São Januário: palco da história política, cultural e social do Brasil

Este capítulo da série especial dos 90 anos da Colina mostra que ela é mais do que só uma arena esportiva. Estádio já recebeu comícios de Vargas, desfiles e concertos de Villa-Lobos

Especial 90 anos de São Januário - Jornal A Noite noticiando discurso de Vargas em São Januário
(Foto: Reprodução)

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Cenário de muitas glórias do Vasco, São Januário tem um papel que vai além do que apenas uma arena esportiva. Símbolo da demonstração de força do clube e sua luta contra o preconceito, e construído com uma grande mobilização dos vascaínos, o estádio serviu de palco para muitos eventos importantes. Por isso, ele faz parte da história política, social e cultural do Brasil. Esta parte da série especial do aniversário de 90 anos da Colina Histórica, comemorado no próximo dia 21 de abril, mostra acontecimentos marcantes no templo cruz-maltino fora do mundo da bola.

São Januário foi cedido muitas vezes para festas cívicas como Dia da Independência e Dia do Trabalhador nos anos 40 e 50. Do estádio vascaíno, o presidente da república Getúlio Vargas desfilou em carro aberto ao redor do gramado e discursou da Tribuna de Honra para milhares de pessoas diversas vezes. Foi lá que Vargas instituiu o Salário Mínimo, anunciou a instalação da Justiça do Trabalho e grandes feitos para o trabalhador no 1º de maio.

Getúlio Vargas escolhia São Januário até quando já tinha o Maracanã. Criou-se uma identidade.

Segundo Walmer Peres, historiador do Centro de Memória do Vasco, Getúlio Vargas criou uma identificação com São Januário. Tanto que o então presidente continuou fazendo seus discursos no estádio mesmo com a construção do Maracanã, que era maior.

- Getúlio Vargas escolhia São Januário até quando já tinha o Maracanã. Em 1951, quando ele retorna (à presidência), ele escolhe São Januário ao invés do Maracanã. Isso aí pouca gente se atenta. Em 1951 e 1952 ele está aqui. Poderia estar no Maracanã, era um palco para 200 mil pessoas. Mas ele prefere fazer aqui em São Januário. Criou-se uma identidade – conta o historiador, garantindo que essa ligação não deu ao Cruz-Maltino nenhum benefício específico.

- O que não significou que o Vasco tenha angariado preferências. Quando Getúlio ia dar algum benefício para clubes esportivos, ele dava para todos. O Vasco nunca foi beneficiado pelo poder público. Aqui era um espaço que era cedido para diversos eventos. Mas isso não significou benefícios para o Vasco em detrimento aos outros clubes – completou.

Além de Vargas, outras figuras importantes da política brasileira figuraram na Tribuna de Honra do estádio, como Luiz Carlos Prestes, Juscelino Kubitschek, Eurico Gaspar Dutra, João Goulart e outros.

A Colina Histórica já recebeu também uma das manifestações culturais mais importantes do Brasil, reconhecida no mundo todo, que é o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Um deles aconteceu em 1943, de forma beneficente, promovido pela primeira-dama Darcy Vargas e vencido pela Portela. Em 1945, o espetáculo ocorreu lá novamente, desta vez a competição oficial, que terminou com mais uma vitória da escola de Madureira. Nesta ocasião, um assassinato numa confusão de membros de duas escolas marcou o desfile.

Através da cortina de lágrimas, desenhava-se a figura nevoenta do maestro, que captara a essência musical do nosso povo.

- Um episódio de violência marcou este desfile de fevereiro de 1945. O bailarino da Depois Eu Digo, José Matinadas, foi assassinado durante uma briga entre integrantes da escola de samba com membros da escola Cada Ano Sai Melhor. Atribuíram o crime ocorrido no campo do Vasco a um famoso mestre-sala da Depois Eu Digo, Avelino dos Santos, que foi detido, mas ele nem tinha ido ao desfile - conta Haroldo Costa, ator, escritor e pesquisador sobre carnaval.

O lendário maestro Heitor Villa-Lobos também já regeu concertos no templo vascaíno. Um deles foi em 1940, no dia 7 de setembro, quando concentrou no estádio 40 mil estudantes de escolas com turmas de música do Rio de Janeiro. As canções eram sobre a natureza do Brasil. Pelo depoimento do poeta Carlos Drummond de Andrade, que era torcedor do Vasco, dá para se ter ideia de como eram esses espetáculos de Villa-Lobos.

- A multidão em torno vivia uma emoção brasileira e cósmica, estávamos tão unidos uns aos outros, tão participantes e ao mesmo tempo tão individualizados e ricos de nós mesmos, na plenitude da nossa capacidade sensorial, era tão belo e esmagador que, para muitos, não havia outro jeito senão chorar; chorar de pura alegria. Através da cortina de lágrimas, desenhava-se a figura nevoenta do maestro, que captara a essência musical do nosso povo – disse o poeta em declaração retirada do livro ‘Memória social dos esportes: São Januário, arquitetura e história’.

Em março de 1980, São Januário foi palco de um show do grupo Menudo, um sucesso que levou uma multidão ao estádio. Segundo as estimativas da imprensa na época, eram cerca de 80 mil expectadores. Porém, os organizadores diziam que tinham vendido 130 mil ingressos. A falta de organização do evento com um grande número de pessoas ocasionou numa tragédia. Na confusão para a entrada no espetáculo, duas pessoas morreram.

São Januário também já recebeu eventos religiosos, como missas campais. Uma delas foi no ano do centenário do Cruz-Maltino e contou com a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima. Em maio de 2015, o estádio foi alugado para um culto da Igreja Mundial do Poder de Deus.

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