Adversária do Brasil nas quartas da Copa do Mundo, Croácia é marcada por uma sucessão de tensões

Das guinadas na sua história à sua independência no início da década de 1990, não faltam memórias ao povo croata

Torcida da Croacia
Torcida croata na arquibancada em Doha (JEWEL SAMAD / AFP)

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Turbulências, conflitos, controvérsias e derramamento de sangue... Não faltam histórias em torno da Croácia, adversária da Seleção Brasileira nas quartas de final da Copa do Mundo nesta sexta-feira (9), às 12h (de Brasília). Assim como aconteceu em outros países que fizeram parte da Iugoslávia, os croatas também lutaram para que sua identidade falasse mais alto.

DO DUCADO E REINADO DA CROÁCIA ÀS REVIRAVOLTAS

Os croatas foram uma das tribos eslavas que chegaram ao Leste Europeu no século VII. Inicialmente reconhecida como um ducado, Estado cujo soberano tem o título de duque, a região alcançou o posto de reino no ano de 925, quando o Rei Tomislau I uniu o Ducado Panônio e o Ducado Dálmata. Neste período, o rei da Bulgária, Simão I, tentou invadir o território croata. Contudo, os búlgaros foram expulsos.
 
A Croácia teve seu ápice como um reinado independente até a morte de Pedro Cresimiro, no século XII. Contudo, passou por uma derrocada e só restou o reinado selar acordo para se unir à Hungria em 1102. Mais tarde, vieram invasões e muitas batalhas até o Império Otomano ocupar o território croata entre os séculos XV e XVIII. No ano de 1848, houve nova mudança: a Croácia passou a fazer parte do Império Austro-Húngaro.

Em meio a este cenário, ganhou destaque o Movimento Ilírio, formado por escritores croatas e que tinha o intuito de valorizar o idioma e a cultura do país. Ao mesmo tempo, surgiu o Pan-eslavismo, que pedia a união dos povos eslavos. Mais tarde, aconteceram guerras de independência e alterações no mapa dos Bálcãs.

Primeira Guerra Mundial
Primeira Guerra Mundial acirra ânimos nos Bálcãs (AFP

A Primeira Guerra Mundial se tornou um divisor de águas para os Bálcãs. O Reino da Iugoslávia surgiu logo após o declínio do Império da Áustria-Hungria.

Professor de Relações Internacionais da Uerj, Paulo Velasco apontou a relevância dos croatas na região.

- A Croácia é um ator importante quando a gente pensa na realidade dos Bálcãs. Trata-se de uma disputa histórica. Desde o final da Primeira Guerra Mundial, emerge um acirramento entre croatas, sérvios e também entre outros grupos étnicos - afirmou ao LANCE!.

IUGOSLÁVIA: CAMINHOS PARA CONDUZIR OS POVOS

Tito
Marechal Tito manteve a Iugoslávia sob regime socialista (AFP/arquivo)

Após ser chamada por alguns dias de Estado dos Eslovenos, Croatas e Sérvios, em 1º de dezembro de 1918 a Iugoslávia foi criada. Em meio a tantas tensões, o ultranacionalismo entrou em cena entre os povos e ganhou projeção também entre os croatas. O professor Paulo Velasco destacou.

- O ultranacionalismo na Croácia é extremamente forte. Está arraigado e tem uma penetração profunda na sociedade e na política croata. Lembrando que, anos mais tarde, houve uma situação mais drástica: o Ustase, a extrema-direita croata, foi aliada do Nazismo e do Fascismo na Segunda Guerra. Um momento extremamente radical - declarou.

Passado o período mais extremista à direita, houve uma mudança de visão no poder iugoslavo. Tudo passou pelas mãos do socialista Marechal Tito.

- Enquanto esteve no poder, o Marechal Tito (Marechal Josip Biroz Tito) conduziu a Iugoslávia em uma lógica de "mão de ferro" e uniu tantas etnias durante tanto tempo - relembrou Velasco.   


CROÁCIA CLAMA POR SUA INDEPENDÊNCIA

Guerra de Independência da Croácia
Guerra da Croácia causou 20 mil mortes (Domínio Público)

No entanto, o início da década de 1990 acentuou uma mudança significativa no território dos Bálcãs. O professor de Relações Internacionais da Uerj enumerou alguns fatores.

