Rodriguinho fala sobre álcool, tabus e carreira: ‘Fujo do clichê do boleiro’

Em entrevista ao LANCE!, meia do Corinthians aborda temas espinhosos no futebol, diz <br>que jogadores são vítimas de preconceitos e projeta carreira após pendurar as chuteiras

Rodriguinho abriu o jogo em entrevista ao LANCE!
<br>(Foto: Mauro Horita/AGIF/Lancepress!)

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Rodriguinho costuma terminar suas respostas com um sorriso no rosto e com frequência faz piadas ou brincadeiras no meio de suas falas, arrancando riso dos entrevistadores. É o jeito que o potiguar, de 28 anos, encontra para deixar leves assuntos sérios. Foi desta forma que tratou de tabus no futebol, preconceitos sofridos pelos jogadores e outros assuntos espinhosos em conversa com a reportagem do LANCE!, no CT do Corinthians.

Arrancando gargalhadas até dos assessores de imprensa do clube, ele lembrou do susto e o medo enfrentados em 2014, quando torcedores invadiram o local de treinamento do Timão (“ali deu para ver que o bagulho é louco”). Sem perder o bom humor, também disse que grande parte dos boleiros consomem bebidas alcoolicas. E até planos para o futuro revelou: quer investir na área de gastronomia, abrindo um restaurante em Natal-RN, cidade onde nasceu e cresceu.

Aos 28 anos e com contrato com o Corinthians até dezembro de 2017, o meia ainda tem o sonho de atuar na Europa e fala com naturalidade sobre a aposentadoria – que não deve demorar tanto a acontecer segundo os planos dele.

Confira a entrevista abaixo:

Você demonstrou coragem ao admitir, em entrevista coletiva, que gosta de sair e tomar bebidas alcoólicas. Por que fez isso e como foi a repercussão?
Essa questão de sair e beber no futebol existia muito no passado, ouvíamos que jogadores gostavam da noite. Mas o futebol foi ficando muito profissional e o pessoal começou a tratar de uma forma muito negativa, até alimentado pela imprensa, como se o jogador deixasse de ser profissional ou fosse muito prejudicado por isso. Acho que, com moderação, todo mundo é ser humano e tem direito a seu momento de lazer. Você pode sair com sua família, tomar um vinho com sua esposa... Isso é uma coisa normal da vida de qualquer pessoa, por isso naquele momento achei legal tratar dessa forma e mostrar para outras pessoas que isso acontece com qualquer ser humano em qualquer área. Acho que foi até positivo o jeito que o pessoal aceitou. Foi uma forma que tentei amenizar esse lado que poderia ser visto de forma negativa.

Esse é um tabu no futebol. Mas há muitos outros, não? Em 2016, por exemplo, o Brasil passou por um processo político histórico e, ao contrário de artistas e outras personalidades da mídia, os jogadores não se posicionaram.
Realmente há um preconceito grande, por jogador não ter estudo e o caramba. Mas isso já mudou muito, os adolescentes hoje são preparados nos clubes, estudam... Primeiro você tem que querer crescer como ser humano, se interessar por outras áreas, melhorar conhecimentos até para poder dar uma entrevista legal, passar uma mensagem bacana se quiser. Acho que já mudou bastante, mas ainda tem esse certo preconceito. A gente tenta mudar essa história, mudar esse preconceito, isso me incomoda um pouco. Às vezes acham que você é alienado, ignorante, e não é bem assim. Não é todo mundo que segue essa antiga regra no futebol.

Ainda sobre a política, este tema é debatido entre os atletas ou nas concentrações só se fala sobre futebol e o dia a dia de vocês?
Eu sou um cara que foge do clichê do boleiro, do modo como todo mundo se veste, de ser tatuado, entendeu? Ainda tem muita coisa de clichê no jogador. Mas existem pessoas que gostam de outras coisas. Com o Uendel, por exemplo, converso de várias coisas. Com o Balbuena, também, a gente conversa sobre outras coisas. É lógico que tem caras que só gostam de falar de futebol, de brincar, mas também tem o lado sério. É que realmente é difícil eu chegar aqui (na entrevista), sendo jogador, e conversar com você outra coisa. Até porque o jornalista não sabe se o cara tem o conhecimento para falar de algum determinado assunto...

