Time de Todos: Torcedores LGBTQIA+ celebram combate ao preconceito; Fluminense vê ambiente seguro

Clube realizou ações em comemoração ao Dia do Orgulho LGBTQIA+; campanha de conscientização agrada torcida e amplia debate

Fluminense
Nino utilizou a camisa 24 e a faixa de capitão com as cores do arco-íris (Foto: Divulgação/Fluminense FC)

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Reflexo da sociedade, o futebol ainda caminha a passos curtos no debate sobre o combate à LGBTfobia. Diferentemente de outros tipos de preconceito em que as ações são mais comuns, em 2021 o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ mostra que nem todos os clubes estão abertos a falar sobre o tema. Não é o caso do Fluminense. No último domingo, o clube ampliou as ações que já vinha realizando nos últimos anos e resolveu ir além apenas das postagens nas redes sociais.

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Na estreia da nova camisa branca, o clube coloriu os números dos atletas e a faixa de capitão com o arco-íris, assim como o patch com #TimeDeTodos no peito. Em parceria com a iniciativa Play for a Cause, as camisas usadas pelos jogadores estão disponíveis para lances por meio do site playforacause.com.br, até o dia 4 de julho. Nas redes sociais, grande parte dos tricolores exaltou a campanha e muitos deles se disseram felizes por serem representados por seu clube do coração.

O LANCE! conversou com torcedores LGBTQIA+ do Fluminense sobre a percepção da campanha e as experiências com o clube neste sentido.  

- Fico feliz e com muito orgulho do Fluminense por ter tido a atitude de começar a se posicionar. É importante  saber que você não está sozinho e nesse caso é importante saber que a instituição te respeita também - disse Larissa Reis, de 23 anos, bissexual e torcedora do Flu.

- Acho bastante importante esse posicionamento que o clube tem tomado. A ação tem ajudado a somar na luta contra o preconceito dando visibilidade e mostrado que o clube deixa de lado os comentários que possam vir a fazer (contrários a ação de ontem) não deixando de apoiar a causa. E, com isso, os torcedores que fazem parte da comunidade se sentem ainda mais abraçados pelo clube - afirmou Thais Martins, de 23 anos, bissexual.

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- Acho muito importante, principalmente por ter pego uma campanha online e colocar para fora das redes sociais. Acho que futebol ainda é um meio muito fechado e preconceituoso, mas isso ajuda muito para nos sentirmos menos deslocados como torcedores e amantes do esporte em si - disse Leonardo Moreira Marques, de 18 anos, que é gay.

- Acho bem importante, pois mostra que, independentemente de qualquer coisa, o clube abraça o movimento - avaliou uma torcedora, que preferiu permanecer anônima. 

TIME DE TODOS

A "virada de chave" para que o Fluminense começasse a se posicionar sobre o assunto foi em 2019. Em fevereiro, após a derrota na final da Taça Guanabara diante do Vasco, o volante Fellipe Bastos publicou um vídeo onde entoava cantos homofóbicos contra os torcedores tricolores. Através de um manifesto, o clube mostrou que o "time de viado", sempre banalizado nas arquibancadas pelo país, não seria mais naturalizado.

"O Fluminense entende que uma vitória seguida de homofobia é uma derrota para o esporte, para a sociedade. E o país onde mais se assassina LGBTs no mundo não pode deixar uma demonstração tão clara de preconceito morrer. Por respeito. Por justiça. Por humanidade. O Fluminense, assim como todo clube de futebol, é feito de homens e mulheres de várias cores, condições sociais, sexualidades e tem muito orgulho de cada um de seus torcedores. Por isso faz questão de afirmar, quantas vezes forem necessárias, que é um #TimeDeTodos", dizia o texto.

Há apenas 31 anos a OMS (Organização Mundial da Saúde) deixou de considerar a homossexualidade como uma doença. O Brasil ocupa o primeiro lugar nas Américas em quantidade de homicídios de pessoas LGBTQIA+, que acontecem a cada 19 horas. O país também é o líder em assassinato de pessoas trans no mundo, que são mortas a cada 26 horas. A expectativa de vida é de 35 anos. Os dados são do Grupo Gay da Bahia, Rede Trans Brasil e Associação Nacional de Travestis e Transexuais.

Assim como em outros espaços, o estádio também é território hostil para alguns. Mesmo com avanços no debate acerca do tema, há torcedores que ainda não se sentem totalmente confortáveis de ir aos jogos por medo do preconceito.

- Infelizmente não acho que o estádio seja um lugar seguro. Não pra todo mundo. Acho que por muitas vezes a gente se policia para não demonstrar afeto por quem estamos junto por medo. O ambiente pode ser melhor do que era antes, mas muito longe do ideal. Acho que é importante que todos os times tenham ações desse tipo, que deem alguma segurança pro torcedor dentro do estádio e que sustentem essas pautas diariamente e não só durante um mês específico - disse Larissa Reis.

- Não acho que é um ambiente totalmente seguro. Sempre que ia aos jogos, ficava com um grupo grande de amigos e não sentia tanto medo lá dentro. Mas já vi algumas falas preconceituosas de um torcedor de uma torcida rival, em dia de clássico, que queriam atingir um torcedor do Fluminense na saída do estádio. Como era só um e outras pessoas também ficaram do lado desse torcedor, não aconteceu nada além disso - analisou Thais Martins.

