Política e Esporte: SAF – A saída para a falta de recursos no futebol
Títulos do Botafogo em 2024 colocaram assunto em evidência

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Os títulos da Conmebol Libertadores e do Campeonato Brasileiro conquistados pelo Botafogo em 2024 recolocaram a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) no centro do debate sobre o futuro do futebol brasileiro. Embora o sucesso esportivo não seja consequência automática do modelo, o caso evidenciou uma transformação estrutural que vem sendo adotada por clubes em busca de soluções para uma crise financeira histórica.
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Criada pela Lei 14.193/2021, a SAF permite que clubes estruturados como associações sem fins lucrativos, muitas vezes com dificuldades financeiras, transformem-se em um modelo empresarial com foco na atração de capital. Antes dessa lei, o cenário financeiro do futebol brasileiro já era crítico. Levantamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) e dados consolidados pela Autoridade Pública de Governança do Futebol (APFUT) indicavam que a dívida acumulada dos principais clubes ultrapassava R$ 10 bilhões, concentrada sobretudo em passivos fiscais e trabalhistas. Esse quadro limitava investimentos, comprometia a competitividade esportiva e mantinha o setor dependente de renegociações frequentes com o poder público.
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Outro exemplo de êxito é o do Cruzeiro. Ainda que não tenha conquistado nenhum título em 2024, o time conseguiu reequilibrar as contas e começar a investir na contratação de novos jogadores. Mas o Glorioso e a Raposa não são os únicos exemplos de SAF país afora. De acordo com dados do Ministério do Esporte e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), até meados de 2025 cerca de 120 clubes brasileiros já haviam adotado o modelo de Sociedade Anônima do Futebol, distribuídos por 20 estados e pelo Distrito Federal. A maioria dessas SAFs, no entanto, está concentrada nas Séries C e D, o que indica que o modelo tem sido utilizado principalmente como resposta a dificuldades financeiras severas, e não apenas como estratégia de expansão esportiva.
SAF tem profissionalização como diferencial
Esse crescimento reflete a busca do futebol brasileiro por modelos mais sustentáveis de gestão e financiamento, capazes de garantir continuidade em um ambiente historicamente marcado por trocas frequentes de presidentes e diretorias. Nas associações, essas mudanças recorrentes interrompem processos de planejamento de longo prazo. O diferencial das SAFs está justamente na profissionalização da administração, com a entrada de investidores e a atuação de executivos com experiência empresarial, criando estruturas mais estáveis, previsíveis e orientadas a resultados.
Apesar das vantagens apontadas, o modelo SAF também apresenta desafios relevantes. Especialistas em direito esportivo e governança alertam para riscos como conflitos entre associações e investidores, dificuldades de fiscalização, decisões orientadas exclusivamente por retorno financeiro de curto prazo e perda de identidade esportiva. Casos recentes de disputas judiciais e problemas de gestão mostram que a profissionalização não é automática e depende de marcos regulatórios claros e de fiscalização eficaz.
Por outro lado, a consolidação das SAFs também reposiciona o debate sobre o papel do Estado no esporte. Ao permitir a entrada estruturada de capital privado no futebol, o modelo reduz a pressão histórica sobre recursos públicos, utilizados de forma direta ou indireta para socorrer clubes endividados.

Nesse sentido, a SAF não substitui a política pública, mas redefine seus contornos. Com ela, o poder público deixa de ser financiador emergencial do futebol profissional e passa a ter a oportunidade de concentrar investimentos em áreas onde o mercado não chega, como esporte de base, formação de atletas, inclusão social e infraestrutura comunitária.
O debate em torno das SAFs voltou ao centro das discussões no Congresso Nacional nos últimos meses, impulsionado pela tramitação do segundo projeto de regulamentação da reforma tributária, o PLP 108/2024. Na prática, a discussão sobre a alíquota do Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF) definirá se o ambiente regulatório será capaz de atrair novos investimentos ou se criará obstáculos a um modelo ainda em consolidação. Uma tributação elevada pode afastar capital em um setor historicamente endividado; por outro lado, incentivos excessivos levantam questionamentos sobre justiça fiscal, especialmente em um país onde outros segmentos econômicos enfrentam elevada carga tributária.
Para muitos clubes brasileiros, a SAF surgiu menos como uma escolha e mais como uma necessidade. Em meio a folhas atrasadas, dívidas e gestões sem planejamento a longo prazo, o modelo apareceu como uma tentativa de romper um ciclo histórico de improviso. A decisão do Congresso sobre o regime tributário das SAFs ultrapassa o campo esportivo e revela como o Estado enxerga o futebol profissional dentro de uma política pública mais ampla.
Ao calibrar incentivos e responsabilidades, o poder público pode contribuir para um futebol financeiramente sustentável, socialmente responsável e menos dependente de soluções emergenciais. A SAF não é uma fórmula mágica, mas pode ser parte de um novo modelo, desde que as regras sejam claras, estáveis e orientadas ao interesse coletivo.
¹ Marcus Deois é publicitário, especialista em relações institucionais e governamentais, marketing e
comunicação institucional. É sócio-diretor da ÉTICA Inteligência Política e atua no mercado político há
mais de 15 anos.
² Gabrielle de Castro é jornalista, com experiência em comunicação no setor de relações institucionais e
governamentais. Atualmente, é assessora de comunicação na ÉTICA Inteligência Política.
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