O compliance e a reconstrução do futebol: especialistas abordam tema

Octávio Vidigal e André Sica falam da mudança do modelo de gestão para atrair investimentos para a modalidade

Octávio Vidigal e André Sica
Octávio Vidigal e André Sica falam sobre compliance no futebol (Foto: Divulgação)

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O futebol vem passando por um processo lento de modernização dentro do campo com a introdução do arbitro de vídeo, mas uma mudança no esporte está longe do ideal quando o assunto é modelo de gestão. Pensando nisso, o especialista em direito esportivo André Sica e o especialista em Direito Societário Octávio Vidigal abordam o compliance, que nada mais é do que a adoção de princípios que facilitam a prevenção de irregularidades e o monitoramento de atividades de forma ampla e integrada com o objetivo de reconstruir a reputação do esporte e atrair investimentos para a modalidade.

Confira o artigo na íntegra:
É notório que o esporte brasileiro sofre com falta de credibilidade. São diversos escândalos de corrupção, bem como inúmeros estudos mostrando aumento de endividamento de confederações, federações e clubes – salvo raríssimas exceções. Ainda que tenha havido, na última década, um aumento dos investimentos e das receitas no esporte, impulsionado também pelos grandes eventos esportivos realizados no país, a falta de profissionalismo nas estruturas das confederações, federações e clubes fez com esses entes não apenas perdessem recursos financeiros e aumentassem suas dívidas mas, acima de tudo, deixassem passar uma oportunidade real de mudança de patamar do esporte nacional.

Há alguns anos já se discute bastante o tema da profissionalização e melhoria na gestão do esporte. Porém, as respostas dos dirigentes tem sido pouco efetivas, uma vez que se resumem a medidas paliativas voltadas por exemplo para copiar determinados protocolos de competições europeias e norte-americanas – algumas até impopulares como a final única da Taça Libertadores da América no futebol.

Na realidade, para que o esporte possa realmente reconstruir sua reputação e imagem de confiabilidade, atraindo mais consumidores e, por consequência, patrocinadores, investidores e parceiros, é necessária uma mudança profunda na sua estrutura. O processo de reconstrução é longo, e deve ser amplo, não se limitando apenas à contratação de profissionais (que passaram a substituir o amadorismo dos cartolas) mas também deve passar pela transformação dos clubes em empresa e, necessariamente, pela adoção de políticas de compliance e de práticas de governança corporativa.

Compliance significa agir em conformidade com determinadas regras, especificações, instruções e regulamentos. Na prática, a criação de uma Política de compliance representa a adoção de um conjunto efetivo de princípios, regras, processos e ferramentas que permitem e facilitam a prevenção de ilícitos e irregularidades, o monitoramento das atividades internas de forma ampla e integrada, de forma a resguardar o negócio, mitigando e, por vezes, até evitando possíveis prejuízos financeiros diretos, danos à imagem e punições de qualquer natureza.

A estruturação de qualquer Programa de compliance deve ser parte de um projeto focado na profissionalização e transparência. Deve ser respaldado pela alta administração da entidade para que tenha credibilidade e aderência junto a todos os colaboradores, mas é fundamental que tenha como premissa, seja na estruturação ou na implementação, autonomia e independência, inclusive em relação à alta administração.

Para iniciar a estruturação de um programa de compliance é fundamental que se compreenda as particularidades da entidade e seu setor de atuação. O primeiro passo nesse sentido é mapear os fatores de risco a que a entidade está exposta, de modo que se possa entender quais frentes devem ser atacadas pelo programa. No caso das entidades esportivas, é preciso, por exemplo, entender o contexto do ambiente esportivo, as práticas adotadas no esporte, bem como adequações necessárias para atender regras desportivas nacionais e estrangeiras.

Após a finalização da análise de riscos é o momento de se desenvolver os processos, políticas e normas a serem adotadas. Toda essa estrutura deve ser construída para ser efetiva e não mera formalidade, ainda que precise ser implementada em etapas ou tenha que se adequar à realidade da respectiva entidade desportiva. Nesses documentos, deve-se detalhar os valores do clube ou da entidade desportiva, orientações a respeito do comportamento dos colaboradores e as penalidades às quais estão sujeitos caso cometam algum desvio de conduta. Por fim, um canal de comunicação deve ser implementado, para que os colaboradores possam denunciar práticas ilegais ou inadequadas, que podem prejudicar a imagem da organização e/ou gerar perda de caixa.

A implementação de um Programa de Compliance não será um remédio em si, mas um mecanismo que ajudará a mitigar riscos, reduzir perdas e evitar transtornos muito mais relevantes. Mais do que tudo isso, será uma forma de estabelecer regras que, repetidamente observadas, com o tempo passam a ser naturais em um processo de aculturamento e retomada da credibilidade de tais entidades, ajudando também a valorizar, novamente, o esporte no país. Nesse cenário atual, em que a informalidade, o amadorismo e a corrupção correm as estruturas do esporte nacional, retirando dele a credibilidade e o acesso ao capital, é imprescindível que as entidades esportivas enxerguem no compliance o início da caminhada para se reconstruírem.

André Sica – Responsável pela área de Direito Desportivo. Atua nos tribunais arbitrais da FIFA e do CAS. Formado pela PUC/SP. 

Octávio Souto Vidigal Filho – Responsável pelas áreas de Direito Societário, Fusões e Aquisições, Private Equity / Venture Capital e Mercado de Capitais. Formado pela Universidade de São Paulo. 

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