Gramados do Brasil: como lidar com o problema crônico do futebol no país?
Especialistas apontam problemas e soluções paras os campos do futebol brasileiro

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O debate sobre os gramados do país tem movimentado os bastidores do futebol brasileiro. No início do mês, o Flamengo protocolou, junto à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), proposta por padronização dos campos no país, com sugestões de melhora técnica das arenas e contra a utilização dos sintéticos na elite do Campeonato Brasileiro.
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Em novembro, Saúl Ñíguez, meio-campista do Rubro-Negro Carioca, fez duras críticas aos gramados do futebol brasileiro em entrevista exclusiva ao Lance!. Curiosamente, ele citou o Maracanã, administrado pelo próprio Flamengo, e o sintético como exemplos ruins.
— O gramado está muito atrasado em relação aos da Europa. Você tem que colocar as melhores instalações e as melhores condições para desenvolver o futebol da melhor forma possível. Assim como o gramado artificial, por exemplo, o gramado do Maracanã não pode ser tão duro. Não dá para jogar, a bola não corre igual. Isso faz com que o nível do futebol seja pior só por causa do gramado — declarou o jogador.
O Lance! entrevistou especialistas no trato da grama envolvidos no esporte no país, desde fornecedores até os responsáveis pela manutenção dos gramados, para entender os principais problemas e soluções para a questão. Ademais, profissionais do futebol com experiências internacionais comparam o nível dos campos brasileiros aos de outros lugares do planeta.
Quais os problemas dos gramados do futebol brasileiro?
A reportagem conversou com exclusividade com Rodrigo Santos, coordenador do centro de gramados esportivos da Itograss, fornecedora que atende 90% dos clubes das Séries A e B do Campeonato Brasileiro. Segundo o engenheiro agrônomo, o alto número de jogos e a arquitetura das arenas modernas, que projeta sombra nos campos, são as principais dificuldades. Ele diz, ainda, que o clima não é um problema pois, desde o princípio, a grama é selecionada para se adaptar.
— Se a gente não tiver uma grama que se adapta ao clima, essa procura pela grama ideal acaba nesse momento. Ela precisa conseguir performar nessas condições. Mas não é só o clima que vai determinar o sucesso de um gramado. Eu destaco dois fatores que a gente mais acredita serem críticos para o desenvolvimento da grama. A gente tem, no calendário do Brasil, uma carga de jogos muito maior do que qualquer outra liga de alto nível no mundo, e o futebol atual é muito diferente do praticado há alguns anos.
O especialista também falou de outros fatores que causam mais danos aos pisos do futebol brasileiro.
— Os atletas hoje têm muito mais força física, correm mais, e o jogo é muito mais concentrado. Além disso, a Fifa determinou uma redução (nas dimensões) dos campos desde a Copa do Mundo do Brasil. Ou seja, temos um calendário superapertado, atletas cada vez mais fortes, campos reduzidos e um jogo cada vez mais jogado em bloco. Tudo isso eleva a pressão sobre a grama, o que naturalmente causa mais desgaste. Por isso, quando vou procurar uma grama, ela precisa ser capaz de se recuperar rapidamente.
Rodrigo Santos também explicou a importância da incidência de luz sobre a grama.
— O segundo ponto é a capacidade dela de se desenvolver em ambientes com pouca luz. Se você comparar os estádios que foram sedes da Copa do Mundo no Brasil com as versões anteriores deles, a arquitetura era completamente diferente. Antes, os estádios não tinham aquelas coberturas que avançam tanto sobre o gramado. E a grama precisa, principalmente, de luz, que é a fonte de energia que acelera todos os processos metabólicos dela. Quando a gente reduz a luz, coloca ainda mais pressão sobre a grama. Por isso, precisamos procurar cultivar as que tenham capacidade de performar bem em regiões com um pouco mais de sombra. Esses dois pontos, capacidade de recuperação e de desempenho sob sombra, são os principais critérios na escolha de uma variedade — completou.

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Quem corrobora com a opinião da fornecedora dos gramados é Maristela Kuhn, representante do escritório que leva seu nome, que presta consultoria e cuida dos gramados de Bahia, Botafogo, Corinthians, Coritiba, Cruzeiro, Fortaleza, Grêmio, Internacional, Juventude, Palmeiras, São Paulo e Vasco, além da Granja Comary, o Centro de Treinamento da Seleção Brasileira em Teresópolis.
