alcançar meus resultados para mudar esse lado pelo qual fiquei conhecida – afirmou Ingrid, em entrevista exclusiva ao LANCE!.

L!: Como está sendo seu início de ano? Em que ritmo está a preparação e quais as suas maiores metas na temporada?
Começamos uma preparação bem forte em fevereiro, quando teve a eliminatória para o Mundial de Budapeste (HUN). Lá, consegui a classificação. No Carnaval, nossa técnica nos deu uma folga, mas sabíamos que voltaria a ficar pesado para a próxima eliminatória, em maio. Meu foco agora é treinar para o Mundial, mas antes haverá o Grand Prix. Faço cinco repetições, uma para cada grupo de salto. Nos treinos, estava em três e já aumentei para quatro. Não pode mudar bruscamente, senão fica pesado.

L!: O que você procurou fazer no período após a Olimpíada?
Quando acabaram os Jogos, tive dois meses de férias. Procurei descansar e colocar minha cabeça no lugar, por causa das situações que tinham ocorrido na Olimpíada, para focar em Tóquio-2020. Minha história não acaba aqui pelo que aconteceu comigo. Sempre vou buscar melhorar e corrigir os erros.

L!: Você teve uma exposição muito grande pelo episódio na Vila dos Atletas. Após a última prova, você postou nas redes sociais sobre valorizar as coisas simples da vida . O que quis dizer com a mensagem?
Aconteceram muitas situações que eu não desejaria a ninguém. Então, procurei sair com meus amigos, me apeguei às pessoas que estão sempre comigo e me dão apoio. Acho que isso é aproveitar as coisas simples. Preferi ficar no Rio de Janeiro, perto dos amigos, a fazer viagens.

L!: Você teve momentos fortes na disputa individual, mas ficou em 22º, fora da semifinal. O que deu para refletir sobre os seus erros?
Minha competição foi relativamente boa. Fiz quatro saltos muito bons, e estava na nona colocação. Na hora, eu nem sabia. Estava focada apenas nos meus saltos. Mas aquele era um salto novo. Tirando o Pan, não o fiz em nenhuma competição. Nos treinos, estava bom. Nunca havia errado daquele jeito, como na Olimpíada. Faltou repetição.

L!: A exposição do seu nome comprometeu seu desempenho?
Acredito que sim, porque era muito pesado entrar nas redes sociais e ver um monte de gente falando mal de mim. Ok, erros acontecem. Mas eu sou nova. Todo mundo erra. Sei que errei. Obviamente, isso não vai mais acontecer. Sempre buscamos evoluir, não retroceder. Mas a pessoas são cruéis. Acham que não vemos, mas lemos e sabemos. Isso tudo machuca.

L!: Você teve um aumento significativo no número de seguidores nas redes sociais. Como está lidando com a exposição? Mudou a interação?
Durante a Olimpíada, cheguei a tornar meu Instagram privado, mas depois resolvi abrir de novo, porque é muito chato receber notificação de pedidos. De vez em quando, aparece um engraçadinho para falar besteiras. Mas meus seguidores frequentes compram a briga e me ajudam. Eu respondo mais para dar conselhos. Até os famosos veem o que é dito sobre eles. O público pensa que não. Eu leio e curto cada comentário, um por um. Hoje, não me deixam tão triste. Mas ainda fico impressionada como algumas pessoas mais velhas saem xingando outras mais novas.

L!: Seu nome chegou a ser defendido por grupos feministas após a enxurrada de notícias negativas sobre você, pois sua exposição foi muito maior do que a do Pedro. O machismo ainda te persegue?
Com certeza. O machismo continua bem evidente. Tanto que me colocam como musa, enquanto um garoto bonito é uma pessoa normal. Me acham bonita, ok. Mas um menino bonito tem seu lado esportivo considerado, e a gente não. Não é concurso de beleza, é esporte, são saltos, é uma competição. Eu deveria ser vista como uma atleta bonita, não como a lindeza que pratica um esporte. Tenho o corpo que tenho por causa dele, não por estética. Não botaria silicone nem nada parecido. Compro roupas de treinos mais do que de sair. Sou atleta, mas o povo não consegue entender isso. Quero muito alcançar meus resultados para mudar esse lado pelo qual fiquei conhecida.

L!: O que você vai priorizar na sua preparação até Tóquio-2020?
Agora, priorizarei o Mundial. No ano que vem, tem Pan-Americano. Serão importantes para eu ficar mais visada entre os juízes. Nos saltos ornamentais, a primeira impressão é a que fica. Se você é uma chinesa e fez um salto bom, para 9, eles vão te dar 9,5, porque é uma chinesa. Elas já são conhecidas por sua entrada perfeita. As pessoas com mais nome se dão melhor. Você olha uma vez e aquilo fica. Tem de ter também certa constância. Se acham que foi sorte, não dão pontuação tão boa no fim.


