Lauter no Lance!: repercussão e números do inesquecível Mundial de Atletismo
Confira balanço do Mundial

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Após nove dias insanos, acompanhando cada prova, decantando cada resultado, destilando todas as possibilidades e usando enfadonhas métricas, posso, enfim, respirar e tentar entender como foi este Mundial de Atletismo, numa visão global, continental e, lógico, nacional.
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Vamos aos números gerais, a crueza dos dados, onde a emoção não se contabiliza, a paixão fica de fora. Números não ouvem o hino de seu país, não recebem o abraço suado, ou não precisam secar lágrimas, de dor, de júbilo ou da sensação do fracasso. Números são esquecidos, com o tempo. Momentos de glória, são eternos!
Um recorde mundial, Duplantis no salto com vara. Nove recordes do campeonato mundial, 62 recordes nacionais. Vinte e duas melhores marcas mundiais deste ano. E o melhor, 53 países diferentes foram medalhistas! Este recorde é o que mais me fascina! O recorde anterior era de 46 países, em Budapeste, 2023. Isto quer dizer que a disseminação do atletismo, começada na primeira gestão de Sir Seb Coe, começa a surtir efeito. Levar o atletismo onde ele nunca pisou, este era o mantra! Para uma melhor digestão das análises, dividirei o esporte em setores (grupos de provas semelhantes, com mesmo uso de valências físicas e até setores do estádio):
ASFALTO: Como o nome já diz, são as provas que ganham as ruas, e os corações dos torcedores. Primeiro, pelo fato de irem aonde o povo está, onde não há venda de ingressos, e como normalmente acontecem do formato “multi-voltas”, transformam as praças e calçadas numa festa única do esporte. E foi neste cenário que aconteceram as quatro provas deste setor: as maratonas (masculina e feminina) e as marchas (20 e 35km, nos dois gêneros também). Feliz de quem acompanhou, não só as nossas marchas Bonfinianas, mas todas, pois em cada uma, os fatores exógenos iam dando a elas conotações dramáticas e épicas.
O que dizer da maratona masculina que, depois de 42km e 195 metros, apenas 2 centésimos de segundos separou o ouro da prata. A vitória do tanzaniano Simbu foi decidida, como numa prova de 100 metros, no photochart! Que delicioso paradoxo! Com certeza os Deuses do Olimpo rondavam o Estádio Nacional de Tóquio. E no feminino? Outro duelo fascinante, entre duas das 10 melhores maratonista de todas as eras, com vitória apertadíssima de Peres Jepchirchir, com míseros 2 segundos à frente da etíope Assefa. A medalha de bronze, veio eternizar a atleta uruguaia, Julia Paternain, como o primeiro atleta uruguaio a subir ao pódio em mundiais!
Brasil foi 'país da marcha' no Mundial de Atletismo
Aqui é o país do futebol, cantava o mundo, apontando para nós, até a virada do milênio. Milhares de campinhos de grama, lama e barro, eram verdadeiras fábricas de craques. Afinal ninguém ganhou tantos mundiais como nós? Mas, calma lá, nosso último título aconteceu há mais de 20 anos. Nosso último título mundial de algum esporte, foi, sim, o da marcha atlética, aquele esporte que homens e mulheres requebram as cadeiras em longas caminhadas! Assim eram vistos os marchadores, atletas, no mínimo exóticos. Hoje, graças a eles somos campeões do mundo, novamente, mas agora em outro esporte. Somos o país da marcha! Ave Caio, todo o povo te saúda!
Nos 35km, Caio Bonfim sabia que não era favorito, mas estava entre os 10 ou 12 que lutariam pela sobrevivência, já que as condições climáticas eram críticas, temperatura e umidade altas, exigindo dos atletas, além de condições físicas excepcionais, uma quantidade alta de coragem, para enfrentar o sofrimento da hipertermia, a dor da fadiga. E ousadia. E foi assim. O duelo se estendeu até a pista do Estádio Nacional, com a vitória de Evan Dunfee por alguns segundos à frente de um incrédulo e heroico Caio Bonfim, deixando um frustrado Katsuki, com o bronze.