— Os desafios de manter os gramados do Brasil em bom estado são muitos. A gente pode falar da carga de jogos que é extremamente alta. Também vamos falar da sombra em estádios, porque tem alguns estádios brasileiros como o estádio Beira-Rio, a Arena do Grêmio, Arena Fonte Nova, o Estádio de Brasília, a Neo Química Arena, vários estádios que foram construídos para a Copa do Mundo, que tem telhados grandes para manter o conforto do torcedor. Eles (estádios) têm um sombreamento bem importante, e isso é um desafio para conseguir manter um gramado de qualidade — disse Maristela.
O Lance! também falou com Lucas Pedrosa, diretor técnico da Greenleaf Gramados, empresa que faz a manutenção de estádios como Maracanã, Mineirão, Morumbis, Fonte Nova, São Januário, entre outros. Ele cita os mesmos problemas, como sombreamento e número de jogos, como os desafios para cuidar das arenas.
— As arenas da Copa foram projetadas com uma arquitetura pensada para dar conforto ao público. Então, elas têm aquela cobertura que, para os torcedores, foi bastante propícia, mas, para o gramado, é um fator negativo. Assim, a gente tem um grande problema nas arenas com o sombreamento. A grama não se desenvolve, principalmente quando entramos nas estações de outono e inverno, em que os dias são mais curtos, as noites mais longas e as temperaturas mais amenas — destaca.
O calendário é, mais uma vez, citado como um dos principais problemas.
— O outro fator é o calendário. A gente não pode deixar de falar sobre ele, porque o calendário brasileiro sempre foi muito apertado. Para usar como referência, há anos o Maracanã é o estádio com o maior número de jogos, já que abriga dois clubes que costumam chegar às fases finais das competições. Com isso, o estádio recebe sempre entre 70 e 80 partidas por ano, enquanto a média na Europa é de cerca de 35 jogos (por estádio) — completa.
Pedrosa aponta, ainda, um problema recente para os gramados. Desde a Copa do Mundo de 2014, as equipes passaram a fazer aquecimentos mais prolongados na grama, o que contribui para o desgaste. Ele diz que conversou com a CBF para amenizar a situação.
— Antigamente, o aquecimento durava de 15 a 20 minutos; hoje, são cerca de 40 minutos. Um time, junto com os reservas, trabalhando em meio campo, e o outro time, também com os reservas, no outro meio campo. Ou seja, somando tudo, são cerca de 60 pessoas dentro do campo, treinando por 40 minutos em áreas concentradas e de espaço reduzido. Isso acaba estressando ainda mais a planta e pode danificar o gramado. Eu já vinha batendo nessa tecla há um tempo, tanto dentro da CBF quanto com os diretores, buscando uma solução. Quando há uma cobrança por qualidade e excelência, é preciso oferecer condições para que a gente possa atingir essa excelência. Pelo menos retirar o preparo físico que envolve tração e velocidade em curto espaço de dentro do campo e levar para fora das quatro linhas, como forma de minimizar os danos ao gramado — contou o diretor técnico da Greenleaf.
Rodrigo Santos aponta também que a utilização dos estádios e arenas para shows e outros eventos que não o futebol prejudica a recuperação da grama. Ele compara a situação do Brasil com as de grandes ligas de outros países.
— Além do futebol, algumas arenas recebem também outros eventos. Quando começamos a colocar toda essa pressão, surge uma certa dificuldade para manter um gramado natural em alta qualidade. Todas as grandes ligas do mundo têm o uso do campo quase que exclusivamente voltado para o futebol. Elas também recebem concertos e shows, mas normalmente fora da temporada. Durante o período de competições, esses campos são preservados apenas para partidas de futebol — disse.
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Há solução para os gramados do Brasil?
Os principais problemas dos gramados do Brasil estão, portanto, ligados à estrutura do futebol no país. O Lance!, então, procurou possíveis soluções para melhorar a qualidade dos gramados. Por sua vez, o especialista da Itograss detalha algumas ferramentas já utilizadas, como iluminação artificial e campos híbridos. Além disso, cita as oportunidades de troca das superfícies, com as Datas Fifa.