- Com o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim, a tendência natural desses grupos étnicos nacionalistas era justamente buscarem se afirmar como estados soberanos e independentes. A Iugoslávia, que tinha sido mantida unida com mão de ferro pelo Marechal Tito por tantas décadas (entre 1953 e 1980, ano de sua morte), começa a passar por um cenário de instabilidade - disse Paulo Velasco.

Gradativamente, a Iugoslávia foi se dissolvendo. E os croatas pediram mudanças.

- Foi da mesma forma como havia acontecido na Primeira Guerra Mundial. Houve disputas entre grupos, muitos deles querendo se afirmar como territórios independentes. Este foi o caso da Croácia, que se declarou independente em 1991 - afirmou o professor de Relações Internacionais.

Velasco detalhou o que desencadeou a proclamação da independência na Croácia.

- Na época, a antiga Iugoslávia, que já tinha o governo da Sérvia, não aceitou a decisão croata. Isto culminou em uma guerra que durou aproximadamente quatro anos, indo até 1995. O território croata foi invadido pelos sérvios, que serviam ao exército que atuava em nome da Iugoslávia. O argumento era proteger os sérvios étnicos que moravam ali na Croácia. Esta foi a alegação dos "iugoslavos e sérvios" para tentarem impedir a independência - apontou.

Os desdobramentos da guerra trouxeram dolorosas cenas.

- A ONU participou na tentativa de evitar uma escalada de violência, uma crise monetária. Houve envio de soldados em nome da ONU para tentar conter aquela crise. A situação acabou se estendendo um pouco. Em 1992, a Croácia teve sua independência reconhecida definitivamente. Mas, do ponto de vista militar, o conflito se estendeu até 1995. O motivo foi que os croatas queriam libertar aquele território definitivamente da presença de sérvios. No entanto, existiam vários focos de luta dentro da Croácia - e ressaltou:

- Só que as tropas croatas, ao expulsarem os sérvios, praticaram excessos. Muito se fala em limpeza étnica também cometida pelos croatas. Houve violência de ambos os lados na segunda metade da década de 1990, quando os últimos territórios croatas foram devolvidos. Este foi um período de bastante tensão nos Bálcãs - complementou.

O saldo foi de 20 mil mortos e de centenas de milhares de refugiados.

KNIN, A CIDADE QUE FOI USADA COMO PROVOCAÇÃO POLÍTICA NA COPA DO QATAR

Batalha de Knin
Batalha rendeu provocação a goleiro do Canadá (Domínio Público)

Um dos episódios da guerra de independência da Croácia voltou a ser lembrado na atual edição da Copa do Mundo. Natural da Sérvia, o goleiro Borjan, que defendeu o Canadá no Mundial, foi alvo de provocação em referência à cidade de Knin. O episódio rendeu uma punição à Federação Croata.

Professor de Relações Internacionais da Uerj, Paulo Velasco detalhou o que ocorreu na cidade.

- O episódio de Knin foi um dos mais dramáticos de limpeza étnica contra os sérvios no contexto da guerra da Croácia. Trata-se da Operação Tempestade, na qual o exército croata fez bombardeios indiscriminados contra a cidade. Knin era então capital de um território da Croácia que se pretendia ser independente - e explicou:

- Krajina era um território de minoria sérvia dentro da Croácia. Esta região pretendia ser independente do governo de Zagreb (capital croata). Evidentemente, a Croácia não queria permitir que existisse esse clamor independentista - acrescentou.

Velasco detalhou as marcas que ficaram deste período.

- Houve esse ataque a Knin, a essa república que os sérvios tentaram implementar. Isto gerou um massacre. Houve um bombardeio aéreo, com muitos feridos e mortos a ponto do Tribunal Penal Internacional, feito para a antiga Iugoslávia, ter investigado também este episódio por conta de possível violação de direitos internacionais humanitários. Os soldados da ONU, inclusive, foram impedidos na época de prestar ajuda humanitária. É uma mancha na história da Croácia - afirmou.

Croácia - Modric e Perisic
Modric e Perisic: esperanças croatas contra o Brasil (Foto: Ina Fassbender/AFP)

Em meio a tantos desencontros, a Croácia tenta dar um orgulho em campo para sua nação. Nesta sexta-feira (9), diante do Brasil, a geração capitaneada por Modric e que tem nomes como Perisic e Petkovic surge como caminho ideal para um novo tempo.

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