Você falou que a formação dos jogadores está mudando, mas ainda é difícil conciliar a carreira de jogador e os estudos.
Sim. Eu sempre tive o sonho de ser jogador e me dediquei muito para isso. Minha mãe era professora e sempre bateu nessa tecla de que era preciso conciliar, só poderia jogar futebol se fosse bem na escola. Meu irmão é formado, eu mesmo prestei vestibular. Iria fazer Educação Física se não conseguisse ser jogador, era uma área que eu sempre quis entrar, eu gostava de esportes. Isso me ajuda nas entrevistas, me ajuda a me expressar. Se pudesse dar um conselho a quem está começando é esse, tentar conciliar os estudos com o futebol, porque muitas vezes a carreira de jogador pode não dar certo e você tem um segundo caminho a seguir, sua vida não fica parada por isso.

E mesmo que a carreira dê certo, o estudo segue sendo importante.
Claro, você precisa ter o mínimo de instrução para tocar a vida depois que conseguir dinheiro, para não perder tudo, saber como investir, poder ajudar a família... Temos uma carreira curta, na qual se ganha muito dinheiro em um determinado momento e depois acaba, aí as coisas ficam difíceis se você não se programar e pensar bastante no que vai fazer.

Voltando à questão da bebida. A torcida levou numa boa ou teve quem pegasse no seu pé?
Ainda bem que o jogo seguinte foi contra o Flamengo e jogamos bem, eu fiz gol (risos). Então deu uma amenizada, o pessoal não pegou muito no meu pé. De vez em quando me encontravam na rua e brincavam: “Cuidado com a ressaca e tal” (risos). Mas deixa quieto... Estou acompanhando pouco redes sociais, tive problemas, tento ficar meio fora. No gosto de me expor para evitar coisas chatas que podem me abalar.

Quais problemas você teve?
Rede social é uma coisa complicada, todo mundo fala o que quer, ninguém se preocupa se vai afetar o outro ao xingá-lo. É complicado dar atenção a todas as pessoas que querem de alguma forma te agredir ou te deixar mal. Muitas vezes o cara nem ouviu falar de você, te viu uma vez e quer te xingar, sendo que não sabe sua história, pelo que você passou na vida... Acho ruim.

Você acompanhava? Chegou a rebater alguém alguma vez?
Não tinha como acompanhar, acabava o jogo e tinha um monte de gente me xingando (risos), como não vou ver? Às vezes o cara te pega num dia ruim e você pensa: “Vou responder esse filho...” (risos). É perigoso!

Você teve coragem de falar, mas há muitos que bebem, não?
Sendo sincero, é uma grande parte. Não sei dizer se é maioria, mas é uma grande parte. Não vejo problema algum nisso. O ser humano tem seu momento de lazer, só não pode ser algo exagerado, não dá para extrapolar, senão isso prejudica.

Cigarro é outro tabu. Dizem que vários jogadores fumam...
Olha... É um grande tabu que existe. Nunca joguei na Europa, mas dizem que lá o pessoal fuma, isso é normal, no vestiário e o caramba. É algo que prejudica um pouco mais que a bebida, mas cada um sabe o que faz. Se você se sente bem, não vejo problema. Mas para o atleta é ruim, isso é comprovado. Mas existe gente no futebol que fuma. Acredito que é mais prejudicial que a bebida.

Você está com 28 anos, ainda tem o sonho de jogar na Europa?
Seria bem interessante, né? Quando fui para os Emirados Árabes eu cresci muito como ser humano. Aprendi uma cultura nova, é algo fascinante de poder viver com pessoas que pensam tão diferente de você, e ter que se adequar àquilo. Não só Europa... Eu tenho vontade de conhecer o mundo inteiro, mas por se falar tanto no futebol europeu, aliado a essa vontade de conhecer uma cultura diferente, seria fascinante. Por isso todo jogador fala que é o sonho, você vai estar jogando com os melhores do mundo e vivendo onde muitas pessoas gostariam de morar. Tenho muita vontade de jogar lá, sim.

E depois que aposentar?
Eu penso bastante, pois é ruim não ter um rumo para seguir depois que para de jogar. A gente aposenta cedo e aí fica muito tempo ocioso. Deve ser legal um mês, dois, um ano de férias, relaxando. Mas depois temos de ocupar nossas cabeças com coisas boas para não pirar também. Gosto muito de restaurantes, saio muito por São Paulo para visitar, conhecer lugares novos e até pesquisar para aplicar lá na frente. Seria um ramo que eu acho que entraria, gosto muito, sabe? Conheço vários, penso entrar na área. Estou amadurecendo a ideia.

Isso seria já agora ou só depois de parar de jogar?

