Adversário do Corinthians na Liberta, Arce desculpa narrador que lhe mandou ir a m… há 15 anos

Boliviano que defendeu o Timão, em 2007, ano do rebaixamento corintiano, atualmente defende o Always Ready e será adversário do clube do Parque São Jorge na Libertadores

Juan Carlos Arce - Corinthians, 2007
Atualmente com 36 anos, Arce defendeu o Timão quando tinha 21 anos (Foto: Ari Ferreira/Lancepress!)

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O dia 28 de novembro de 2007 marcou um dos últimos suspiros de esperança do torcedor do Corinthians em se salvar do rebaixamento, então inédito, no Campeonato Brasileiro.


Aos 3 minutos do segundo tempo da partida contra o Vasco, no estádio do Pacaembu, pela penúltima rodada do Brasileirão daquele ano, o atacante boliviano Juan Carlos Arce recebeu ótimo passe em profundidade de Éverton (que hoje também é Ribeiro), tentou tirar do goleiro vascaíno Cássio, mas tocou embaixo demais na bola, mandando por cima do gol.

Nas cabines de imprensa do estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, a reação do narrador Hugo Botelho, pela rádio 105 FM, foi tão espontânea quanto de qualquer outro louco do bando que estava nas arquibancadas do Paca.

- Bruno Octávio soltou na esquerda para Éverton, bom toque para Arce, dominou, vai marcar bateu... vai a m..., Arce. Pelo amor de deus, impressionante, ele, o cara, a bola e o gol e ele chuta a bola no tobogã – narrou Botelho.

Ninguém sabe qual seria futuro corintiano caso aquela bola entrasse. O se não joga futebol. Mas o fato é que 16 minutos depois de Arce perder o gol, Alan Kardec marcou o único tento do jogo, que deu a vitória por 1 a 0 para o Vasco da Gama.

Na rodada seguinte, o empate em 1 a 1 do Timão contra o Grêmio, em Porto Alegre, combinado a vitória do Goiás por 2 a 1 sobre o Internacional, em Goiânia, rebaixou o Time do Povo para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro pela primeira, e até aqui única, vez na história.

Quinze anos depois, Corinthians e Arce se reencontrarão, mas agora em outras circunstâncias. O Timão, depois do rebaixamento, se agigantou ainda mais. No ano seguinte foi finalista da Copa do Brasil. Duas temporadas depois levantou o caneco da competição, com um ataque comandado por, nada mais, nada menos, Ronaldo Fenômeno. Quatro anos após o rebaixamento, voltou a ser campeão brasileiro da Série A. E na temporada seguinte ao título da elite, conquistou a inédita Libertadores.

Dez anos desde a libertação continental, o sonho agora é o bicampeonato. E o início da trajetória em busca da conquista será diante de um velho conhecido: Juan Arce. O atacante defende o Always Ready, primeiro adversário corintiano nesta edição da Liberta. E o encontro inicial entre as duas equipes será nesta terça-feira (5), às 21h30, no estádio Hernando Siles, em La Paz, pela primeira rodada do grupo E.

Depois que saiu do Corinthians, na fatídica temporada de 2007, Arce defendeu o Al-Arabi, do Qatar, o Seongnam IC, da Coréia do Sul, e posteriormente voltou para o Oriente Petrolero, clube que o revelou. Em 2009, retornou ao Brasil, para jogar pelo Sport Recife, depois se transferiu para o Terek Gronzy, da Rússia, seguindo após isso para a sua terceira passagem pelo Petrolero. 

Em 2011, Arce foi jogar no Bolivar, clube no qual defendeu até o primeiro semestre do ano passado, quando 10 temporadas e meia depois, trocou a equipe azul pelo Always Ready. 

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A NARRAÇÃO

Quem ouviu e até hoje ouve a narração de Hugo Botelho mandando Arce ir para ‘aquele lugar’ tem certeza que o locutor é corintiano. Ledo engano.

Hugo é natural de Lavras, cidade do interior de Minas Gerais, e torce para o Cruzeiro. No entanto, o jornalista admite que no dia em que soltou a ‘pérola’ estava torcendo para o Timão vencer e permanecer na elite do futebol nacional, por conta da atmosfera que estava no Pacaembu.

- Essa história rende, né rapaz, desde 2007. Mas tem todo um contexto aí que é muito longo. Em suma, eu não queria que o Corinthians caísse para a segunda divisão. Não sou corintiano, sou cruzeirense, mas estava muito envolvido naquele momento. Era um clima muito pesado no Pacaembu, a gente até temia o que iria acontecer caso o Corinthians perdesse para o Vasco naquela noite. E o Arce naquela bola, que o Éverton Ribeiro tocou para ele, tentou tirar do goleiro, mas pegou muito embaixo da bola. E eu, no embalo, soltei a célebre frase, infeliz frase. E infeliz também foi a trajetória do Corinthians naquele ano, onde acabou sendo rebaixado. Mas marcou bastante - disse Hugo, em contato exclusivo com o LANCE!. 

AS DESCULPAS

Na hora da frase, Hugo Botelho temeu o pior. Primeiramente, a demissão. Em segundo lugar, uma repercussão negativa de forma maldosa, longe da intenção que o jornalista teve ao narrar o lance. 

