Lúcio de Castro: A alma que faltava
Futebol ainda tem um tanto além do explicável

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A boa notícia sobre análise de futebol na crônica esportiva nos últimos anos:
De uns tempos para cá, ficou impossível analisar o jogo escorado em lugares comuns como "disposição, raça, coração".
Junto com as mudanças galopantes do futebol, o comentário, de modo geral, precisou evoluir.
A má notícia:
A necessidade dessa transição para não ficar perdido no tempo diante de um jogo em transformação constante, trouxe o paradoxo do apagamento de algumas dessas variantes nas análises.
De repente, pilares do jogo como "disposição, raça e coração", que sim, não são suficientes para explicar tudo mas ainda e sempre serão pilares, ficaram esquecidos.
Virou tabu, vergonha.
Não deveria.
Ainda não inventaram, e que Oxalá assim prossiga, conquista sem tudo isso. Sem alma.
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Sobrou alma
O Flamengo x Racing da última quarta-feira (29) sepulta qualquer dúvida quanto a isso.
Sim, houve extremo refinamento tático e exaustiva observação do adversário por parte de Filipe Luís para conseguir suportar quase um tempo inteiro de semifinal de Libertadores com um a menos em campo, depois da expulsão absurda de Plata.
Filipe Luís não hesitou em fazer sua linha de 5 imediatamente, como já tinha feito com o Corinthians. Extremamente bem executada.
Mas acima de tudo, sobrou alma ao time em campo. Nas mais adversas condições. Estádio hostil, bandeirinha de decisões curiosas e um a menos.
A vitória com alma e coração que esse time precisava. Sim. Até aqui um time capaz de belos momentos, mas em outros um tanto frio, pouco mobilizado. Por mais que o excelente e maior promessa do futebol brasileiro como treinador refute a ideia, futebol ainda tem um tanto além do explicável. E nessa semifinal o Flamengo tocou esse inexplicável. Com alma, coração e fome. Era um grande time vagando por aí e tentando encontrar seu lugar na história. Agora parece pronto para ocupar.
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Muita fome
Como na melhor cartilha de Dom Pep Guardiola, O Primeiro. E único.
Para ficar em um dos mais caros conceitos do guardiolismo: não se ganha nada sem fome.
Sim, ele, o maior de todos (não estou abrindo para debates, em frente), o gênio que revolucionou a bola, tem a fome como um dos seus mais altos paradigmas. Elemento do topo de seu altar.
Foi em 2021, numa coletiva pós-jogo que deu entrevista que rodou o mundo: "Se não estiverem motivados, não há nada a fazer. Eu posso falar sobre tática, técnica, estratégia, mas se o jogador não estiver com vontade, se o seu coração não estiver a bater forte, esquece. Tudo o resto é secundário".
Para espanto daqueles que achavam que tudo isso tinha ficado para trás.
Em entrevista para João Castello Branco em 2023, não fez por menos:
"Minha função principal é não deixar que essa chama se apague. Temos de ter fome, sempre, como se não tivéssemos ganho nada".
Em 2023, o City do catalão tinha conquistado a Premier League e a FA Cup. Na véspera da final da Champions, na Turquia, perguntaram ao treinador sobre a motivação, se o time não estaria enfastiado.
Novamente a fome foi o tema do treinador. Que sairia campeão dali. "No final, o que separa os campeões dos outros não é a qualidade, todos a têm neste nível. É a fome. É aquela coisa dentro de ti que te faz sofrer nos momentos difíceis e dizer 'eu não me vou render'. Preciso de sentir isso no grupo, nos seus olhos."
"A Metamorfose", livro de Martí Perarnau, que nos dá o prazer de entrar no vestiário do treinador, relata o discurso dele antes de uma final do Bayern de Munique.
"Não vos vou falar de tática. Vocês sabem jogar futebol. Hoje, quero que entrem em campo e olhem para o olho do vosso companheiro. E vejam se ele está pronto para morrer ali, por vocês. E se vocês estiverem prontos para morrer por ele. Se todos sentirem isso, vamos ganhar. Não tenho dúvidas."
Há ainda o relato sobre o debate dele com auxiliares sobre contratações. Seu veredito final:
"Não me interessa o nome, o passado ou o que ganhou. Só me interessa uma pergunta: 'Ele tem fome?'. Se ele tiver fome, vou enchê-lo de coisas. Se não tiver fome, não há nada a fazer. Podemos vesti-lo, mas ele não jogará."
Humanos, acima de tudo
Voltemos ao começo.
Todos esses exemplos, direto do papa do futebol, que ninguém deturpe, não menosprezam em momento algum tática, estratégia, conceitos.
Mas ao fim de tudo, é de seres humanos que estamos falando. Humanos, demasiadamente humanos, como disse o filósofo.
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