Lúcio de Castro: um Infantino de cócoras e uma Copa sob risco
As 'repetidas violações do dever de neutralidade política' por parte do presidente da Fifa estão no centro da tormenta

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O rei está nu. As "repetidas violações do dever de neutralidade política" por parte de Gianni Infantino, presidente da Fifa, estão no centro da tormenta.
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Uma denúncia de oito páginas foi protocolada essa semana no Comitê de Ética da entidade máxima do futebol por parte da Fair Square, destacada ONG que atua nos direitos trabalhistas dos migrantes globais, contra regimes ditatoriais que promovem repressão política e no esporte. Área em que promove "uma busca por uma governança melhor e mais democrática para evitar que as instituições esportivas contribuam para danos e sofrimento". A Fair Square ganhou maior visibilidade e tornou-se um jogador de destaque no mundo do esporte quando, em 2022, defendeu os direitos dos trabalhadores migrantes durante a Copa do Mundo no Catar.
De acordo com reportagem publicada pelo New York Times, a peça da Fair Square propõe também uma investigação sobre o processo que levou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a receber o Prêmio da Paz da Fifa.
ONG aponta quatro violações cometidas por Infantino
Escorada no artigo 15 do Código de Ética da Fifa, a ONG aponta que quatro supostas violações foram cometidas por Infantino no dever de neutralidade da Fifa. Todas essas violações estão relacionadas à defesa pública do presidente da Fifa ao presidente Trump.
Uma das denúncias aborda o intenso lobby de Infantino para que o presidente dos Estados Unidos recebesse o Prêmio Nobel da Paz.
Não é uma suposição. Está nas redes sociais do presidente da Fifa: "O presidente Donald J. Trump definitivamente merece o Prêmio Nobel da Paz por suas ações decisivas".
Em outra acusação, a Fair Square, de acordo com o NYT, relata o momento em que o presidente da Fifa afirma no America Business Forum, em Miami, que Trump era "um amigo muito próximo" e "acho que todos devemos apoiar o que ele está fazendo, porque acho que está indo muito bem".
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Em terceiro lugar, está o questionamento sobre as intervenções de Infantino durante a realização do sorteio da Copa no Kennedy Center, em Washington. Sem cerimônia, o mandatário da Fifa afirmou: "O senhor sempre pode contar com o meu apoio, senhor presidente."
Aliás, tal como a Fifa, o próprio Kennedy Center está sob ataque e processo de fagocitose trumpiana.
A tradicional e centenária revista New Yorker, em sua atual edição, deu o tom.
"O centro cultural tem sido um dos projetos de demolição mais notórios do segundo mandato de Trump, desde que ele anunciou, em uma sexta-feira à noite no início de fevereiro, que planejava demitir o então presidente do conselho, David Rubenstein, e outros membros que não "compartilhavam nossa visão de uma Era de Ouro nas Artes e na Cultura". Documentos obtidos pelo senador Sheldon Whitehouse sugerem que "a Fifa usou os prédios do centro gratuitamente". A entidade nega.
A quarta violação a qual o documento se refere parece mais um comício eleitoral. Na verdade, era.
Em 20 de janeiro, Infantino abriu sua conta em uma rede social e agradeceu o convite de Trump para um comício. O agradecimento é a declaração explícita de cumplicidade. Um atestado da não neutralidade, ao contrário do que exige o estatuto da Fifa.
"Juntos, faremos não apenas a América grande novamente, mas também o mundo inteiro", declarou Infantino, em fala digna de candidato a presidente dos Estados Unidos.
Segundo o jornal nova-iorquino, Nicholas McGeehan, diretor da Fair Square, afirmou que "esta denúncia vai muito além do apoio de Infantino à agenda política do presidente Donald Trump. De forma mais ampla, trata-se de como a estrutura de governança absurda da Fifa permitiu que Gianni Infantino desrespeitasse abertamente as regras da organização e agisse de maneiras perigosas e diretamente contrárias aos interesses do esporte mais popular do mundo."
