Crítico literário analisa a influência do futebol na obra de artistas

Em entrevista ao LANCE!, o jornalista Gustavo Zeitel falou sobre a presença do esporte mais popular do país nos textos de Aldir Blanc, Sérgio Sant´Anna e Rubem Fonseca

Montagem - Aldir Blanc, Sergio Sant´Anna e Rubem Fonseca
Aldir Blanc, Sérgio Sant`Anna e Rubem Fonseca tinham a paixão pelo futebol em comum (Foto: Divulgação)

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Entre abril e maio, o Brasil perdeu o compositor Aldir Blanc e os escritores Sérgio Sant´Anna e Rubem Fonseca, três figuras incontornáveis da nossa cultura. Os artistas tinham uma paixão em comum: o futebol. O amor pelo Vasco da Gama, de Fonseca e Blanc, e pelo Fluminense, de Sant´Anna, marcaram parte da obra dos autores, vindos de uma geração influenciada pelas crônicas de Nelson Rodrigues e de tantos outros jornalistas de estilo semelhante. O LANCE! conversou, por telefone, com o jornalista do Instituto Moreira Salles Gustavo Zeitel sobre os motivos do esporte preferido dos brasileiros servir de inspiração para escritores e poetas.

– Eu combato a ideia de que futebol seja um assunto torpe. Muito pelo contrário. O futebol forma grupos sociais, movimenta a economia, está presente em diferentes manifestações artísticas e, sobretudo, mexe com as emoções do povo brasileiro – analisou Zeitel.

Ainda segundo o crítico literário, os três autores tinham a sensibilidade de enxergar nuances da vida urbana, fundamental também na leitura de uma partida de futebol.

– Lembro da expressão “ler o jogo”, muito usada por técnicos e jogadores. Nada mais pertinente. Passes, dribles e finalizações constituem a gramática de uma linguagem, muito viva em diversos campos da literatura brasileira. Aldir, Rubem e Sérgio se unem, porque olhavam para a rua, para o mundo real. E farão muita falta, porque, além de tudo, eram irreverentes em um país com tantas dificuldades sociais – completou.

Veja as respostas completas do crítico Gustavo Zeitel ao LANCE!:

De que forma o futebol pode inspirar escritores?

Tenho duas hipóteses. Eu entendo que o futebol está presente em territórios íntimos da biografia de muitos escritores. A paixão por um clube, por exemplo, é transmitida, na maioria das vezes, de pai para filho. Então, o esporte habita o inconsciente e, de certa forma, o imaginário dos autores. No final das contas, eles traduzem suas experiências em obras literárias. O segundo ponto é o fato de o futebol ser uma linguagem. Lembro da expressão “ler o jogo”, muito usada por técnicos e jogadores. Nada mais pertinente. Passes, dribles e finalizações constituem a gramática de uma linguagem, muito viva em diversos campos da literatura brasileira. Eu combato a ideia de que futebol seja um assunto torpe. Muito pelo contrário. O futebol forma grupos sociais, movimenta a economia, está presente em diferentes manifestações artísticas e, sobretudo, mexe com as emoções do povo brasileiro.

Em que momentos as obras de Sérgio Sant'Anna, Rubem Fonseca e Aldir Blanc falam sobre futebol?

O Fluminense aparece em alguns momentos na obra do Sérgio Sant’Anna. No conto “Invocações (memórias e ficção)”, presente em um dos seus melhores livros, O voo da madrugada (2003), a infância do narrador é marcada por idas às Laranjeiras para ver os treinos do Fluminense. O personagem principal fantasia que o tio, goleiro amador, assume a posição do Castilho, ídolo do time. A narrativa, como o subtítulo sugere, mistura ficção e realidade e se destaca pela sofisticação da forma. A presença do Vasco na obra do Rubem Fonseca é um pouco discreta, mas o conto “Abril, no Rio, em 1970”, que está no principal livro do autor, Feliz ano novo (1975), é muito interessante. A história começa de maneira escatológica, com um cuspe do Gerson, em um treino da seleção para a Copa de 1970. No caso do Aldir, O Vasco aparece literalmente na canção “Êxtase”, gravada pelo Djavan no álbum Seduzir (1981). O eu-lírico aparece como um torcedor fervoroso. A paixão pelo Vasco faz com que ele fique louco e esqueça os problemas por alguns minutos. [“Eu devia ter sentido o teu rancor /mas tava doido num jogo de vasco-ô-ô-ô!”].

Essa geração do Sant’Anna, Aldir e Rubem Fonseca está ligada à tradição das crônicas esportivas, que tinham um tom literário, como as obras escritas por Nelson Rodrigues. Acredita que esse é um estilo fadado a deixar de existir, diante das crônicas mais imparciais em técnicas da atualidade?

É muito difícil fazer previsões. A perda desses tremendos escritores me deixa desanimado. Sobre o jornalismo esportivo, eu adoraria que a objetividade fosse deixada um pouco de lado. Gostaria de ver crônicas com um tom mais literário, algo que poderia aguçar a curiosidade do público. Por outro lado, fico preocupado e melancólico, porque, mesmo com um cenário movimentado na literatura contemporânea, não vejo a renovação de um público-leitor. Ler muito é um dos pré-requisitos para escrever bem. Não vejo um bom futuro para o Brasil sem leitores. E, claro, com o fraco desempenho da seleção brasileira, a inspiração fica mais rarefeita. O 7 a 1 foi apenas um símbolo.

Quais são os pontos de contato e de afastamento entre estes autores?

Rubem Fonseca e Sérgio Sant’Anna foram exímios contistas. O Rubem Fonseca mudou a cara da literatura brasileira, influenciou muitos autores, inclusive o Sérgio, porque inseriu, na prosa, a estética das grandes cidades. A linguagem desse autor é cortante, violenta, e os assuntos estão ligados a características do submundo urbano. Tráfico de drogas, prostituição, sexo, violência urbana são temas, que chegaram aos livros do Sérgio Sant’Anna. Mas, em certa medida, os contos do Rubem Fonseca orbitam, com mais frequência, ao redor do gênero policial. Aldir Blanc foi um dos poetas mais importantes da MPB. As parcerias com João Bosco ocasionaram momentos de iluminação poética. Aldir, Rubem e Sérgio se unem, porque olhavam para a rua, para o mundo real. E farão muita falta, porque, além de tudo, eram irreverentes em um país com tantas dificuldades sociais.

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