Colecionador de vitórias, Carlos Alberto Torres ficou de fora da Copa de 1966 por decisão política

Roberto Assaf detalha a carreira de um dos maiores jogadores da história do futebol mundial. Torres morreu na última terça-feira no Rio de Janeiro

Carlos Alberto Torres se vai aos 72 anos, deixando lembranças para o futebol mundial
(Foto: AFP)

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A imagem de Carlos Alberto Torres erguendo a Taça Jules Rimet, que acabara de receber das mãos do presidente do México, Gustavo Díaz Ordaz, no Azteca superlotado, é definitiva. Só quem viveu efetivamente aquele momento, no estádio, ou pela telinha, pode ter a idéia da emoção que o gesto transmitiu. Ainda hoje, 46 anos depois, é capaz de sofrer arrepios.

Pudera. A Copa de 1970 foi a primeira que a TV brasileira mostrou ao vivo. A Seleção havia sido eliminada na etapa inicial do Mundial anterior, na Inglaterra, com derrotas humilhantes, e pior, o grande craque, um dos maiores laterais de todos os tempos, havia ficado de fora da lista dos 22 jogadores que disputariam o torneio, por um capricho do chefe da delegação, Castor de Andrade, que ganhara o cargo porque era amigo do então presidente da CBD, João Havelange. O cartola, patrono do Bangu, exigiu que a delegação contasse com um representante do clube, e Fidélis acabou sendo incluído como reserva do veterano Djalma Santos.

Logo, a conquista do tri – com a vitória de 4 a 1 sobre a Itália – lavou a alma de todos os brasileiros, notadamente a do seu grande capitão, daí o orgulho evidente na tribuna de honra do Azteca, e no coração de cada torcedor.

Carlos Alberto Torres nasceu no bairro de São Cristóvão, Zona Norte do Rio de Janeiro, em 17 de julho de 1944, e deu seus primeiros chutes, já visando o profissionalismo, no Sete de Setembro do subúrbio da Penha, onde foi criado, até ganhar uma chance nos juvenis do Fluminense, em 1961.

Desde jovem, não só mostrou a sua categoria, como passou a exercer seu poder natural de liderança, o que o levou a jogar pelos titulares ainda em 1961, estreando num amistoso, 4 a 0 sobre o Grêmio Estrela de Magé-RJ, no dia 1º de maio. Vice carioca em 1963, e campeão em 1964, seu destino, por tudo que já representava, só poderia ser o Santos de Pelé, pelo qual estreou em 29 de abril de 1965, numa goleada de 9 a 4 sobre o Remo-PA, em Belém.

Na Vila Belmiro, não só conquistou um punhado de títulos importantes, como viveu aventuras dignas do maior time de futebol de todos os tempos, como as duas excursões pela África, em 1967 e em 1969, na qual o poderoso esquadrão de tantos craques formidáveis – além do Rei, Gilmar, Ramos Delgado, Joel Camargo, Rildo, Lima, Toninho Guerreiro e Edu, entre outros – teve o privilégio, provavelmente inédito, de provocar duas tréguas na guerra civil que acontecia na Nigéria.

Em 1971, após seis anos gloriosos no Santos, Carlos Alberto voltou ao Rio, para disputar o Campeonato Carioca pelo Botafogo. O Alvinegro acabou perdendo o título para o Fluminense, na derrota de 1 a 0, com um gol polêmico, assinalado por Lula quando restavam três minutos, ilegal na visão de muitos – falta de Marco Antônio no goleiro Ubirajara Mota – e que foi, segundo, o grande craque, a maior decepção de sua carreira.

Em 1972, o capitão do tri estava de volta à Vila Belmiro, onde permaneceu até o fim de 1975, quando regressou ao Fluminense, integrando a famosa Máquina montada pelo eterno presidente Francisco Horta, que reunia craques do nível de Renato, Edinho, Rodrigues Neto, Paulo César Lima, Rivelino, Gil, Doval e Dirceu. No Tricolor, ganhou mais uma vez o Carioca, mais importante na época – que os mais jovens saibam disso – que o próprio Brasileiro, pela rivalidade que despertava.

