Olhos da Copa: Tino Marcos relembra ‘truque’ para cobrir o tetra da Seleção Brasileira

Ex-jornalista da Globo contou histórias que viveu quando trabalhou em mundiais


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Tino Marcos é um dos grandes nomes do Brasil quando o assunto é cobertura de Copa do Mundo. Ex-funcionário da Globo, o jornalista trabalhou em oito mundiais pela emissora. O repórter de 60 anos foi o primeiro convidado do LANCE! na série especial "Os Olhos da Copa", que conta com personalidades que já vivenciaram de perto um mundial. Veja a entrevista em vídeo acima.

Tino relembrou histórias do torneio, como quando foi expulso de campo após o tetracampeonato da Seleção, em 1994.

- Foi uma situação que hoje não se repetiria. Naquela final, não tinha possibilidade de ter um repórter em campo, mas a Globo tem a tradição de ter um repórter no gramado nas transmissões. E aí aconteceu que eu entrei como auxiliar de câmera, com o microfone desmontado. Durante o jogo eu fui montando e eu estava atrás do gol. Comecei a ouvir o Galvão, o retorno funcionou - começou Tino.

- Era o último jogo mesmo, se tirasse minha credencial, tudo bem. Quando eles vieram fazendo a volta olímpica, falei: 'Agora é minha hora'. Pulei a placa de publicidade, passei por baixo dos anéis que tinham no meio e entrevistei alguns ali ao vivo. Aí veio a segurança e me expulsou de campo, mas ali eu já estava completamente realizado. Era mais um brasileiro comemorando - emendou o jornalista.

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Tino Marcos começou na cobertura da Seleção Brasileira no fim da década de 1990. No início do ano passado, o jornalista decidiu deixar a Globo e vai curtir a Copa do Mundo do Qatar como torcedor. O repórter também recordou outras lembranças dos mundiais que trabalhou, como a convulsão de Ronaldo em 1998 e a cobertura do 7 a 1, em 2014.

Veja outros trechos da entrevista com Tino Marcos:

Sensação de ser escolhido para cobrir uma Copa do Mundo
Foi muito emocionante, com alguns lances de suspense. Eu era jovem, mas já vinha cobrindo a Seleção na Copa América e nas Eliminatórias. Estava tudo certo para ir à Copa, mas veio o Plano Collor e houve um corte de pessoas. Iriam 90 pessoas para o Mundial de 1990 e esse número caiu para 30, mas me mantive na lista. Só que havia um repórter que estava voltando de Londres, um correspondente, que estava infeliz. Aí, como 'prêmio de consolação' deram a ele a ida à Copa, e meu nome acabou caindo. Foi uma depressão muito grande faltando semanas para a Copa. Houve uma mobilização do meu diretor na época, do diretor geral de jornalismo da Globo, e acabei entrando na lista de novo.

Como foi a primeira cobertura de Copa?
É um evento de descobertas, é algo que você se surpreende com o tamanho. É igual a ser pai, você só tem a sensação quando está ali para viver aquilo. Foi muito impactante e marcante. A Itália é um país que ama futebol, uma atmosfera de paixão, de envolvimento total com o futebol. Infelizmente o Brasil não foi longe. Foi a primeira vez que eu usei um celular, era um tijolão na época. É o evento com o qual qualquer jornalista esportivo sonha. É muito realizador.

A relação jornalista x torcedor em uma Copa do Mundo
A Seleção Brasileira somos nós, os brasileiros, é diferente de quando você vai falar de clubes, que tem que ter um extremo cuidado, porque você fala com diferentes torcidas. Claro que a gente tem que trabalhar dentro do que é ético. Somos nós que estamos ali. Dá pra embarcar um pouco nessa coisa do torcedor. Não tem muito conflito.

A convulsão de Ronaldo antes da final de 1998
O jornalista gosta de enredo, de notícia. A história está no drama, na novidade, no inusitado. E nada mais inusitado do que o que aconteceu na final, naquele último jogo. O roteiro daquela história é improvável demais. Vem toda a teoria de conspiração na época. Muita gente falava comigo direto perguntando o que aconteceu, se a Seleção se vendeu. Cobrir uma Copa que a Seleção chega na final é uma grande história. Essa teve um desfecho muito ruim. O que aconteceu se sabe, já foi dito, não tem mais nada por baixo de pano nenhum.