A coisa já saiu de controle há muito tempo. Foi a genuflexão da Fifa e de Infantino em relação a Trump que permitiu a declaração de Andrew Giuliani, designado por Trump para ser o chefe da Força-Tarefa da Copa do Mundo da Fifa 2026 da Casa Branca. Uma passada de mão sorrateira nos fundilhos da Fifa. Em outubro, o executivo descreveu que o sorteio seria o "sorteio da Copa do Mundo MAGA-FIFA", referindo-se sem cerimônia ao movimento "Make America Great Again", o MAGA da sigla, os partidários de Trump.
Chamar a copa de "Copa do Mundo MAGA-FIFA" e não ter uma voz dissonante para contrariar na Fifa parece o fim da linha, o ponto de não retorno.
Não bastasse tudo isso, ainda temos Jared Kushner, conselheiro e genro de Trump movimentando negócios de milhões relacionados ao Mundial.
Sim, estamos diante de uma copa totalmente aparelhada, com paralelos somente em outros tempos bem estranhos, ainda que em óbvias circunstâncias distintas. Como as Olimpíadas de Berlim em 1936 ou a Copa da Argentina em 1978. Por mais que a história das copas esteja repleta de momentos assim, agora parece tudo isso elevado a décima.
Quem ainda não entendeu o que está em curso e em jogo, definitivamente ainda não entendeu nada.
Quem achar que voltar ao tema é demasiado, tampouco entendeu algo.
Escrevemos no título da coluna de 17 de outubro que "Trump é a única pauta do esporte no momento". Não bastasse o Mundial do próximo ano, o mundo do esporte passa pelos Estados Unidos nos próximos anos, com os Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 2028 e a Copa do Mundo feminina, em 2031 (compartilhada com o México).
A cada dia tudo isso fica mais claro. E tenebroso. Por isso New York Times, Le Monde, jornais da Alemanha e de outros países da Europa renderam generosos espaços para a denúncia da Fair Square.
Tudo caminha para que a COPA-MAGA seja diferente de tudo. E mais assustadora.
E aquele acima citado que acha demasiado falar no tema…
Ou aquele que acha que política e esporte não se misturam…
Não reclame quando, a três minutos do fim de uma final de Copa do Mundo, o jogo parar porque a lei local exige isso em caso de ameaça de chuva. Seu time prestes a ser campeão…
Se até aqui, a Fifa teve soberania nas regras do jogo nos campeonatos que patrocina, tudo será diferente no ano que vem. A COPA-MAGA vem aí.
Dá medo de pensar nisso. Por óbvias razões. E por que não pensar no que podem ser as arbitragens diante de tamanho acocoramento da Fifa? Ou o VAR?
Diante da tamanha pressão de Donald Trump.
Nesse cenário, imagine se repetindo algo como a Copa de 94, nesses mesmos Estados Unidos. Um Brasil x EUA no 4 de julho…Trump e Infantino na tribuna…
Já vimos filmes parecidos.
Aguardemos.

Adeus Calibri
Esta coluna, como tudo o que é escrito em meu computador, foi escrita e entregue para a redação deste Lance! usando a fonte "Calibri". Uma opção feita há anos, por simpatia e por achar mais confortável para escrita e leitura. Pois muito bem: assim como a Copa do Mundo e o Kennedy Center, a fonte Calibri também está na mira de Donald Trump. Desde ontem, o secretário do Departamento de Estado Americano, Marco Rubio, iniciou uma caça a fonte Calibri. Por considerar uma "concessão desperdiçadora à diversidade". Explica-se: em 2023, no governo Biden, a mudança de tipografia em documentos oficiais, saindo do Times New Roman para Calibri foi determinada visando melhorar a acessibilidade para leitores com deficiências, como baixa visão e dislexia, e para pessoas que utilizam tecnologias como leitores de tela. Por enquanto, seguimos com a Calibri. E ficam as dicas: curta a Calibri enquanto dure. E fique ligado em eventuais pênaltis contra países inimigos de Trump na Copa ou a favor dos Estados Unidos.
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