L!: Que avaliação faz da equipe de saltos para o novo ciclo? Ainda há um degrau muito grande para o Brasil crescer mundialmente?
É difícil, porque antes tínhamos um ginásio no Maracanã, que foi demolido*. Um legado bom da Olimpíada foi a permanência do ginásio seco no Maria Lenk. Nele, você faz 90% do salto. O restante é uma entrada, uma finalização. Ele ajuda bastante. Então, acho que os saltos ornamentais darão uma melhorada absurda. É algo essencial e que não tínhamos desde 2013. Mas ainda faltam crianças interessadas no esporte. Muitas têm medo de altura, como eu tinha, quando entrei. Você vai superando. Começa na plataforma mais baixinha e vai subindo, até chegar nos 10m. As pessoas acham que vai direto para o mais alto, mas não. Poderiam divulgar mais. As crianças são a base de tudo.
* O centro de saltos ornamentais do Parque Aquático Julio Delamare foi demolido em 2013 por, na versão oficial, comprometer o fluxo de pessoas no Maracanã para a Copa das Confederações, o que também afetaria a Copa de 2014 e a Rio-2016.

L!: Você treina de 8h30 às 12h30, depois descansa e recomeça de 14h às 17h30. Como é, aos 20 anos, dispor deste tempo para o esporte e abrir mão de uma vida típica de jovens da sua idade?
Faço isto desde os nove anos, porque praticava ginástica. É minha rotina desde pequena, mas antes também estudava. Nunca fui tanto de sair à noite. Sou mais caseira. Só nos finais de semana que gosto de ir à praia, saio para comer e durmo. Sou mais de ficar em casa. Gosto bastante de ir ao cinema, praia e dormir. Não é tão drástico abrir mão das coisas.

"Tenho o corpo que tenho por causa dele, não por estética. Não botaria silicone nem nada parecido. Compro roupas de treinos mais do que de sair. Sou atleta, mas o povo não consegue entender isso. Quero muito alcançar meus resultados para mudar esse lado pelo qual fiquei conhecida."

L!: Qual o seu maior sonho agora?
Conquistar uma medalha no Mundial, este ano, e me preparar muito bem para trazer uma medalha nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

L!: Algo mudou na sua equipe de preparação após a Olimpíada?
Antes, havia um projeto da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) com minha ex-dupla. Depois da Olimpíada, sabíamos que ele acabaria, pois a confederação estava sem dinheiro e envolvida em várias polêmicas. Antes, tinha fisioterapeuta, massagista e tudo da equipe de saltos. Agora, usamos o Centro de Treinamento do COB. Poucos profissionais mudaram.

L!: A CBDA sofreu um corte no patrocínio dos Correios. Já deu para sentir com isto afetará a vida de vocês daqui para frente?
Sabíamos que seria bem difícil a situação do esporte no Brasil depois da Olimpíada. Perdemos uma bolsa que tínhamos da CBDA, e competições foram cortadas. Esperamos melhorar.

L!: O Brasil só teve uma medalha no Rio, na maratona aquática. Acha que é necessária uma mudança nesse momento?
Eu não sei dizer, pois não fico olhando tanto sobre o que acontece na CBDA. Soube das coisas, mas não procuro entrar em detalhes.

L!: Quais são seus apoios hoje?
Tenho só a Bolsa Pódio e a ajuda de custo do Fluminense.

L!: Você pensa em fazer faculdade?
Eu preciso completar o ensino médio. Quando estava com 15 para 16 anos, tive de parar os estudos, porque a rotina estava muito pesada. Treino de manhã e à tarde. A escola nunca me ajudou. Quando eu tentava focar, tinha de viajar para uma competição no exterior. Mas ainda quero fazer faculdade de nutrição.

Ingrid e ex-parceira não se falam desde polêmica

Ao terminarem a prova da plataforma sincronizada de 10m da Olimpíada do Rio de Janeiro na oitava e última colocação, Ingrid Oliveira e sua então parceira Giovanna Pedroso anunciaram o fim da dupla, que estava desgastada havia meses. Desde então, elas nunca mais se falaram.

As atletas já vinham discordando sobre assuntos relacionados aos treinamentos e à preparação. Enquanto Ingrid defende o Fluminense, Giovanna veste as cores do Botafogo. Na Seleção, tinham de conciliar divergências sobre a execução dos saltos.

Quando Ingrid levou o canoísta Pedro Henrique Gonçalves, o Pepe, para o quarto das duas na Vila dos Atletas, Giovanna se incomodou, dormiu em outro cômodo e reclamou do episódio com os dirigentes da CBDA. O clima então só piorou.

– Nunca mais nos falamos. Cada uma seguiu um lado – disse Ingrid, que não quis se estender no tema.

Apesar do clima ruim, as atletas treinam no mesmo local, o Centro Aquático Maria Lenk. Mas Ingrid divide as atividades somente com as companheiras do Tricolor e com sua técnica, Andreia Boheme. Hoje, não compete no sincronizado.

QUEM É ELA

Nome
Ingrid de Oliveira
Nascimento
7/5/1996, em Niterói (RJ)
Clube que defende
Fluminense
Altura e peso
1,60m/59kg
Conquistas
Prata na plataforma sincronizada de 10m no Pan de Toronto (CAN), em 2015, bronze no Grand Prix de Porto Rico, em 2015, quinto lugar na plataforma de 10m e sétimo no trampolim de 3m nos Jogos da Juventude de Nanquim (CHN).

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