— O gramado tem uma certa capacidade. Por mais que se ofereça luz suplementar, outra tecnologia usada para incrementar a qualidade é a costura de fios sintéticos no meio da grama natural. Nesse caso, cerca de 90% a 93% do gramado é natural, com 7% a 10% de grama costurada. Tudo isso aumenta a capacidade reativa do gramado, mas existe um limite. O que temos visto, cada vez mais, é que a troca rápida e eficiente talvez seja a melhor opção para manter um gramado de qualidade durante todo o ano. Já existe tecnologia no Brasil que permite, por exemplo, durante uma Data Fifa, retirar um gramado que recebeu cerca de 30 partidas nos últimos 90 dias e substituí-lo por um novo, produzido sob luz ideal e com muito mais energia, garantindo assim uma melhor performance ao longo do ano.
Lucas Pedrosa cita o "Programa Gramados", iniciativa da CBF para avaliar as condições dos estádios envolvidos nas competições nacionais. Contudo, ele cobra maior padronização.
— Desde 2015, a CBF desenvolveu o programa Gramados, que fazia visitas aos estádios para avaliar diversos itens, como construção, manejo e infraestrutura, e indicar se o local estava dentro dos padrões ou não. A ideia era buscar uma unificação e padronização dos gramados em todo o país. Mas, quando se exige isso, é preciso entender que nem todos os estádios têm as mesmas condições. Posso ter o mesmo tipo de maquinário, mão de obra e estrutura, mas há estádios com 30 jogos no ano e outros com 70 e, de largada, isso já cria uma diferença grande — avalia o especialista.
A expectativa para o futuro breve é, por outro lado, otimista. Uma nova tecnologia de gramado já utilizada em estádios da NFL, chamada de "Play on Time", promete aumentar a resistência do piso e permitir o uso do campo poucas horas após a instalação. Rodrigo Santos detalha como esse sistema ajudará a otimizar a recuperação dos campos no Brasil e torná-los mais resistentes.
— A Itograss tem uma tecnologia que atende alguns clubes no Brasil, chamada "Ready to Play". Desde a Olimpíada, a empresa vem oferecendo esse serviço. Mais recentemente, foi feito um plantio na Fonte Nova, que teve problemas com o gramado nos jogos contra Palmeiras e Flamengo. A Ready to Play utiliza um rolo produzido sobre uma base de areia. Esse rolo é colhido grosso e pesado, o que permite um plantio rápido e condições de jogo em poucos dias. O São Paulo faz isso com frequência, e o Maracanã, às vezes — explica.
— O Play on Time é um avanço dessa tecnologia. Logística e prazos não diferem muito, mas a grande diferença está no sistema de produção. O Play on Time é produzido em um ambiente artificial. Embora seja cultivado em uma fazenda, cria-se uma situação semelhante a um aquário, onde as raízes da planta não podem se aprofundar no solo. Elas permanecem concentradas dentro de um substrato de areia, escolhido para facilitar a drenagem nos estádios. Essa concentração das raízes torna o produto muito mais resistente e garante uma troca muito mais precisa, oferecendo um gramado de alta performance — completou.
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O coordenador da Itograss revelou, sem citar nomes, que a empresa trouxe a nova tecnologia ao Brasil a pedido de um clube e outros dois têm conversas avançadas para adotar a tecnologia. Contudo, a apuração do Lance! descobriu que quem solicitou o Play on Time inicialmente foi o Consórcio Maracanã, comandado por Flamengo e Fluminense. Além disso, o Morumbis, casa do São Paulo, e a Arena Mané Garrincha, em Brasília, negociam a implementação. A tendência é que todos recebam a novidade para a próxima temporada.
— A gente veio atrás dessa tecnologia a pedido de um grande estádio do Brasil, inicialmente, porque eles jogam com frequência aqui nos Estados Unidos. A gente já atendia esse clube com o Ready to Play, eles já sabiam que o produto oferecia uma qualidade superior e nos solicitaram essa evolução. A gente já estava nesse processo de pesquisa e desenvolvimento junto à empresa, e esse estádio provavelmente já receberá essa nova grama no próximo ano. Além disso, há mais dois estádios com negociações em andamento para que também passem a ser atendidos com a tecnologia Play on Time — afirmou Rodrigo.