O problema é que você precisa ter gente de confiança para tocar o seu negócio e se você não está perto fica complicado. Mas tem o outro lado, que se não der tão certo, você tem seu salário para te ajudar, te manter. Um exemplo: o Alecsandro também tem restaurante e uma vez falou sobre isso, achei bem inteligente a declaração dele. Ele falava que se o seu negócio não desse certo depois de você parar de jogar, ficaria complicado, pois o dinheiro faria muita falta. Então penso bastante, não sei, estou amadurecendo algumas ideias.

Mas você só gerenciaria, certo?
Eu penso em fazer uma faculdade de administração, até para saber mais e saber levar o negócio. Penso em me envolver bastante, não vou ser o cozinheiro senão ninguém irá lá (risos). Penso em me especializar.

Como será o restaurante? Já sabe o estilo da cozinha?
Olha, eu tenho, mas não sei se vou falar... É meio, deixa para lá. Vou deixar para depois (risos). É meio ousado o projeto. Depois eu convido todo mundo e vocês veem lá.

Tem ideia de quando irá parar de jogar?
Eu brincava muito com meu irmão, falava que se jogasse até os 32 estava bom, mas agora não está dando para parar, não. Já estou começando a aumentar, acho que 33, 34... Se eu chegar em alto nível nessa idade, pretendo parar por aí. Mas a gente vai sendo levado pela vida. Por exemplo: o Danilo é assim, já tem uma idade mais elevada do que eu planejo para jogar, mas como ele joga em alto nível vai continuando. Enquanto não te pararem... Mas se começar a ir para lugares não tão legais, acho melhor parar mesmo.

Hoje os jogadores tem prolongado a carreira. Por que você quer parar com essa idade?
É muito difícil ir até essa idade. Eu joguei com o Zé Roberto no Grêmio, e ele é um cara que se cuidou muito, se preparou para isso, mas a genética também o ajuda. Não é todo mundo que tem essa possibilidade, convive com dores, com lesões... Eu amo jogar futebol, o maior sonho realizado da minha vida é ser jogador, mas eu estou tentando me preparar para o momento de parar. Todos devem ter isso na cabeça, uma hora vamos parar e precisamos nos preparar para esse momento. Primeiro tem que guardar dinheiro, saber o que vai fazer, tentar se aperfeiçoar...

Ainda sente o mesmo prazer de quando começou a carreira?
O prazer é o mesmo. Quando você entra em campo, esquece de tudo que está se passando na vida, se concentra só naquilo, o prazer de jogar, disputando contra adversários, fazendo o que gosta. Mas tem partes que enchem o saco realmente. Todo mundo tem o direito de um dia de não querer fazer alguma coisa. Algumas vezes, eu não tenho vontade de vir treinar, mas tenho que vir, né? No geral, compensa.

O ano foi turbulento para o Corinthians, mas você já enfrentou situações piores, como em 2014. Você tenta tranquilizar os mais novos?
O que mais me espantou aqui foi a invasão da torcida (do CT, em 2014), depois que vi aquilo ali, o resto ficou tranquilo demais (risos). Esse foi o dia mais complicado, o resto foi de boa. A gente tem a cobrança aqui que é imensa, do clube, de nós mesmos, que sabemos que temos condição e potencial para sermos melhores... Mas a gente tem uma cobrança grande também da torcida, e todo mundo tem respeito por isso, sabe que no Corinthians é assim.

Você, com 28 anos e já tendo um tempo de clube, acaba sendo uma espécie de líder e orientador dos mais jovens, imagino.
Quando as coisas começam dar um pouco errado a gente já fala "vamos começar a ganhar aí, senão pode dar uma complicada, vocês estão vivendo uma época boa". A gente lembra o pessoal, tem alguns remanescentes da invasão, até contamos histórias desse dia para mostrar que a cobrança é grande. Mas tem aquela coisa: se a torcida vê que o time está se entregando, se empenhando, jogando com vontade, eles conseguem até entender. Tentamos passar para os mais novos que aqui tem que ser assim, senão as coisas podem sair do normal.

Como você reagiu na invasão?
Eu estava meio aéreo ainda, tinha pouco tempo de clube, não entendi muito bem o que era. Viver aquilo é diferente... Ainda era o começo da minha primeira passagem, eu tinha jogado alguns jogos no fim de 2013, a invasão foi no começo de 2014. Naquele dia deu pra ver, como o pessoal fala, que o bagulho é doido.

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