‘Conheço o Maracanã desde que ele estava no berçário’, destaca Washington Rodrigues

Ao LANCE!, o Apolinho conta os 'causos' que testemunhou como torcedor e em diversas funções na beira do campo e é categórico: 'O Maraca hoje é um gigante adormecido'

Washington Rodrigues - Comentarista
'Eu fiz do Maracanã meu escritório', diz o comentarista da Super Rádio Tupi (Foto: Reprodução)

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Repórter de rádio, comentarista esportivo, treinador... Washington Rodrigues sentiu a magia destes 70 anos do Maracanã sob diversos pontos de vista. Ligado ao estádio desde 1948 (segundo ele, acompanhou os primeiros passos das obras na região), o "Apolinho" não só testemunhou grandes momentos em campo, como também guarda com carinho a maneira como deu voz a personagens folclóricos que iam ao Maraca movidos pela paixão.

- Quando vi o início das obras, jamais ia imaginar que o Maracanã seria tão importante na minha vida - afirmou, ao LANCE!.

As memórias e "causos" do apresentador do "Show do Apolinho" e comentarista da Super Rádio Tupi entram em campo, em uma entrevista especial para o "Maracanã, 70 anos". 

LANCE!: Quando começou a sua ligação com o Maracanã?

Washington Rodrigues: Na verdade, eu costumo dizer que ajudei a batizar o Maracanã. Eu estudava no Instituto La Fayette (colégio localizado na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro) e "matei" aula no dia 2 de agosto de 1948. Fui com um grupo de amigos e assisti ao início das obras. Estive no berçário no dia no qual nasceu o gigante (risos). Tinha 12 anos.

L!: Qual foi a primeira partida que você acompanhou?

Foi Brasil e Iugoslávia, na Copa de 1950 (segunda partida da Seleção Brasileira no Mundial), aquele jogo no qual o Mitik, melhor jogador deles, deu uma cabeçada em uma barra de proteção. Ali na Seleção estava um dos meus grandes ídolos, Zizinho, que tinha sido tricampeão carioca pelo Flamengo em 1942, 1943 e 1944. A partir daí, não parei mais. Em 1950, o Flamengo não foi campeão, mas com a chegada do Gilberto Cardoso (presidente rubro-negro entre 1951 e 1955), a equipe ficou mais forte e veio um tricampeonato. Assistia a todos os jogos do Flamengo e também aos de outros clubes. Gostava de ver nomes como Zizinho, Jordan, Benítez, Esquerdinha, mas também Orlando Pingo de Ouro, Castilho, Telê Santana, Ademir de Menezes, Jair Rosa Pinto... Até o Puskás eu vi jogar no Maracanã!

L!: Tem algum jogo mais emblemático deste seu período como torcedor?

Bom, o time atual do Flamengo é muito bom para qualquer rubro-negro, são jogos de encher os olhos. Mas um dos jogos que mais vibrei foi na final contra o America (no Carioca de 1955). Era uma melhor de três. O Flamengo tinha vencido o primeiro jogo por 1 a 0 com gol do Evaristo. O Evaristo era meu ídolo, eu exigia nas peladas com os colegas que me chamassem de Evaristo (risos). No segundo jogo, o America venceu por 4 a 1.  Aí na decisão, o Dida foi avassalador, fez quatro gols e a gente venceu por 4 a 1. Foi impressionante. Depois disso, veio aquele Fla-Flu no qual o Marcial salvou a bola do Escurinho também foi de arrepiar (na final do Carioca de 1963, que terminou empatado em 0 a 0 e deu o título ao Flamengo). Teve outro Fla-Flu no qual eu subi para comemorar um gol, bati a cabeça com outra pessoa e desmaiei. Fui atendido, fiquei desacordado, mas só queria saber quanto tinha ficado o placar...   
 
L!: De torcedor, você acabou se tornando repórter. Como foi se manter tão próximo do estádio?

É, eu fiz do Maracanã meu escritório (risos). Sempre gostei ir além da beira do campo. Adorava ir para o meio da Geral, falar com os torcedores. Foi assim que eu conheci algumas pessoas fantásticas. O que era a voz do Gerdau, do Flamengo (torcedor que agia como treinador ao "dar instruções" à equipe rubro-negra)? A Dulce Rosalina, do Vasco (primeira mulher chefe de torcida), o Tarzan, do Botafogo (chefe de uma organizada alvinegra). Grandes figuras...

'Sempre gostei de fazer reportagem no meio da Geral, falar com os torcedores', diz o Apolinho


L!: Você chegou a ser atacado pelo "Beijoqueiro" (José Alves de Moura, figura folclórica que aparecia em partidas e grandes eventos para tentar beijar a bochecha de celebridades e de quem estivesse por perto, e que teve entre seus feitos beijar o cantor Frank Sinatra, o Papa João Paulo II e jogadores como Pelé, Zico e Roberto Dinamite)?

Ih, acho que mais de 50 vezes. Lembro que um dia eu cheguei para ele e falei: "chega, você já beijou minha bochecha tantas vezes, vai procurar outro".


L!: Qual foi a coisa mais inusitada que você testemunhou nesta ronda na torcida?

Uma mulher entrando em trabalho de parto. Era um Flamengo e Vasco, de Maracanã lotado. E a mulher estava dando à luz com a ajuda de quem estava por perto, até mesmo dos "arquibaldos". Fui me aproximar para tentar ajudar, saber o nome dela para divulgar. A mulher só me disse o seguinte: "olha, se for menino, vai se chamar Adílio!". Nem sei se nasceu um menino. Mas se ele estiver lendo esta reportagem, já sabe de alguns detalhes da história do parto dele (risos).