A partir do episódio no Estadual, o clube passou a se manifestar com mais frequência e a evolução neste sentido culminou nas ações realizadas no último domingo, no empate por 1 a 1 com o Corinthians, em São Januário. A receita líquida do leilão das camisas do Fluminense será destinada ao Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBT, uma organização não-governamental que atua há 28 anos no auxílio a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexo, com o enfoque na cidadania, promoção dos direitos humanos e de uma cultura de paz, combate à violência, justiça social, prevenção de doenças, entre outras questões que busquem a melhoria da qualidade de vida dessa população.

- Nos jogos não senti muita mudança, principalmente na questão de usar ainda "veado" como forma de ofensa. Mas isso é muito enraizado e acho que vai precisar de muitas campanhas ainda para que as pessoas possam criar mais consciência. Na internet, sem dúvidas, eu vi muita mudança, principalmente no Twitter, acho que neste ano muito mais pessoas abraçaram a causa do que reclamaram ou diminuíram a importância - afirmou Leonardo Moreira Marques.

- Acho que teve uma certa mudança. Mais nas redes sociais, por conta de termos jogos sem público. No dia dos namorados, um dos casais que ganharam uma ação da Loja do Flu era um casal de mulheres. Isso mostrou que eles realmente acreditam no que falam. Além das declarações sobre o mês do orgulho LGBTQIA+ de alguns jogadores, como Nenê e Nino, até alguns posts depois do jogo, parece que entre a maioria deles seja algo que já tenha mais naturalidade e diálogo. Mesmo que, infelizmente, alguns jogadores ainda manifestaram preconceito depois da ação de ontem - disse Thais Martins.

- Acho que nas redes sociais dá para ver que a torcida tem apoiado os posts, as campanhas e o mais importante é que os comentários homofóbicos são rechaçados e combatidos pelos torcedores - comentou Larissa Reis.

- Não ganhamos o título do jogo mas ganhamos o respeito de todas as torcidas do Brasil. Senti mudanças positivas - afirmou a torcedora do Fluminense.

Veja a seguir outras postagens:

CLUBE VÊ AMBIENTE SEGURO

O LANCE! buscou o Fluminense para avaliar o efeito desse tipo de ação dentro e fora do clube. O presidente Mário Bittencourt exaltou a importância de se posicionar contra todos os tipos de preconceitos e disse ver resultados positivos, apesar de alguns comentários contrários em algumas redes.

- O Fluminense é um dos pioneiros em ações envolvendo todas as causas e, com o “Time de Todos", vem reforçando esse posicionamento, de um clube que combate não só a homofobia, mas também a misoginia, o racismo e qualquer outro tipo de preconceito. Todas as nossas campanhas, como a de ontem, têm grande ressonância e resultado muito positivo, mesmo que tenhamos que conviver com reação despropositada de algumas pessoas, que preferem fazer piada com o tema a encarar o assunto com a seriedade que merece - disse.

Questionado se o clube faz ou pretende fazer alguma ação interna com as equipes da base, feminina e até no profissional para conscientizar e tornar esse ambiente mais seguro para pessoas LGBTQIA+, Bittencourt avaliou que o Flu já é acolhedor neste sentido.

- O Fluminense já é um ambiente seguro internamente e essas ações acabam refletindo o pensamento do clube. A causa LGBTQIA+ é também uma causa do Fluminense - afirmou o mandatário.

Fluminense x Corinthians - Nino
Nino, com a braçadeira de capitão em arco-íris (Foto: Mailson Santana/Fluminense FC)

TORCEDORES ESPERAM MUDANÇAS

Com a mudança de postura dentro do clube, que agora fala mais abertamente sobre a questão, os tricolores LGBTQIA+ esperam ver a mudança na prática. Mesmo com o clima interno favorável, eles ressaltam que ainda há um longo caminho a ser percorrido. 

- Não vou com tanta frequência, mas já fui algumas vezes, sim, na maioria com familiares. Então eu nunca reparei tanto sobre isso, mas não acho que seja um ambiente em que nós podemos nos sentir tão livres ou acolhidos até mesmo pela forma com que é enraizado essa visão da masculinidade no futebol. Graças a Deus nunca passei por nada desse tipo e nem soube de alguém próximo algo em relação à torcida do Fluminense sobre casos assim - afirmou Leonardo.

- Talvez (esteja mais seguro), espero que sim. Não acho que vai ser algo tão rápido assim, mas pode ser que pequenas coisas melhorem e comecem a abrir mais espaço para nós dentro do futebol. Essas quebras de padrões nunca são de uma vez só e tão rápidas até porque a sociedade em si ainda é muito homofóbica, mas acho que de uns anos para cá já veio melhorando e para os próximos a tendência é que evolua cada vez mais - completou.

- Acho seguro sim. Nunca passei por situações constrangedoras referente à minha orientação sexual e até o momento também nunca soube de alguém próximo que tenha passado. Costumo dizer que eu não poderia torcer pra outro time pois eu me sinto livre e leve pra ser quem eu quiser dentro do estádio, na torcida tradicional ou na minha torcida organizada. Todos me respeitam, não me tratam diferente, me abraçam... isso me faz feliz demais. Eu amo o Fluminense, amo minha torcida e ser quem sou - completou a torcedora, que faz parte de uma organizada do Tricolor.

- Se os clubes se mobilizarem sempre por essa causa e continuarem dispostos a promover essas ações, acredito que junto com a torcida possa ter esse apoio pra promover acolhimento e diminuir o preconceito nos estádios - concluiu Thais Martins.

*Estagiária sob supervisão de Luiza Sá

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