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Palmeiras x Flamengo: Entre ciência e política, gramado sintético divide os clubes

Briga entre os clubes vai além do piso escolhido para cada estádio

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Thiago Braga
São Paulo (SP)
Dia 13/12/2025
04:00
Gramado sintético sendo instalado na Arena da Baixada
imagem cameraGramado sintético sendo instalado na Arena da Baixada (Foto: Lucas Andrade e Tatiana Ribeiro/ Site oficial)

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A troca de farpas entre Palmeiras e Flamengo em torno do gramado sintético ganhou um novo capítulo e reacendeu o debate sobre o uso de campos artificiais no futebol brasileiro. Depois de encabeçar um movimento político contra os gramados sintéticos, o Flamengo protocolou na CBF uma proposta de padronização e melhoria das condições dos campos no país, incluindo o pedido para que o uso do piso artificial seja banido das competições nacionais.

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A qualidade dos gramados é um problema crônico, influenciado pela falta de padronização, pela sobrecarga de jogos e por questões de arquitetura: em algumas arenas, a pouca incidência de sol dificulta a recuperação do campo e provoca falhas constantes. Essa realidade contrasta com regulamentos mais rígidos na Europa, onde, por exemplo, na Champions League os gramados não podem ultrapassar 30 milímetros de altura, com possibilidade de redução a critério do árbitro, e na Premier League, embora o limite seja o mesmo, há controle mais apurado inclusive sobre a irrigação. No Brasil, a CBF se limita a exigir que os clubes ofereçam "condições adequadas" de gramado.

A discussão sobre grama sintética ou natural vai muito além da rivalidade entre clubes e se apoia em uma série de estudos científicos sobre desempenho e segurança. Enquanto os defensores do piso artificial destacam a durabilidade, a regularidade do campo e o custo de manutenção mais baixo, críticos questionam os impactos na incidência e no tipo de lesões.

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Uma meta-análise publicada em 2023 na revista The Lancet revisou 1.447 estudos e selecionou 22 trabalhos dentro dos critérios de inclusão, concluindo que a incidência geral de lesões no futebol é menor na grama sintética do que na natural e que o risco de contusões, de forma ampla, não pode ser usado como argumento definitivo contra o gramado artificial.

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Na Major League Soccer (MLS), levantamento realizado entre 2013 e 2016 apontou taxas médias de lesões muito semelhantes entre as duas superfícies, com 1,54 lesão por jogo em campos sintéticos e 1,49 em gramados naturais, embora tenha identificado maior incidência de problemas no tornozelo e no tendão de Aquiles no piso artificial, sem diferenças relevantes nas demais categorias de lesões.

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No futebol universitário dos Estados Unidos, dados do Sistema de Vigilância de Lesões da NCAA entre 2004 e 2014 indicaram que jogadores que treinavam em grama natural apresentaram risco 26% maior de ruptura de ligamento cruzado anterior (LCA) em comparação com atletas que treinavam em campos sintéticos, enquanto nas partidas oficiais a diferença entre as superfícies não foi estatisticamente significativa.

Máquina faz descompactação do gramado do Maracanã
Máquina faz descompactação do gramado do Maracanã (Divulgação/Flamengo)

Outro trabalho, conduzido por Jan Ekstrand para a Aspetar, um dos principais centros de medicina esportiva do mundo, analisou lesões musculares de coxa em jogadores de elite e concluiu que a superfície de jogo influencia o tipo de contusão, embora o risco global se mantenha semelhante. Os dados sugerem um risco menor de distensões musculares na nova geração de gramados artificiais, mas apontam, em contrapartida, possível aumento de entorses de tornozelo nesses campos.

Já um estudo com futebol americano e futebol masculino e feminino em nível colegial, entre 2007 e 2019, mostrou que lesões de LCA foram mais comuns em gramado sintético do que em grama natural no futebol americano e no futebol feminino; no masculino, porém, essa associação não atingiu significância estatística, ainda que o LCA tenha aparecido com maior probabilidade no piso artificial entre as lesões de membros inferiores.

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Enquanto a ciência tenta refinar a leitura sobre riscos e benefícios, a adoção do gramado sintético avança em arenas modernas e polariza cada vez mais o ambiente do futebol. Atualmente, três estádios da Série A utilizam o piso artificial: o Allianz Parque, do Palmeiras, o Estádio Nilton Santos, do Botafogo, e a Arena MRV, do Atlético-MG. A partir do próximo ano, a Ligga Arena, do Athletico-PR, a Arena Condá, em Chapecó, e a Mercado Livre Arena Pacaembu, em São Paulo, também passarão a contar com superfície sintética, ampliando a presença dessa tecnologia nas principais competições nacionais.

A Fifa, por sua vez, classifica oficialmente três tipos de gramado: natural, híbrido (que combina grama natural com reforços sintéticos) e sintético, este subdividido em três certificações distintas — Quality Pro, destinada ao futebol profissional, Quality, voltada ao uso comunitário, e Básica, que estabelece requisitos mínimos de segurança e desempenho. Essa categorização acompanha a evolução tecnológica do setor e abre espaço para soluções intermediárias, como o sistema híbrido da Neo Química Arena, do Corinthians, que utiliza fibras sintéticas integradas ao solo em profundidade de 20 centímetros para aumentar a resistência do gramado natural.

Allianz Parque - Gramado
Gramado do Allianz Parque (Foto: Reprodução)

Na Europa, o avanço tecnológico também aparece em projetos de engenharia mais sofisticados para reduzir o desgaste dos gramados e ampliar a versatilidade das arenas. Um dos exemplos mais emblemáticos é o Tottenham Hotspur Stadium, na Inglaterra, que conta com um sistema de gramado retrátil capaz de alternar entre superfície natural e sintética de acordo com o evento, permitindo que o clube mantenha um campo de alta qualidade para o futebol e, ao mesmo tempo, receba jogos da NFL e outros espetáculos sem comprometer o piso principal.

No Brasil, a escolha entre grama natural e sintética envolve variáveis que vão além da performance esportiva e da medicina, como custos de manutenção e agenda de uso do estádio. Para conservar um campo natural em condições ideais, o gasto mensal gira em torno de R$ 150 mil, enquanto o gramado artificial demanda algo entre R$ 30 mil e R$ 40 mil por mês, além de suportar uma intensidade de utilização muito maior: um campo natural aguenta, em média, até três partidas por semana, e o sintético pode ser usado praticamente 24 horas por dia, sete dias por semana, sem necessidade de longos períodos de regeneração.

Mesmo com a expansão do piso artificial, a maioria das arenas brasileiras ainda mantém gramados naturais, que sofrem com desafios sazonais e estruturais. Durante o verão, a espécie Bermuda Celebration, aprovada pela Fifa e amplamente utilizada desde 2014, é a mais comum, enquanto no inverno muitos clubes adotam o Ryegrass, mais resistente ao frio — caso da própria Neo Química Arena, único estádio do país a usar esse tipo de grama de forma exclusiva.

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