É fundamental lembrar que Carlos Alberto foi um dos primeiros laterais a jogar de forma ofensiva, algo raro naqueles tempos, embora no Fluminense de 1976, aos 32 anos de idade, já tivesse atuando como zagueiro. Após rápida passagem pelo Flamengo – apenas 19 jogos – em 1977, o craque seguiu para o New York Cosmos, dos Estados Unidos, onde voltou a encontrar Pelé, além de outros grandes jogadores, como o gênio Franz Beckenbauer, o peruano Ramon Mifflin, o inglês Steve Hunt e o exótico artilheiro italiano Giorgio Chinaglia. Campeão norte-americano em quatro ocasiões, deixou o futebol em 28 de setembro de 1982, no empate de 3 a 3 entre o Flamengo e o Cosmos, no Giants de New Jersey.

Vale ressaltar que Carlos Alberto disputou 69 partidas pela Seleção Brasileira, com 54 vitórias, seis empates, nove derrotas e nove gols. Estreou na goleada de 5 a 1 sobre a Inglaterra, pela Taça das Nações, no Maracanã, em 30 de maio de 1964, e fez a sua despedida da “amarelinha” no empate de 1 a 1 com o Paraguai, pela Eliminatórias para o Mundial de 1978, no mesmo estádio, em 20 de março de 1977. Ganhou, além do tri, a Copa Rio Branco, em 1968. . Defendeu ainda a Seleção Olímpica campeã do torneio de futebol dos Jogos Pan-Americanos de 1963, realizados em São Paulo.

Em 1970, no México, o Brasil venceu Tchecoslováquia (4 a 1), Inglaterra (1 a 0), Romênia (3 a 2), Peru (4 a 2), Uruguai (3 a 1), todos no Estádio Jalisco, de Guadalajara, e Itália (4 a 1), na capital. Dois lances excepcionais do capitão ocorreram no torneio. Na partida contra os ingleses, uma pancada no meia Francis Lee, que entrou em campo com ordens do treinador Alf Ramsey para bater à vontade, e que acabou sossegando após o, digamos, castigo, do grande líder. E na decisão, o fato de ter marcado o gol que fechou o caixão da Azzurra, aos 42 minutos do segundo tempo, concluindo num chute extraordinário de trivela, o passe de Pelé. O time-base: Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Wilson Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Rivelino; Jairzinho, Tostão e Pelé. Covardia.


Carlos Alberto foi um dos maiores na sua posição – a de lateral-direito – na história, números e títulos à parte, rivalizando com o compatriota Djalma Santos, o uruguaio Rodriguez Andrade, o húngaro Mihály Lantos e o francês Lilian Thuram, e num nível acima dos italianos Attilio Ferraris e Giuseppe Bergomi, do alemão Berti Vogts, do inglês Jimmy Armfield, e do holandês Wim Suurbier.

Sua carreira, como técnico, não foi tão brilhante. Trabalhou em clubes de Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio e São Paulo, da Colômbia, dos EUA e do México, e dirigiu as seleções do Azerbaijão e de Omã. Conquistou o Brasileiro de 1983, pelo Flamengo, o Estadual de 1984, pelo Fluminense, e a Copa Conmebol de 1993, pelo Botafogo.

Como treinador, no entanto, teve a sensibilidade de descartar a concentração, e mais, de dar liberdade aos comandados para improvisar no campo, se necessário, como ele próprio fez em algumas ocasiões, como atleta, desobedecendo as ordens do que hoje muitos chamam de professor.

É ainda muito digno de nota o fato de Carlos Alberto ter sido o atleta que mais jogou ao lado de Pelé, no Santos, na Seleção e no Cosmos, e a maior autoridade para falar do Rei. Nos últimos tempos, vinha trabalhando como comentarista de TV, contando alguns dos casos que testemunhou, emprestando a sua experiência de praticamente sete décadas de ligação com o futebol, ou tentando esclarecer com detalhes o bom e o mau do cotidiano do esporte.

Carlos Alberto é o quinto dos 22 jogadores do time de 1970 que sai da vida para entrar na história. Antes dele, foram Everaldo (28/10/74), Fontana (9/9/80), Félix (24/8/12) e Joel Camargo (23/5/14). O capitão, com certeza, será, de hoje em diante, o lateral-direito da seleção celeste. Um reforço e tanto.

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