Outro avanço que chega ao Brasil na próxima temporada é a North Bridge Bermuda, uma das gramas desenvolvidas para a Copa do Mundo de 2026. Ela será utilizada nos estádios que irão sediar o torneio no México e no sul dos Estados Unidos. A Itograss, por sua vez, já tem um lote plantado no Rio de Janeiro, reservado para a instalação no Maracanã.
— Nas sedes mexicanas e nas áreas mais ao sul ou nas zonas de transição dos Estados Unidos, as bermudas serão utilizadas. Alguns estádios vão adotar a variedade North Bridge, uma grama que a Itograss levou para o Brasil e que já está plantada na fazenda da empresa no Rio de Janeiro. Essa área é reservada para o Maracanã, onde provavelmente ocorrerá a troca de variedade, a pedido da própria gestão do estádio. A Itograss apresentou a opção, desenvolvida por um parceiro internacional, e o plantio deve acontecer no próximo ano — contou o coordenador da empresa.
— A North Bridge representa uma evolução dentro das variedades de Bermudas. Ela tem folhas menores, o que oferece um aspecto visual mais refinado, além de ser mais densa, o que reduz o desgaste em comparação com a Celebration, a principal nas arenas do Brasil. Outra vantagem é sua resistência ao inverno. Mesmo com o clima mais rigoroso, a North Bridge mantém um bom desenvolvimento, enquanto as outras sofrem mais com a redução da luz e da temperatura.
Rodrigo concluiu falando que haverá mais novidades em breve.
— A gente tem mais variedades de grama vindo por aí, porque o processo de desenvolvimento não para. A própria Celebration passou por um processo de melhoramento genético na Universidade do Mississippi, e dessa pesquisa surgiu a Celebration Hybrid, uma nova versão da grama. Ela já está plantada em uma das fazendas da empresa em São Paulo e pode, em breve, começar a aparecer nas arenas do país.
Em contrapartida, Lucas Pedrosa demonstra preocupação com o futuro a curto prazo. Com as mudanças de calendário feitas pela CBF, o Campeonato Brasileiro do próximo ano terá início no fim de janeiro. Assim, as empresas não terão um período longo para tratar os gramados.
— Até 2027, o calendário vai ser ainda pior, porque antes a gente tinha, geralmente, um intervalo no final do ano até a pré-temporada. Nesse período, era possível fazer uma revitalização do gramado, que consistia em eliminar a folha da temporada passada e replantar folhas novas, mais vigorosas, para aguentar o pisoteio e a sequência de jogos. Agora, com o novo calendário, essa pausa praticamente desapareceu. Há a possibilidade, por exemplo, de o último jogo da Copa do Brasil acontecer no dia 21 de dezembro e, no dia 11 de janeiro, já começar o estadual. Com isso, os trabalhos de revitalização e recuperação da planta estão sendo perdidos, o que torna o manejo do gramado cada vez mais difícil — comentou o diretor da Greenleaf.

Melhores e piores gramados do Brasil
A irregularidade do nível dos gramados do futebol brasileiro traz a pergunta: quais os melhores e piores do Brasil? Constantemente elogiada por técnicos e jogadores, a grama da Neo Química Arena desponta como principal candidata a melhor gramado. Comandantes de Flamengo e Palmeiras, Filipe Luís e Abel Ferreira já "se renderam" à casa corinthiana e citam outras arenas.
— O melhor gramado do Brasil é o do Corinthians (Neo Química Arena). Tem o do Inter (Beira-Rio), São Paulo (Morumbis) é muito bom, do Juventude (Alfredo Jaconi) é muito bom, do Coritiba (Couto Pereira) é muito bom. A Vila Belmiro já peguei boa e ruim também — comentou Filipe Luís em fevereiro.
O treinador do Palmeiras não teve problemas em elogiar o piso do maior rival.
— Quando a CBF conseguir manter em todos os campos a qualidade do gramado como está o doCorinthians, por exemplo, aí podemos reclamar dos sintéticos. Vamos falar dos sintéticos quando todo mundo tiver o mesmo nível de gramado que tem o Corinthians — disse Abel Ferreira em abril de 2024.

