Luiz Gomes: ‘Investigação maior’

Uma investigação ainda mais ampla, conduzida pela Polícia Federal e o Ministério Público, que vasculhe com lupa borderôs de arrecadação em arenas Brasil afora

Mané Garrincha
Roni foi detido durante jogo entre Botafogo e Palmeiras, no Mané Garrincha, no último sábado (Foto: Divulgação)

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A venda do mando de campo no Campeonato Brasileiro sempre dividiu opiniões. Na CBF e entre os clubes jamais houve consenso e a consequência disso é que, ano após ano, a regra muda. Já houve liberação total, proibição total, cotas de negociação e até permissão para que um time jogue fora de casa, mas apenas dentro do seu estado de origem. Este ano, o regulamento estabelece que cada clube da Série A pode vender até cinco mandos, exceto nas cinco rodadas finais da competição.

A questão técnica é que sempre deu o tom dessas discussões. Quando um time de menor torcida vende o mando de campo num jogo com um clube de projeção nacional, abre mão da pressão de sua torcida em seu estádio e joga, normalmente, em uma cidade onde o adversário é que tem mais força, atrai mais público e acaba sentindo-se em casa. Isso provoca um claro desequilíbrio técnico no campeonato, com favorecimento de uns em detrimento de outros.

A operação Episkiros, da Polícia Civil de Brasilia, deflagrada neste fim de semana com a prisão do ex-jogador Roni, do presidente da federação brasiliense de futebol, Daniel Vasconcelos, e mais cinco pessoas, mostrou que o problema vai muito além do aspecto técnico: tudo indica que por trás do comércio de mandos de campo atua uma complexa organização criminosa que se especializou em desviar dinheiro dos clubes, das federações e dos administradores de estádios, além de sonegar impostos.

Roni, ídolo do Fluminense, com passagem pelo Santos, futebol europeu e a seleção brasileira, montou após a aposentadoria uma empresa de gestão esportiva, chamada Roni7, cujo negócio principal é exatamente a promoção de jogos a partir da compra de mandos de campo. O ex-atacante foi levado pelos policiais, no sábado, de um camarote do Mané Garrincha onde assistia ao jogo do Botafogo com o Palmeiras, organizado por ele com a compra dos direitos do alvinegro carioca.

O negócio seria legítimo não fosse por um detalhe: as prestações de contas, segundo as investigações, são fraudadas pelo grupo que reduz nos borderôs o público presente nas arquibancadas como forma de recolher menos impostos e reduzir o valor do aluguel dos estádios, o repasse para as federações e, quando acertado em contrato, para o clube que cedeu os direitos. Nos jogos no Mané Garrincha, principal estádio usado pela empresa, Roni costumava pagar 5% da renda bruta pelo aluguel. Segundo a polícia, pelo menos outras 20 partidas organizadas por ele no interior de São Paulo, Paraná, Espírito Santo, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e Amazonas estão sob suspeita e serão investigadas.

A denúncia é da maior gravidade. Comprovadas as fraudes Roni e seu bando têm de pagar caro pelo esquema criminoso que montaram. Mas cabe uma pergunta importante: serão eles os únicos vilões desse tipo no futebol brasileiro?

Nos últimos anos, com maior intensidade após a Copa de 2014, a informatização das bilheterias, a substituição dos ingressos de papel pelos cartões digitais, aumentaram em muito o controle sobre o acesso dos torcedores aos estádios. E, ao menos em tese, também tornaram mais segura e eficiente a fiscalização dos borderôs. Ainda assim, vez por outra, especialmente em estádios do interior, o anúncio do público pagante – obrigatório desde a promulgação do Estatuto do Torcedor - ainda surpreende negativamente, deixando a impressão de que tinha mais gente do que o que foi divulgado.

Por isso, talvez seja a hora, a partir da operação da polícia brasiliense, de uma investigação ainda mais ampla, conduzida pela Polícia Federal e o Ministério Público, que vasculhe com lupa borderôs de arrecadação em arenas Brasil afora. Afinal, o prejuízo da sonegação é algo que ultrapassa o universo do esporte. Pode ser - e isso seria ótimo – que nada demais seja encontrado. Mas, em um país em que os três últimos mandatários do futebol estão presos, impedidos de viajar ao exterior ou banidos do futebol, não basta que as coisas estejam em ordem. É preciso mostrar que estão.

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