O pentacampeonato da Seleção Brasileira em 2002
Foi uma Copa muito itinerante, em outro lugar do mundo, com horários completamente diferentes. Foi uma Copa em que o Brasil foi crescendo na competição, chegou desacreditada, quase não avançou nas Eliminatórias. Mas fez uma Copa incrível, com um encaixe perfeito de peças fundamentais, como Ronaldo e Rivaldo. O médico do Barcelona chegou a convocar uma coletiva para dizer que o Rivaldo não tinha condição de jogar a Copa, que precisava ser operado. Vinte minutos depois, o José Luiz Runco chamou a gente para bancar a presença do Rivaldo na Copa em uma atitude de coragem, porque nem ele tinha 100% de certeza que ele jogaria. Copa do Mundo é isso. É o momento em que tudo tem que acontecer favoravelmente. É um reserva que entra e se destaca. Quem entra resolve. É assim que se ganha uma Copa.

A história da chuteira de Ronaldo Fenômeno
O Ronaldo é um personagem que eu conheci do início ao fim como jogador. Ele dizia que o sonho dele era ser entrevistado pelo Tino Marcos. Então eu tinha um bom relacionamento com ele. E quando ele faz aquele gol, é muito simbólico, porque ele não estava na plenitude dos movimentos dele. Ele tinha dor pra bater de chapa e aquele gol de bico é o recurso do gênio para resolver a parada. Aí eu resolvi pedir a chuteira dele, falei: 'Fenômeno, me empresta a chuteira direita? É rapidinho, te devolvo agora'. Ele falou: 'Tá maluco, vou jogar a final com ela'. Eu falei pra ele confiar em mim e quando vi ele abaixando, aí eu falei 'Já foi'. Aí eu gravei lá e no final do jogo, vários repórteres começaram a me fotografar. As pessoas queriam tirar foto com a chuteira também, aí eu falei: 'Tá maluco, isso aqui não dou pra ninguém'. Na zona mista, o Fenômeno passou e eu devolvi pra ele.

A cobertura do 7 a 1, contra a Alemanha, em 2014
Foi o jogo mais difícil de contar. Foi o jogo que eu tive o maior desafio para fazer a crônica, que iria ao ar no Jornal Nacional. Pensei em quais adjetivos usar, me perguntei o que era aquilo, tentando entender o que tinha acontecido e de que maneira iria dimensionar aqui. Foi muito diferente de tudo que a gente já viveu. Acho que nunca mais vamos viver isso. E eu tava ao vivo, ali, falando para dezenas de milhões de pessoas. Mas ao mesmo tempo eu estava em uma espécie de solidão também. Era pra gravar dali mesmo, ia escrevendo na perna. Lembro que eu pedi ajuda do editor que estava trabalhando na matéria, porque era um negócio diferente demais. Na esfera do esporte, foi a tarefa mais difícil.

Qual seleção e qual jogador de Copa aponta como melhores?
Eu sempre cobri Brasil, então quando você cobre só uma seleção, você não vê muito o que acontece no resto da Copa. O que mais brilhou os olhos foram os dois títulos, uma final entre 1994 e 2002. A de 94 pela importância do tempo que havia e pela organização tática. Não foi a mais encantadora, mas a de 94 eu tenho uma grande admiração por isso. Foi uma seleção muito segura, levou poucos sustos, Taffarel fez poucas defesas difíceis e tinha também a genialidade do Bebeto com o Romário. Agora o maior jogador é difícil, eu fico entre o Ronaldo e o Romário. Quando eu via as arrancadas do Ronaldo eu ficava impressionado. O maior gênio da grande área para mim é o Romário. O conjunto da obra acho muito difícil entre os dois.