O canadense Dunfee, contemporâneo de Caio desde o Pan de Toronto, onde venceu Caio nos 20km, em casa. Dalí pra frente surge uma amizade que vai crescendo com o passar do tempo. E, em Tóquio, Dunfee usou a experiência de ter feito muito mais provas de 35 km na temporada do que Caio (apenas uma, antes do Mundial). O troco viria seis dias depois! Esta inesperada prata deu a Caio uma segurança de que os 20km seria especial!
Caio entra na prova como um dos favoritos, pelos resultados e marcas conquistados na temporada. Mas sabia também que ser o 2º do ranking não significaria muito, num dia quente e úmido, e japoneses correndo em casa e tendo, um deles, como o atual mais rápido do mundo, e chineses com time completo, incluindo um ex-recordista mundial também. A prova foi duríssima, num calor digno de janeiro no Rio de Janeiro, e desde o começo um enorme pelotão, com todos os favoritos, ignorando a sensatez imprimem ritmo punitivo.
Caio tenta manter contato visual com os líderes, sem estar compartilhando a insanidade do pelotão líder. Em alguns momentos, se dava ao luxo de visitar seus adversários, lá no pelotão líder, que, a partir dos 12km começou a emagrecer, com vários participantes, ou abandonando, ou desacelerando e perdendo posições. A partir deste ponto (12km), Caio busca novamente contato com os líderes e se instala por lá, às vezes pressionando japoneses e russos, outras vezes, desacelerando e ficando uns 8 a 10 segundos atrás. Nos 15km, em 8º lugar, vendo que o sofrimento e desgaste de todos é grande e já começa a fazer efeito, busca novamente contato com o pequeno pelotão líder, com os franceses, chineses e japoneses. Nos 18km, Caio tenta fazer um ataque definitivo, mas o chinês Wang e o espanhol McGrath saltam na frente, porém bastou apenas 1km de alta intensidade, para Caio fazer estrago na concorrência. Um festival de câimbras torna os dois presas fáceis, para o resistente e determinado Caio, que, em dois ataques perfeitos, abandona a dupla e segue rumo ao Estádio Nacional. Em sua cabeça, Caio pensa: só falta o japinha, vou buscar!
Ele não viu quando o “japinha” (Yamanishi), o líder do ranking mundial, foi punido com a 3ª advertência e teve que pagar “penalty box” um castigo de dois minutos á margem do asfalto! Triste fim.
E, lá na frente, ia Caio Bonfim, à toda velocidade, em busca de... ninguém! Ele já era o líder e não sabia. Caio entra no estádio, mais líder do que nunca, e sem achar “o japa”, continua acelerando até a linha de chegada. Feliz pela nova “prata”, comemora, com o resto de forças que ainda tem. Só quando alguns brasileiros no estádio o saúdam pelo ouro, é que Caio começa a entender. A cor da medalha era outra! Enfim, ouvimos o hino nacional em Tóquio, graças a um candango que não cansa e não teme a dor. O mais novo campeão mundial da nossa terra, de um esporte que pouco vemos ser praticado, mas os poucos e poucas que o praticam, já bastam para nos encher de orgulho, e de medalhas.
Nas provas femininas, de 20 e 35km, Maria Perez (ESP) vence e convence, a atual campeã olímpica, recordista mundial e, agora, tetra campeã mundial, não deu chances a grandes adversárias. E , uma semana depois, ela repete o feito, na soa distância preferida (20km). A rainha do asfalto amplia sua coleção de ouros.
Há que se ressaltar a bela participação de Viviane Lyra que, bravamente, terminou os 35km na 13ª colocação e nos 20km foi 12ª do mundo!
Como já falamos durante o Mundial, as maratonas ferveram ao sol de Tóquio. Primeiro a feminina, onde teve luta até o último metro. O duelo entre Jepchirchir (KEN) e Assefa (ETH), nos fez lembrar de Paul Tergat (KEN) e Haile Gebrselassie(ETH), nos 10 mil de Sydney, onde tivemos uma distância molecular entre eles, na chegada. Desta vez, em distância bem maior, o duelo foi tão intenso quanto o dos duelistas de Sydney. Levando o público, que já lotava o Estádio Nacional, ao delírio! Jepchirchir deu o troco nos etíopes, 25 anos depois.
E, no dia seguinte, mais emoção, mais um duelo inesquecível, decidido, mais uma vez, no photochart, dando a vitória ao Tanzaniano Alphonce Simbu, por centésimos de segundos, o alemão Amanal Petros. Enfim, o asfalto, mais uma vez, apresentou todas as suas armas (emoção, glória, fracasso, sofrimento e júbilo), e o público, encantado, respondeu à altura!
Aproveitando o embalo do setor que nos deu ouro e prata, para apenas um pescoço, que tal invadirmos o outro setor que nos trouxe a 3ª medalha?
O setor das barreiras
- Os 400 c/ barreiras, com a prata de Alison Piu dos Santos. Numa final sensacional, onde um dos três grandes tenores, desafinou no início da apresentação de gala.

Kasper Warholm largou como se só houvesse 200 metros de prova! Ele liderou com muita folga até a passagem dos 200 metros, enquanto Alison, dos quatro favoritos (já incluindo o catari Samba) foi o mais lento (lento demais). Benjamin, foi o que menos errou na passagem dos 200 metros, e esta constância lhe deu o ouro. Venceu quem errou menos. Warholm quase trotou a partir dos 330 metros, enquanto Alison, no mesmo ponto tentava buscar Benjamin, se aproximando bem, mas não levando. Apesar do festival de erros foi uma prova velocíssima: Benjamin fez a 4ª melhor marca de todos os tempos (46:52), e Alison a 5ª (46:84). Warholm sobrevive, em 5º lugar, com míseros 47:58!
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E ainda teve a dúvida de possível desclassificação para Benjamin. Sem a menor procedência (a derrubada da última barreira não foi de forma proposital, para benefício próprio, pois ele perdeu mais tempo do que ganhou com o ato). E sem o tenor principal, o pódio foi muito bem ocupado por Samba (QAT), que retornou à ótima forma de outrora. Acho que daqui pra frente esta prova será chamada, não mais dos três tenores, mas talvez a do “Fab Four”.
Pelo título desta coluna, já dá para notar que faltou espaço para tanta informação e fofoca, de um Mundial com tantas histórias para contar. Na sexta-feira, temos encontro marcado para a 2ª parte, onde continuaremos visitando todos os setores do atletismo.
Aguardo vocês, sete ou oito, tenazes leitores!
Lauter Nogueira
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