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A política em campo e o esporte no banco

Comissão debate e formula ações estruturantes para o desenvolvimento esportivo no país

Marcus Deois
Rio de Janeiro (RJ)
Gabrielle de Castro
Rio de Janeiro (RJ)
Dia 26/09/2025
07:00
Banco - Maracanã
imagem cameraBanco de reservas do Maracanã (Foto: Erica Ramalho)

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Brasília, capital federal, 2014 — ano em que o Brasil sediou a Copa do Mundo. Nesse contexto de visibilidade internacional e mobilização em torno do esporte, o Poder Legislativo brasileiro reconheceu, pela primeira vez, a necessidade de conferir maior protagonismo às políticas públicas voltadas exclusivamente para o setor. Foi nesse cenário que se consolidou a criação de um espaço próprio no Congresso Nacional para debater e formular ações estruturantes para o desenvolvimento esportivo no país.

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Com isso, foi criada a primeira Comissão do Esporte (CESPO) da Câmara dos Deputados. Até então, por cerca de uma década, as políticas públicas voltadas ao esporte eram discutidas no âmbito da Comissão de Turismo e Desporto (CTD). Em fevereiro de 2014, diante da crescente demanda por mais atenção e ações voltadas ao setor, foi instituído um colegiado exclusivo para tratar da pauta esportiva. No Senado Federal, por sua vez, a Comissão de Esporte (CEsp) é uma das mais recentes, tendo sido criada em junho de 2023, a partir do desmembramento da antiga Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), com o objetivo de dar maior centralidade ao debate.

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Comissões lideradas por mulheres

Neste ano, pela primeira vez na história, as comissões de esporte das duas Casas Legislativas passam a ser presididas por mulheres. Na Câmara dos Deputados, a função está sob responsabilidade da deputada Laura Carneiro (PSD/RJ), enquanto no Senado o comando é da senadora Leila Barros (PDT/DF), conhecida como Leila do Vôlei. Medalhista olímpica e ex-secretária de Esporte do Distrito Federal, Leila foi também a relatora da Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023). Ao assumirem seus cargos, ambas reforçaram o compromisso com o fortalecimento das políticas públicas para o setor, a democratização do acesso ao esporte e a ampliação da inclusão de pessoas com deficiência nas práticas esportivas.

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Para dar suporte às iniciativas das comissões e fortalecer as políticas públicas para o setor, as presidentes dos colegiados e os demais parlamentares contarão, em 2025, com um orçamento de R$ 2,8 bilhões destinados ao esporte, sob a gestão do Ministério do Esporte. O valor foi aprovado pelo Congresso na Lei Orçamentária Anual (LOA) e representa um incremento expressivo em relação à proposta inicial do governo federal, que previa apenas R$ 435 milhões para esporte e lazer. Esse aumento é resultado, principalmente, das emendas parlamentares — instrumentos por meio dos quais deputados e senadores direcionam recursos públicos para atender demandas da sociedade.

O fato evidencia a crescente dependência da pasta do Executivo em relação aos recursos destinados pelo Legislativo para suprir as necessidades do setor, além da redução de investimentos da União na área. Em 2024, mais da metade dos recursos alocados para a pasta, em torno de R$ 1,3 bilhão, foram destinados por meio das emendas parlamentares.

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Presidente da Comissão do Esporte, deputada Laura Carneiro (PSDRJ), durante reunião da Comissão
Presidente da Comissão do Esporte, deputada Laura Carneiro, durante reunião da Comissão (Foto: Câmara dos Deputados / Divulgação)

Desequilíbrio das responsabilidades

Um estudo, com dados do Tesouro Nacional e do Senado, mostra que o orçamento público destinado à função desporto e lazer (FDL), de 2013 a 2022, totalizou R$ 91,44 bilhões, dos quais apenas 7,3% (R$ 6,69 bilhões) foram aportados pela União, enquanto os municípios contribuíram com 64,5% e os estados com 28,2%. Nesse período, a média de gastos da União com esporte representa apenas de 0,130% do orçamento total, embora seja o ente federado que mais recebe recursos para investir na área. A distribuição revela um desequilíbrio na alocação de responsabilidades, com grande parte do financiamento recaindo sobre os entes subnacionais.