A estrutura das Copas do Mundo
As Copas vem sendo aperfeiçoadas em alguns aspectos de organização, tentando se tornar mais facilitadas pra quem trabalha. Foram criando identificações que facilitam. A Fifa organiza muito bem as Copas. É um evento comercial, se você tem grana, você compra postos, câmeras e tudo mais. Não tem, tchau. Está muito atrelado aos compromissos comerciais. As coisas vão avançando, mas é tudo muito restrito, muito controlado. A Seleção passa a pertencer à Fifa. A 'Bolha Fifa' que se instala, que eu acho que é merecedora de elogios.

Relação pessoal com ex-jogadores da Seleção
O Ronaldo por tudo que aconteceu e ainda acontece (...) é o cara com quem eu tenho mais proximidade. Embora tantos outros eu tenha carinho também. Mas eu fui um repórter que procurou entender os limites do relacionamento. Nunca fui um cara de amizade a toda prova, nem de perseguição gratuita. Meu trabalho era para a TV Globo, meu compromisso era com a notícia. Em 1994, o Romário chegou a ir no meu quarto do hotel para dar entrevista exclusiva. Ele deu muita moral. Aí uma vez ele chegou pra mim e perguntou: 'Se você me ver por aí à noite, numa festa, isso para você é notícia?' Eu respondi que não era a não ser que estivesse atrelado a um compromisso que eu estivesse cobrindo. Eu falei: 'Se era para você voltar às 22h e você voltou às 1h, se eu souber onde você estava, é notícia'. Ele até olhou com cara feia, não gostou, mas depois entendeu.

Primeira Copa fora da Globo desde 1990
Tô felizão que eu vou curtir a Copa, que eu vou ver a Copa inteira, coisa que eu não fiz nas últimas oito edições. Tive várias propostas para ir, outras para cobrir daqui. Não fechei com ninguém. Muita gente pode pensar que eu estou esnobando uma Copa do Mundo. Queria que entendessem que, depois que oito que a gente faz, é muito tempo. A cobertura de Seleção Brasileira também está um pouco monótona. A gente às vezes só vê 15 minutos, roda de bobo, aquecimento. Às vezes não tem nada, fica o dia inteiro fechado. É um estreitamento da relação. Se eu não estou tão afim, e posso ver de outra forma, eu vou. Foi uma decisão bem amadurecida. Eu comecei cobrindo no título da Copa América de 1989, e trinta anos depois, a Seleção foi campeã de novo do torneio, no Maracanã. Ali foi quando me desvinculei.

Relação com Galvão Bueno e brincadeiras das redes sociais
As brincadeiras do povo eu acho super maneiro, todo lugar que eu vou as pessoas brincam com isso ('Fala, Tino'). A relação com Galvão é quase de família, porque é muito tempo viajando, dividindo situações de frio, calor, stress, paz e alegria. É um cara que me acolhe muito, sempre me deu muita moral. Ele botou no livro dele que eu sou o melhor repórter com quem ele trabalhou, é muito. Ele é a voz da TV brasileira nos últimos 40 anos. É muito orgulho ter sido esse companheiro profissional para ele e ter a oportunidade de conhecer a pessoa e o homem que ele é. Já vi ele fazer coisas, como comprar um casaco, um sobretudo para um repórter que não tinha se preparado direito para uma cobertura na Suíça. Sou muito grato por ter conhecido o Galvão.

Momento pessoal mais marcante da história das Copas
O momento mais marcante pra mim foi no dia 17 de julho de 1994, lá em Pasadena, na Califórnia, quando o Brasil ganhou o tetra. Ali eu digo que tenho a pérola mais preciosa de toda a carreira, por tudo o que significava aquele momento. Era a minha segunda Copa, a primeira que vi o Brasil ser campeão. Foi uma cobertura longa, cansativa, com um calor muito grande lá. Foi demais, me transformei. Estava tão excitado após o título que pedi pro meu companheiro de cobertura na época segurar uma matéria, porque eu queria botar a camisa do Brasil e tomar uma cerveja. Aquele dia continuou no hotel, o Romário foi anunciado como melhor jogador durante a festa, aí ele subiu em uma mesa e bebeu champanhe, coisa que ele nunca tinha feito. Esse dia foi o mais feliz da minha carreira.

Tino Marcos
Tino Marcos cobriu oito Copas do Mundo (Foto: Bruno Vaz/LANCE)

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