A Neo Química Arena utiliza um gramado híbrido, com 10% de relva artificial na composição, estratégia adotada também pelo Maracanã. O diretor técnico da Greenleaf explica que o que diferencia o estado dos campos é o tipo de grama e a quantidade de jogos disputados em cada um.
— A diferença do Maracanã para o Itaquerão é que o Itaquerão tem como base a grama ryegrass, que é uma grama 100% de inverno. Ela não ramifica para o lado, apenas perfilha, tem uma folha mais fina e emborrachada, além de uma coloração muito bonita. No entanto, ela exige um sistema de resfriamento embaixo uma serpentina, para manter a temperatura amena e permitir o desenvolvimento da grama, o que acaba gerando um custo maior — destaca Lucas Pedrosa.
— Já no Maracanã, é usada a Bermuda Celebration, a mesma adotada na grande maioria dos estádios. Fizemos a costura em 2022. Até aquele ano, com um volume de 70 a 80 jogos por temporada, havia danos bem significativos, principalmente nessa época do ano. Se tivéssemos, por exemplo, quatro jogos em seis dias, o gramado sentia muito. Com o sistema híbrido, realmente melhorou bastante, proporcionando muito mais estabilidade e resistência à grama — completou.
Abel Ferreira, porém, acredita que o melhor gramado do Brasil é outro. Em outubro do ano passado, o português afirmou que a relva em melhores condições é, "de longe", a do Alfredo Jaconi, do Juventude.
— Não tenho dúvida nenhuma que esse é o melhor gramado de longe do futebol brasileiro — disparou o treinador do Palmeiras após partida..

Os gramados dos estádios localizados na região Sul do Brasil são alguns dos mais elogiados pelos profissionais do futebol. No entanto, a representante do Escritório Maristela Kuhn não acredita que seja certo cravar que eles são os melhores do país. Ela diz que a grama de inverno em locais mais frios passa a impressão de maior qualidade por apresentar coloração mais viva.
— Não considero que os gramados do sul são os melhores. Talvez alguns clientes sejam mais caprichosos que outros, mas eu não considero que os gramados do sul sejam melhores. Nos meses de inverno, quando a gente usa o ryegrass, os gramados mais ao Sul, a Granja Comary incluída, em Teresópolis, o Coritiba, o São Paulo, o próprio Corinthians, o Juventude, o Inter, o Grêmio, ficam com a grama muito forte, muito densa, muito bonita. Então, nesse período do ano, esses gramados tendem a ficar com uma coloração e uma densidade mais bonita por causa do frio — explicou a especialista.
Do outro lado, temos os gramados são alvos de críticas constantes. O Lance! perguntou a Lucas Pedrosa quais o estádios que mais demandam cuidados ao longo da temporada. O diretor da Greenleaf dividiu os exemplos em dois grupos: os que recebem muitos jogos, como Maracanã e Castelão, e as arenas multiuso, como Mineirão e Fonte Nova, pela quantidade de eventos além do futebol.
— Podemos classificar os estádios em dois grupos: os que têm um maior número de jogos e os que são arenas multiuso. Por exemplo, o Maracanã e o Castelão se enquadram na primeira categoria. Geralmente, esses dois estádios registram entre 70 e 80 jogos por ano. O Maracanã, às vezes, chega a ter ainda mais partidas porque Flamengo e Fluminense costumam avançar até as finais. Assim, são dois estádios com grande volume de jogos e desafios semelhantes. Mesmo o Castelão estando em Fortaleza, onde o clima é mais quente e favorável, a cobertura do estádio também interfere nas condições do gramado — avaliou o engenheiro agrônomo.

— Já entre as arenas multiuso, se destacam o Mineirão e a Fonte Nova. O Mineirão chegou a ter dois clubes, Cruzeiro e Atlético, mas hoje conta apenas com o Cruzeiro. Ambos recebem, além dos jogos, um número elevado de shows: cerca de dez por ano no Mineirão e seis ou sete na Fonte Nova. Nesses casos, o trabalho de manejo precisa ser diferente, pois é necessário conciliar os eventos e os jogos com o cuidado adequado do gramado, mas é possível minimizar tanto o impacto visual quanto os problemas que cada evento pode causar. Então, esses quatro estádios, eu acho que são os com maior dificuldade hoje no país — completou.