No entanto, analisar os dados orçamentários destinados ao Ministério do Esporte não é tarefa tão simples. Ainda que as informações sejam públicas, o Portal da Transparência não apresenta dados organizados e padronizados sobre os investimentos da pasta ao longo dos anos. Entre 2004 — ano de criação do portal — e 2013, por exemplo, não há registros sistematizados sobre a execução orçamentária da pasta. Somado a isso, as sucessivas mudanças estruturais, como fusões a outras pastas e reclassificações administrativas, dificultam a rastreabilidade e a análise histórica dos recursos públicos destinados ao setor.

Exemplo do Reino Unido

Para dimensionar o descompasso dos investimentos nacionais em esporte, vale observar o exemplo do Reino Unido. Em 2022, o país destinou cerca de £ 1,2 bilhão (aproximadamente R$ 7,3 bilhões à época) para o setor esportivo, segundo dados do Department for Digital, Culture, Media and Sport (DCMS). Esse montante equivale a cerca de 0,3% do orçamento total do governo britânico, mais que o dobro da média histórica brasileira, conforme aponta o levantamento com dados do Tesouro Nacional.

Além disso, o Reino Unido opera com um modelo estruturado de financiamento contínuo, via loterias nacionais, e possui uma agência autônoma — UK Sport — responsável pela distribuição técnica dos recursos. A comparação revela não apenas um maior volume de investimento, mas sobretudo uma visão estratégica do esporte como instrumento de saúde pública, coesão social e projeção internacional, algo ainda incipiente no modelo brasileiro.

Politização do setor

Além das dificuldades relativas ao orçamento, outro desafio para os esportes brasileiros é a politização do setor e o enfraquecimento técnico da pasta. Em setembro de 2023, a chefe do Ministério do Esporte, Ana Moser, considerada um nome técnico devido aos anos dedicados ao esporte e à conquista da primeira medalha do vôlei feminino em Olimpíadas, foi substituída por um nome político.

O deputado André Fufuca (PP/MA), líder do seu partido na Câmara à época, foi nomeado para o cargo, que ainda ocupa, como forma de ampliar a governabilidade de Lula (PT) em seu terceiro mandato por meio do apoio de partidos de centro. A substituição representou mais uma ação de desmonte das políticas públicas e a ausência de uma estratégia nacional apartidária bem definida, que conecte os investimentos e os programas entre União, estados e municípios.

Diante desse cenário, a atuação das comissões de esporte na Câmara e no Senado torna-se ainda mais estratégica. Mais do que órgãos de fiscalização e proposição legislativa, esses colegiados podem se consolidar como espaços de articulação entre sociedade civil, poder público e iniciativa privada, fundamentais para o fortalecimento institucional do esporte como política de Estado.

Mas, para isso, o Brasil precisa decidir se quer continuar deixando o esporte no banco de reservas ou consolidá-lo como vetor de desenvolvimento humano e regional. E isso exige investimentos contínuos, política orçamentária previsível, políticas públicas bem estruturadas e, sobretudo, um compromisso duradouro das autoridades com a construção de um futuro esportivo inclusivo, democrático e sustentável.

Marcus Deois e Gabrielle de Castro no Lance!

Marcus Deois é publicitário, especialista em relações institucionais e governamentais, marketing e comunicação institucional. É sócio-diretor da ÉTICA Inteligência Política e atua no mercado político há mais de 15 anos.

Gabrielle de Castro é jornalista, com experiência em comunicação no setor de relações institucionais e governamentais. É assessora de comunicação na ÉTICA Inteligência Política.

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