Ginastas relatam casos de abuso sexual por ex-técnico da Seleção

Fernando de Carvalho Lopes, ex-treinador de Diego Hypolito, fez carreira em clube de São Bernardo, por onde passaram dezenas de atletas que teriam sofrido assédio durante anos<br>

Fernando de Carvalho Lopes
Fernando de Carvalho Lopes foi afastado da Seleção às vésperas da Olimpíada do Rio (Foto: Divulgação/CBG)

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Ex-técnico da Seleção Brasileira de ginástica artística, Fernando de Carvalho Lopes é acusado por dezenas de atletas de ter cometido abuso sexual durante anos em um clube de São Bernardo do Campo (SP). A denúncia foi feita por uma reportagem do "Fantástico", da "Rede Globo", neste domingo. O treinador já havia sido afastado do time nacional em julho de 2016, um mês antes dos Jogos Rio-2016. Uma investigação sobre o caso está em curso há dois anos. 

O nome mais conhecido dentre os denunciantes é o de Petrix Barbosa, medalhista de ouro na competição por equipes dos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara-2011. Fernando foi seu primeiro técnico, no Mesc (Movimento de Expansão Social Católica). Eles trabalharam juntos por seis anos. Aos 13, o atleta não aguentou e resolveu sair. O treinador nega as acusações.

Petrix Barbosa
Petrix Barbosa é um dos que denuncia Fernando (Foto: Divulgação)

"Ele sempre perguntava como estava nosso desenvolvimento. Eu tinha 10, 11 anos, e ele (alegava que) precisava acompanhar nosso crescimento, então dizia que a gente precisava mostrar o pênis"

– Ele sempre perguntava como estava nosso desenvolvimento. Eu tinha 10, 11 anos, e ele (alegava que) precisava acompanhar nosso crescimento, então dizia que a gente precisava mostrar o pênis. Eu era o queridinho. Ele tinha uma paixão por mim que eu nunca soube explicar. E todos viam e sabiam disso – contou o ginasta, hoje com 26 anos, que hoje diz ter sido sufocado pelo técnico.

– Toda vez que eu ia dormir, na casa dele ou no hotel, ele queria dormir comigo na cama, mas aí eu ia dormir no chão. E ele falava: “não, fulano vai para o chão e o Petrix vai dormir na cama comigo”. Todo mundo me olhava, e às vezes tentavam me tirar, mas ele não deixava. Era uma coisa comigo, e eu ficava sufocado, sufocado, sufocado.

"Ele mandava um embora mais cedo para entrar no banheiro. Já chegou a pedir para eu me masturbar na frente dele. Já tentou pegar no meu pênis. Já pegou, não posso mentir"<br>

A maior parte nos nomes ouvidos pela reportagem não quis ser identificada, mas atletas e ex-atletas contaram detalhes de como era a convivência com Fernando e de que modo os abusos aconteciam. Era comum ouvirem o comandante pedir para ver e tocar em partes íntimas com a justificativa de que isto definiria o plano de treinamento a ser colocado em prática. O "Fantástico" ouviu 42 relevações de assédio.

– Ele mandava um embora mais cedo para entrar no banheiro. Já chegou a pedir para eu me masturbar na frente dele. Já tentou pegar no meu pênis. Já pegou, não posso mentir – afirmou uma das vítimas, ao "Fantástico".

O mesmo ex-atleta contou que tudo acontecia em uma salinha no clube de São Bernardo, onde os garotos eram chamados individualmente.

– Ele pedia pra gente ir na salinha dele. Que só podia entrar ele. Só podia entrar lá com ele. E lá ele ficava perguntando se a gente já se masturbava, pedia para ficar fazendo na frente dele. Mas ele falava: “Não, você tem de virar para frente”. Ele ficava olhando nossas partes íntimas. E ficava pedindo para tocar no nosso pênis – contou o garoto, hoje com 22 anos.

As denúncias começaram em 2016, quando um menino de 13 anos resolveu revelar aos pais os abusos que vinha sofrendo do treinador no clube paulista.
Ele contou que Fernando o perguntava se ele havia entrado na puberdade ou se já tinha pelos na região do pênis, pois a informação "seria necessária para mudar o treino”. Em outra parte do depoimento, a vítima afirmou que o treinador “tocava com frequência seus órgãos genitais”, e que durante um exercício de flexibilidade, ele “enfiou a mão em seu calção e retirou seu pênis para fora”.

– Eu saí perguntando e descobri que havia acontecido com vários garotos. Os moleques tinham medo. Eu estava pedindo ajuda a todos para irem depor, todos que sofreram. Da época do meu filho, todos infelizmente pararam a ginástica. Eu questionei muito o meu filho. Perguntei: Por que não me contou antes? E ele me explicou que achava que eu gostava do Fernando. Mas não era isso! Eu pensava só que ele era um bom técnico, eu fui enganado, como muita gente também foi – disse o pai do garoto.

O caso chegou até a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) e ao Comitê Olímpico do Brasil (COB), o que levou ao afastamento de Fernando da Seleção no dia 14 de julho de 2016. Ele nunca mais voltou a trabalhar na equipe, mas mantém um cargo administrativo no Mesc.

O treinador é apontado como um dos grandes responsáveis pelo sucesso de Diego Hypolito, prata na Rio-2016 no solo. O atleta afirmou que, até algum tempo atrás, não acreditava nas acusações, mas disse que mudou de ideia.

– Minha sensação é de que era fofoca. Hoje em dia, eu não acredito que não seja real. Muita gente teve a coragem de falar – falou Diego, que, na época do afastamento de Fernando, caracterizou sua relação com o treinador como estritamente profissional.

Alguns dos ex-atletas do acusado afirmaram ainda que Marcos Goto, coordenador técnico da Seleção Brasileira e profissional do São Caetano, para onde muitos ginastas se transferiram após os abusos, fazia piada do assunto com os ginastas. Eles reclamam que ele, assim como outros treinadores, sabiam dos casos e nunca fizeram nada para mudar a situação. Ele foi procurado, mas não quis dar entrevistas.

Marcos Goto - Técnico do Arthur Zanetti
Marcos Goto, coordenador da Seleção, teria feito piadas dos atletas abusados por Fernando (Foto: Ricardo Bufolin/CBG)

Conhecido pelo jeito explosivo e rígido no treinamentos, Fernando disse à reportagem do "Fantástico" que tem a consciência limpa de que não cometeu crimes e falou que os acusadores terão de provar o que estão falando. 

– Nunca fui um técnico legal. Eu fui um técnico sempre muito rigoroso, às vezes até demais. E acho que por outro lado eu tive um problema de ser um cara que muitas vezes misturei, de achar que eu era mais do que um técnico. Acho que eu podia ser um amigo, podia ser um pai, que podia ser qualquer outra coisa. Então, isso talvez tenha dado uma margem de interpretação errada para cada um deles. Mas a ponto desse tipo de acusação, eu não tenho o que falar, eu acho que eles vão ter que provar. Eu sei que eu tenho minha consciência limpa no que diz respeito que eu nunca estuprei, que eu nunca molestei ninguém, num intuito como está sendo colocado, entendeu? – disse o treinador.

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