Jornal revela abuso de poder e sexual dentro da arbitragem do tênis

Clientelismo serviria para árbitros se promoverem e até relações sexuais

Soeren Frimel
Divulgação

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O jornal britânico The Telegraph publicou uma nova reportagem em que denuncia abusos sexuais e de poder, dentro do fechado mundo da arbitragem do tênis profissional. A publicação garante que histórias de abusos foram acobertadas pelas entidades do esporte.

Responsável por tornar pública a denúncia que promoveu o afastamento e posterior renúncia do alemão Soeren Friemel da chefia de arbitragem da Federação Internacional de Tênis (ITF), o jornal britânico teve acesso a uma série de denúncias feitas sobre abuso de poder e sexual para a promoção ou não de jovens árbitros no esporte.

Segundo apurou o jornal, há pelo menos 15 anos as autoridades do tênis nas suas três entidades máximas ITF, ATP (tênis masculino profissional) e WTA (feminino), tiveram conhecimento deste tipo de revelações, que acabaram abafadas por "acordos de confidencialidade" assinados por seus funcionários.

Estes acordos são assinados por árbitros contratados por cada uma das entidades e pelos mesmos os profissionais ficam proibidos de manter qualquer relação com profissionais da mídia, de conversas informais e pessoais a entrevistas. Nada é permitido sem autorização prévia de seu superior imediato.

Como funcionam os acordos

A título de esclarecimento, em uma de suas participações em torneios ATP realizados no Brasil, o marroquino Mohamed El Jennati chegou a 'brincar' com profissionais da comunicação dos torneios na área de imprensa, mas limitou-se a desejar "boa tarde" sem nenhum outro contato, com os profissionais de mídia. Com o detalhe de estar sempre acompanhado pelo chefe de comunicação da ATP nos torneios. Já o argentino Damian Steiner foi demitido pela ATP em agosto de 2019 após conceder uma entrevista à imprensa Argentina para comentar sua primeira final de Wimbledon como árbitro.

Silenciar árbitros

Ouvido pelo Telegraph, Richard Ings, ex-chefe de arbitragem da ATP entre 2001 e 2005, relatou o que se tornaram esses acordos: “Esta regra foi projetada para evitar a discussão de casos particulares dentro das partidas. Nunca foi projetado para proteger o esporte de constrangimento. Mas isso é o que se tornou".

O que se sabe é que a partir do momento que qualquer denúncia é feita, mesmo que sob anonimato, junto à imprensa os chefes de arbitragem perseguem até descobrir quem vazou as informações e em muitos casos não fazem uso da 'violação do código' de conduta para punir o árbitro em questão, mas apenas promove sua exclusão de escalas e convocatórias.

Construção de uma panelinha

A decisão do sistema de arbitragem está totalmente na mão de poucas pessoas e é por isso, que situações de abuso de poder e/ou clientelismo são recorrentes na comunidade arbitral.

Segundo o jornal, outro nome tão ou mais importante que Soeren Friemel protagonizou acusação similar em que o "uso dos corpos" de jovens profissionais teria sido 'incentivado' e/ou requerido como meio de promoção na carreira. De acordo com a reportagem, o nome da autoridade em questão não pode se revelado por questões jurídicas.

A história seria "muito conhecida" no mundo da arbitragem de tênis, mas nunca saiu da bolha em razão dos contratos de confidencialidade. O jornal britânico então ouviu o ex-árbitro sueco Martin Wikstrom, que trabalhou no circuito no início dos anos 2000: "Na minha época, era um caminho bem conhecido para sua carreira se você estivesse aberto a usar seu corpo para promovê-la. Quando você olha para alguns dos funcionários que passaram – digamos dentro de 10 anos – não havia como eles terem feito isso (trabalhado), se a decisão fosse puramente baseada em sua competência", acusou.

A promoção de árbitro é feita em um sistema de classificação que sai de branco a ouro, porém, só é possível "subir de categoria" ao ser bem avaliado ao fim do ano por seus pares, imediatamente da classe acima. Ex: os árbitros prata avaliam os brancos e os ouros avaliam os pratas. Segundo o jornal, ex árbitros afirmaram que foram encorajados a avaliar "menos positivamente" outros profissionais, foram o direto conflito de interesses, pois a promoção de cargo significa diretamente "ampliação" de concorrência.

"Os supervisores e juízes têm a flexibilidade de redigir os relatórios (sobre outros árbitros) da maneira que quiserem. Não é transparente. Não é neutro. Árbitros com distintivos de ouro (que são 33). Vem em 50 tons de ouro. Alguns têm metade do sorteio em sua 'No List', enquanto outros podem lidar com todos os competidores", denuncia uma das fontes do jornal.

A inclusão de "No List" é uma espécie de lista de jogadores das quais as partidas um determinado árbitro é mantido afastado, devido a desentendimentos anteriores. Vale ressaltar que em 2015 a ATP negou que tivesse classificado o brasileiro Carlos Bernardes como 'No List' para os jogos do espanhol Rafael Nadal, após um desentendimento entre o espanhol e o brasileiro durante uma partida do Rio Open. A prática do 'No List' sequer é oficializada pelas entidades, porém de fato, Bernardes esteve afastado dos jogos de Nadal por quatro meses.

Graves denúncias

Apesar de não informar nomes por questões de confidencialidade, a reportagem do The Telegraph coloca em dúvida todo o sistema de arbitragem de um dos esportes mais populares do mundo e é comandada por uma meia dúzia de pessoas nas entidades e que somam 30 árbitros de elite: 9 na ITF, 9 na ATP, 7 na WTA e outros 5 da categoria "desenvolvimento".

O jornal tentou colher opiniões sobre a ideia de dar a arbitragem do tênis à Agência Internacional de Integridade do Tênis (ITIA), que é um órgão independente. Entretanto, as opiniões são divididas a este respeito.

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