Do projeto social ao profissional: Thaissan Passos e a construção de uma treinadora no futebol feminino
Ex-Grêmio e Corinthians, técnica reflete sobre o futebol feminino no Rio de Janeiro e Seleção Brasileira

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A trajetória de Thaissan Passos ajuda a explicar muito do que o futebol feminino brasileiro foi, é e ainda tenta se tornar. Ex-atleta formada nos campos, quadras e areias do Rio de Janeiro, a treinadora carrega no discurso a vivência de quem atravessou diferentes pisos do jogo e, agora, busca devolver ao futebol de mulheres tudo o que aprendeu dentro e fora das quatro linhas.
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Em conversa com o Lance!, Thaissan falou sobre sua transição dos gramados para a comissão técnica, o papel histórico do Rio de Janeiro na modalidade, os gargalos estruturais da modalidade no estado e a importância de projetos de base e formação, como o Daminhas da Bola, em sua própria construção como profissional.
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Perfil da treinadora
Aos 39 anos, Thaissan acumula experiências no Duque de Caxias, Daminhas da Bola, Fluminense, categorias de base do Corinthians e seu trabalho mais recente, à frente do Grêmio.
Sobre tática, ela rejeita rótulos. Defende um jogo ofensivo, intenso, de duelos e coragem, mas acima de tudo adaptável às características do elenco e aos objetivos do clube. Para ela, modelo de jogo não se impõe: se constrói coletivamente. Da rouparia ao vestiário, todos precisam entender e comprar a ideia.
Ao olhar para a Seleção Brasileira, vê o melhor momento da história em termos de integração entre categorias. Da Sub-15 à principal, Taissan enxerga identidade, continuidade e um legado claro de formação, com reflexos diretos no desempenho recente. Acredita no potencial do Brasil para a Copa do Mundo de 2027, desde que organização, estudo e valorização do futebol feminino sigam como prioridade.
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Dos campos às comissões técnicas: uma formação forjada no jogo
A relação de Thaissan com o futebol começou cedo e nunca foi tratada como tabu dentro de casa. Criada em um ambiente familiar onde a bola fazia parte da rotina, ela cresceu jogando com primos, frequentando o Maracanã e consumindo futebol em diferentes campeonatos, nacionais e internacionais.
Essa vivência se expandiu naturalmente para a prática esportiva. Futsal, futebol de campo e futebol de praia fizeram parte de sua formação, em um período em que as atletas transitavam entre modalidades com naturalidade. Sem se definir como uma jogadora tecnicamente brilhante, Thaissan destaca o esforço, a competitividade e, principalmente, o privilégio de ter dividido espaço com atletas de altíssimo nível, muitas delas com passagem pela Seleção Brasileira.
A passagem por clubes tradicionais do Rio de Janeiro e a convivência com gerações que ajudaram a construir o futebol feminino no país moldaram não só a atleta, mas a futura treinadora. Para ela, compreender o jogo "por dentro" foi determinante para se preparar para o desafio de atuar fora de campo.
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O Rio de Janeiro como berço histórico do futebol feminino
Ao falar sobre o cenário atual da modalidade, Thaissan faz questão de resgatar o papel pioneiro do Rio de Janeiro na história do futebol de mulheres. Mesmo após décadas de proibição, o estado foi palco de iniciativas que romperam barreiras, como o Radar, em Niterói, além de preliminares no Maracanã e ligas paralelas que mantiveram a modalidade viva quando ela ainda era invisibilizada.
Segundo a treinadora, o Rio sempre foi um celeiro de talentos, não apenas no futebol de campo, mas também no futsal e no futebol de praia, servindo como polo de formação para seleções brasileiras e exportando atletas e profissionais para outros estados e países.
Essa herança, no entanto, contrasta com as dificuldades enfrentadas atualmente no futebol profissional feminino fluminense, especialmente quando comparado ao modelo mais estruturado de São Paulo.
Base forte, profissional fragilizado: os gargalos do futebol feminino no estado
Thaissan reconhece os avanços recentes na base do futebol feminino do Rio de Janeiro. Resultados como títulos em competições nacionais de categorias inferiores e campanhas consistentes de clubes tradicionais mostram que o talento segue presente.
O problema, segundo ela, está na falta de organização, investimento e continuidade no profissional. A ausência de premiações consistentes, calendários atrativos e departamentos específicos dentro das federações impacta diretamente o desenvolvimento da modalidade.
Na comparação com São Paulo, onde competições estaduais oferecem incentivos esportivos e financeiros, a treinadora destaca que não se trata de copiar modelos, mas de compreender as particularidades culturais de cada estado. Enquanto o futebol paulista cresce dentro de estruturas mais organizadas, o futebol carioca carrega uma identidade mais livre, ligada à rua e à praia — característica que precisa ser valorizada, mas também organizada.
Projetos sociais e formação: o Daminhas da Bola como legado
Ao falar de sua trajetória como treinadora, Thaissan é categórica ao afirmar que não existe sua versão profissional sem o Daminhas da Bola. Mais do que um projeto esportivo, ela define a iniciativa como uma plataforma de desenvolvimento social, educacional e humano, que utiliza o futebol como ferramenta de transformação.
O objetivo nunca foi formar um clube competitivo, mas criar oportunidades para meninas que, muitas vezes, encontram no futebol um espaço de acolhimento diante da marginalização social. A competitividade é parte do processo formativo, mas o foco está na construção de cidadania e autoestima.
Foi nesse ambiente que surgiram atletas que hoje ocupam espaço no futebol nacional e internacional, caso de Tarciane, vice-campeã olímpica pela Seleção e jogadora do Lyon, da França.
Formação de treinadoras e o futuro do futebol feminino
A treinadora também destaca a importância de uma nova geração de profissionais que, além da vivência como atletas, buscaram formação acadêmica, estudos em ciência do esporte, análise de desempenho e compreensão das especificidades do futebol feminino.
Para ela, o crescimento da modalidade passa diretamente pela valorização de profissionais capacitados e dedicados exclusivamente ao futebol de mulheres. Eventos como a Copa do Mundo representam oportunidades únicas de visibilidade, mas só terão impacto real se acompanhados de organização, investimento e políticas estruturais.
Mesmo com tantas dificuldades, Thaissan lembra que o Rio de Janeiro segue como um dos estados mais relevantes no ranking nacional da CBF, revelando atletas que fortalecem clubes de outras regiões. O desafio, agora, é transformar esse potencial humano em um produto forte dentro do próprio estado.

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