Gramado sintético é solução?
Os constantes problemas e a precarização de boa parte dos gramados do futebol brasileiro levaram alguns clubes a utilizarem o sintético nos estádios. Na Série A, Atlético-MG, Botafogo e Palmeiras usam a grama artificial nas suas arenas. O coordenador da Itograss relaciona a escolha dos times à necessidade de obter renda por outras fontes, como eventos e shows.
— Se olharmos um estádio como um plano de negócios e considerarmos que a geração de receita por meio de outros eventos, além do futebol, o uso do gramado sintético passa a ter sua justificativa. Em estádios como o Allianz, que recebem diversos tipos de eventos, é muito complicado manter um gramado natural de alto nível com essa frequência de utilização, além dos jogos. Não é coincidência que, no Brasil, três clubes da principal liga utilizem gramados sintéticos. Todos têm como objetivo ampliar as fontes de receita com o uso do campo para outros tipos de eventos — disse Rodrigo Santos.
No entanto, o especialista critica o uso do sintético no futebol e compara a situação do Brasil com outras ligas ao redor do mundo.
— Por outro lado, nas principais ligas do mundo, a prioridade ainda é o espetáculo do futebol. Lá fora, há uma preocupação clara com a qualidade técnica e estética do jogo, o que reforça a preferência pelo gramado natural. Aliás, costumo nem chamar o sintético de "gramado", porque, para mim, não é grama. Um é sintético; o outro, sim, é gramado — disparou.
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Quem endossa a crítica ao gramado sintético é Lucas Pedrosa. Ele cita o movimento feito pelos jogadores do Brasileirão no início do ano, quando boa parte dos atletas se posicionou contra jogar na grama artificial e explica as diferenças técnicas.
— A gente trabalha com os dois tipos de grama, mas, em estádio, vou resumir rapidamente porque não tem muito o que discutir: estádio de futebol tem que ter grama natural. Não sou só eu que digo isso, mesmo trabalhando com as duas opções, mas também os jogadores. São atletas de alto nível, que percebem claramente a diferença na dureza do campo, na forma como o corpo reage a uma queda, ou até na temperatura, já que o sintético esquenta muito mais e pode deixar o pé em contato direto com o calor — afirmou.

Pedrosa acredita que é possível conciliar a realização de shows e eventos com as partidas de futebol sem necessidade do gramado artificial. Para isso, os clubes deveriam investir em "turf farms", fazendas próprias próximas as estádios para a reposição da grama.
— É você criar uma turf farm, uma fazenda própria do estádio, onde é possível realizar trocas rápidas de gramado conforme a necessidade. Assim, entre a retirada da grama danificada e a realização do jogo, hoje, estamos falando de um intervalo de cerca de dez dias. Com a nova tecnologia do Play on Time, podemos ganhar dois ou três dias. Dessa forma, mesmo que um show cause grandes danos ao gramado, é possível fazer a substituição rapidamente. Esse é um modelo que implantamos há dois anos no Maracanã. Essa é mais uma tecnologia que tem nos ajudado muito na manutenção e na qualidade dos gramados — explicou.
Em compensação, o diretor da Greenleaf acredita que há espaço para o sintético no futebol, sobretudo nas categorias de base e nos centros de treinamentos.
— O gramado sintético, por outro lado, tem sim sua utilidade, especialmente em centros de treinamento. Ele é ideal para as categorias de base, sub-9, sub-11, sub-13, sub-15 e sub-17, porque o volume de treinos é alto e o impacto físico dos atletas ainda é baixo. Um campo sintético pode receber cinco ou seis sessões por dia sem problema algum — concluiu.
Um estudo da Uefa, realizado entre 2001 e 2019 e publicado no Aspetar Sports Medicine Journal, apontou que a incidência de lesões em gramados naturais e sintéticos é semelhante. A pesquisa, porém, identificou diferenças no tipo de lesão: os campos de grama natural estão mais associados a lesões musculares, enquanto os sintéticos apresentam maior número de lesões ligamentares, geralmente com recuperação mais longa.
Como os gramados do Brasil se comparam aos de outros lugares do mundo?