'Vi até mulher entrando em trabalho de parto no Maracanã', garante


L!: Entre os "geraldinos", havia também aqueles que mudavam de lugar para tentar acompanhar o ataque do time...

Sim... Eu me lembro principalmente de um torcedor do America, que corria de acordo com a jogada. Aí o time perdia a bola e ele voltava. Saía mais suado do que os jogadores!

L!: Como era trabalhar atrás do gol nos tempos da Geral?

Era um sufoco! Atiravam pedra, pilha, sanduíche... Depois é que arrumaram um tapete para a gente assistir aos jogos sentados e amenizou um pouco.

L!: Você estava no jogo do milésimo gol do Pelé (vitória por 2 a 1 do Santos sobre o Vasco, em 19 de novembro de 1969). Como foi lidar com aquela multidão atrás da meta do Andrada?

Todo mundo estava ansioso pelo milésimo. Eu tinha combinado com o Deny (Menezes) de que, após o gol, cada um ia para um lado e tentava falar com o "Rei". Aí, foi marcado o pênalti, que para mim não existiu, todo mundo ficou lá atrás. Minha impressão foi que só o Andrada reclamou. Tanto que, assim que saiu o gol, o Eberval (lateral do Vasco na época) levantou os braços. Em meio à euforia e à multidão dos jornalistas, eu estava perto de um "caboman". Alguém tropeçou no cabo de transmissão que o sujeito estava carregando e me acertou. Tive de ser atendido no ambulatório. Dá para ver que já tive dores de cabeça no Maracanã algumas vezes (risos).  

L!: Como foi a mudança da reportagem para comentarista esportivo?

O meu diretor sugeriu de início que eu fosse segundo comentarista. Fui e disse: "não, não vim para ser segundo, se for para comentar os jogos, quero ser o primeiro". Aí o Zé Carlos (José Carlos Araújo) pediu que eu comentasse ao lado do Luiz Mendes.

'A torcida do Flamengo nunca me chamou de 'burro'. Tenho muito orgulho da campanha na Supercopa Libertadores'


L!: Em 1995, você interrompeu a rotina no rádio e aceitou o desafio de comandar o Flamengo. Como foi assumir o clube pelo qual você torce?

Minha família tentou até fazer com que eu mudasse de ideia. Diziam: "você vai botar quase 35 anos de profissão em risco!". Mas o que eu queria era ajudar meu clube. Quando entrei, o Flamengo estava muito desunido. Depois que o Vanderlei (Luxemburgo) saiu devido à briga com o Romário, o time começou muito mal o Brasileiro sob o comando do Edinho. A gente ia estrear na Supercopa Libertadores justamente contra o campeão do mundo, o Vélez Sarsifield, que tinha o Carlos Bianchi. Na época, ele era o que hoje consideram o Pep Guardiola, aí achavam que a gente ia sofrer um massacre. Ganhamos lá (na Argentina) e aqui no Rio. 

L!: Acha que sua vivência como repórter e comentarista contribuiu de alguma forma nesta sua passagem no Rubro-Negro?

Bem, logo no início, eu reuni todos os chefes de torcida do Flamengo e disse: "não sou treinador, nunca fui. Essa é a nossa paixão. Se eu ouvir um grito de burro, viro minhas costas e vou embora". E não acontecia, ninguém vaiava. Eles mesmos ficavam atentos para não haver vaias ou ofensas. Eu exigia dedicação dos jogadores. O Jorge Jesus faz isso com muita inteligência, exige dedicação do elenco até o último minuto e ganha o jogo com a torcida.

L!: Como foi conduzir o Flamengo a uma decisão de Supercopa Libertadores, com direito a final no Maracanã lotado?

Aquela campanha tinha sido impressionante. Só perdemos um jogo. Na partida decisiva, tinham estimado em torno de 60 mil pessoas depois da gente ter perdido por 2 a 0 para o Independiente na ida. Fizemos um apelo à torcida para que eles fosse ao estádio. Quando saímos rumo ao estádio, a gente não conseguia andar. A calçada era toda rubro-negra. Fomos muito apoiados e Flamengo lutou até o último minuto. Mesmo não ganhando, a torcida reconheceu nosso empenho. Saímos de campo ganhando por 1 a 0, sem o título, mas aplaudidos (o Rey de Copas venceu por 2 a 0 na ida e ficou com o troféu). Isto me deu um orgulho muito grande.

L!: Passados 70 anos, acha que o Maracanã ainda consegue cativar o torcedor da mesma forma do que em décadas anteriores?

Ah, mudou completamente. Não é mais aquele gigante. Eu cansei de ver grupos de turistas, ao saírem do elevador e se depararem com o estádio, ficarem de boca aberta. Hoje, o Maracanã é um gigante adormecido.

L!: A que você atribui esta mudança?

O Maracanã perdeu sua alma com o fim da Geral. Parece que não há mais espaço para figuras como o Super Homem, o Gerdau. Teve um cara com quem até eu fiz matéria uma vez e que ajuda a simbolizar a essência do Maracanã. Ele não só vinha todos os dias de jogos, como também era o primeiro a entrar no estádio. Tinha preliminar às 13h, e o portão abria às 11h. Ele chegava, ficava na Geral lendo o "Jornal dos Sports", em uma certa altura saía provavelmente para beber água. Em uma certa altura da minha entrevista, perguntei que time ele torcida. "São Cristóvão!". Olhei para ele e disse espantado: "mas o São Cristóvão quase não joga aqui!".  Mesmo assim, ele gostava de vir e queria ficar sempre no meio do campo para analisar melhor o jogo. Acho que a emoção do estádio era maior.

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