- Eu te confesso que no início eu fiquei bem abalado. No momento, eu estava ao lado do Bruno Prado, Weber Lima e do Paulo Rafael, que era o nosso técnico, na cabine do Pacaembu, e eu me virei para a parede e continuei a falar sem olhar para o campo, sem olhar para os dois. Ao mesmo tempo eu pensava: ‘tô demitido, olha o que eu fiz’ - disse o narrador ao L!.

O alívio em primeiro lugar foi a repercussão positiva internamente na 105 FM, que utilizou da narração com bom humor. 

- Aí terminou a transmissão, abriu o nosso pós-jogo já com a gravação. Como a rádio tem até hoje aquele lado mais leve na transmissão, o chefe de esportes achou sensacional e colocou de novo, abriu o nosso pós-jogo com o trecho da narração. Aquilo já me deu um alívio, mas eu te confesso que fiquei aliviado no momento, mas muito preocupado com o desfecho de tudo aquilo que pudesse acontecer e, principalmente, em relação ao Arce. Eu não conhecia o Arce pessoalmente, mas não é correto aquilo que eu fiz, não foi legal, foi no impulso - relembrou Botelho. 

 - Não teve nenhum problema, a própria rádio viu que não foi nada programado. Foi bem legal. Na sequência do LANCE! o Hugo me chama e eu falo que tem que chamar o mordomo para levar o papel higiênico para limpar. O Corinthians em nenhum momento nos procurou, repudiou, e a gente teve um relacionamento muito bom com o Corinthians até mesmo no ano seguinte, com a Série B, com o Mano, e a gente fez até uma parceria. Isso (a narração) não influenciou em nada, foi espontâneo. Não foi nada programado, uma boa história da 105 - recorda Ricardo Martins, que era um dos coordenadores de esportes da rádio à época, e também repórter naquela transmissão, e que atualmente trabalha na TNT Sports, Santa Cecília TV e rádio Transamérica. 

Em 2019, durante uma viagem para Madrid, na Espanha, Hugo retornou ao Brasil no mesmo voo em que alguns atletas da seleção boliviana estavam. Os atletas vinham disputar a Copa América daquele ano, que foi vencida pela Seleção Brasileira. 

Na ocasião, Hugo dividiu assento com o meia Ramiro Vacca, à época do The Strongest, da Bolívia, mas que hoje defende o Beerschot Wilrijk, da Bélgica. Mas o contato que lhe causou mais vergonha foi com o centrovante Marcelo Moreno, que tem passagem por diversas equipes brasileiras, como Grêmio, Flamengo, Vitória e principalmente o Cruzeiro, clube de coração do narrador. 

- Eu mesmo já me puni. Inclusive, em Madrid, eu encontrei com o Marcelo Moreno antes da Copa América realizada no Brasil. Vim no voo com a seleção boliviana para São Paulo, dividindo espaço com o Ramiro Vacca, que é um menino muito bom, mas com ele eu nem toquei no assunto do Arce. Mas com o Marcelo Moreno, ele chegou em um grupo de brasileiros, tirou foto com todo mundo, e o pessoal brincou com ele relembrando da frase. Eu quase morri de vergonha - contou Hugo Botelho. 

Hugo Botelho
Hugo Botelho na viagem a Espanha, em 2019, em que o atacante boliviano Marcelo Moreno ficou sabendo da história da narração (Foto: Reprodução/Facebook)

DESCULPAS ACEITAS

Ao LANCE!, Hugo Botelho reforçou que 'se pudesse pediria desculpas ao ex-jogador corintiano'.

A reportagem, então, entrou em contato com Juan Arce, que disse se lembrar do episídio, mas ficou longe de se chatear com ocorrido, levando, inclusive, a situação, com ótimo humor.

- Aceito (as desculpas). Estou consciente do que havia passado no momento. Era um momento de clímax para o locutor, o jornalista, aos torcedores e até os técnicos, se assim podemos denominar. As desculpas sempre vêm bem recebidas, já passou e creio que não tenho nada mais o que dizer, são momentos do futebol - disse o atacante em contato exclusivo com o LANCE!.

Arce relembrou o peso que era qualquer erro naquele momento delicado que o Corinthians vivia naquela época.

- Como todos os momentos da última partida do Corinthians desse ano que nos tocou, porque foi um momento difícil, e cada gol que errávamos era como se fosse o gol da nossa vida. Quando jogávamos mal ou partida que perderíamos era com horror, e pegávamos caro, que custou um rebaixamento. Mas me sinto muito tranquilo e tomo da melhor maneira, como um momento espontâneo, até dos torcedores que viveram esse momento e sentiu que cairíamos aquele ano - relembrou o atleta boliviano.


Questioando pela reportagem se mandaria ele próprio 'ir a m...' caso estivesse nas arquibancadas, Juan Arce disse que 'colocaria muitas coisas para fora'.

- Eu gritaria muitas coisas, colocaria para fora. Sei como os torcedores são espontâneos na hora de se referir a sua equipe quando não vai bem e não joga como eles não queiram. Por isso que gosto de esporte, porque é vivido apaixonadamente, é o que primeiramente eu gosto - confessou o jogador do Always Ready.

Aos 36 anos, Arce é um ícone do futebol boliviano. O jogador que tem uma vasta trajetória no campeonato local, sempre foi figura cativa na seleção principal , tendo disputado cinco Copas América (2004, 2007, 2011, 2016 e 2021).

De todos os torneios entre seleções sul-americanas, a única que o atacante ficou de fora foi em 2019, justamente o ano em que Hugo Botelho dividiu voo com a seleção da Bolívia. 

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