As críticas aos campos do futebol brasileiros vêm, muitas vezes, com comparações a campeonatos do exterior, sobretudo da Europa. Entretanto, o Lance! traça um paralelo com ligas distantes daquelas da Europa. Para isso, conversou com profissionais com experiências em países de clima quente, como o Brasil.
O futebol na Arábia Saudita vem crescendo de forma exponencial. Os clubes, comandados pelo Fundo de Investimento Público (PIF), têm movimentado o mercado de contratações. Além disso, o país árabe sediará a Copa do Mundo de 2034. Os investimentos, porém, vão além do glamour e status do esporte.
Quem relata as condições atuais do futebol saudita é o técnico da equipe sub-20 do Internacional, Mário Jorge. Ele comandou a seleção sub-17 da Arábia Saudita entre junho de 2024 e agosto deste ano, antes de ser contratado pelo Colorado, e afirma que o nível dos gramados do país asiático é superior aos brasileiros, sobretudo na base.
— No contexto geral, jogamos em estádios e campos do CT. Na maioria das vezes gramados naturais e com ótima qualidade. Pegamos alguns sintéticos de qualidade ruim também, mas, por falar em futebol de base, tenho que relatar que os gramados são melhores na Arábia Saudita. Uma coisa ficou muito nítida: a estrutura de pessoal e maquinário. Eles não economizam. Sempre muitas pessoas trabalhando — declarou o treinador.
Mário Jorge trabalhou por oito anos nas categorias de base do Flamengo, assumindo o time sub-20 do clube em 2022 e levando a equipe ao título da Libertadores da categoria em 2024, antes de ir para Arábia Saudita. Ele critica a qualidade dos campos do Brasil nos torneios juniores.
— Não acho que os gramados no Brasil têm o nível ideal. Os gramados, principalmente nível estadual, são ruins para a base. Quando você está jogando uma competição nacional isso melhora um pouco, mas, no contexto geral os gramados lá (na Arábia Saudita) são melhores. Não concordo que os gramados ruins e irregulares sejam importantes para a formação do atleta. Se tivermos boas condições nos gramados, podemos formar melhor os atletas — completou o técnico.

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Os problemas dos campos, no entanto, não são exclusivos do futebol brasileiro. No México, por exemplo, a liga nacional também sofre com o nível irregular dos gramados, sobretudo nos estádios de equipes de menor investimento. Ex-treinador de Flamengo e Vasco, Maurício Barbieri, que comandou o Juárez-MEX entre fevereiro e outubro de 2024, relata os problemas encontrados nos estádios mexicanos.
— Acredito que a situação dos gramados no México é semelhante à do Brasil. Alguns campos espetaculares, notadamente das equipes com maior capacidade financeira, e outros gramados que estão em um nível abaixo em relação à qualidade, normalmente de equipes com menor capacidade — comparou o técnico.
O México, junto a Canadá e Estados Unidos, é uma das sedes da próxima Copa do Mundo, que acontecerá entre junho e julho de 2026. Barbieri afirma que não viu grandes mudanças nos gramados por conta da competição da Fifa, pois os grandes estádios, que serão usados no torneio, já têm boas condições. Ademais, há utilização de gramados sintéticos, mas a maioria dos campos é de grama natural.
— Há gramados sintéticos. A equipe do Tijuana manda seus jogos em um gramado sintético, por exemplo. No entanto, a maioria dos campos é de grama natural. Não notei nada específico em relação aos gramados porque os das grandes equipes e estádios, que imagino que sejam os que serão utilizados na Copa, já têm altíssimo nível. Havia sim muitas obras de infraestrutura, em especial nas grandes cidades que devem receber os jogos — contou o Maurício Barbieri.
É possível afirmar, então, que os problemas dos gramados no Brasil estão alinhados a questões estruturais do futebol no país, como a quantidade de jogos e arquitetura dos estádios. Há, porém, soluções viáveis, como o investimento em tecnologia e um planejamento estratégico para definir uso e realizar as trocas em janelas (como as Datas Fifa). Assim, quem sabe o futebol brasileiro conseguirá oferecer palcos à altura do desempenho exigido dos atletas e em nível mais próximo ao das grandes ligas internacionais.
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