Esgoto, lama e até móveis degradam águas vizinhas a coração da Rio-2016

Promessa de despoluir a Lagoa de Jacarepaguá a tempo da Olimpíada ficou pelo caminho. Responsável por resgatar áreas na região, biólogo Mario Moscatelli diz que luta foi perdida<br>

Móvel descartado flutua na Lagoa Jacarepaguá. Ao fundo, a Arena do Futuro e as Arenas Cariocas 1, 2 e 3, no Parque Olímpico
(Foto: Mario Moscatelli)

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– É como se tivessem nos prometido um Porsche última geração e nos entregassem um Fusquinha 1964.

A analogia é do biólogo Mario Moscatelli, responsável pela recuperação dos manguezais do entorno do Parque Olímpico da Barra da Tijuca, ao comparar a Lagoa de Jacarepaguá a apenas dois dias dos Jogos Rio-2016 com a promessa de despoluição que constava no Dossiê de Candidatura do Rio de Janeiro para receber o evento, em 2009. 

Com 7,5 milhões de metros cúbicos de lama e lixo acumulados, a lagoa cerca a maior zona de competições olímpicas e paralímpicas. Os trabalhos de limpeza se encontram estagnados após uma série de atrasos, devido a intervenções do Ministério Público Federal e Estadual, e em meio à crise econômica que o estado enfrenta. Nesta semana, um móvel abandonado flutuava na água.

Em abril deste ano, atletas e profissionais sofreram com o mau cheiro no evento-teste de handebol, na Arena do Futuro. Uma ressaca e ventos fortes deslocaram sedimentos, o que resultou na liberação de gases tóxicos. O temor dos organizadores é que o mesmo aconteça na Rio-2016. A cerimônia de abertura acontece na sexta-feira.

– O que eu poderia ter feito como cidadão e biólogo, fiz. Denunciei os problemas ao Ministério Público Federal e à imprensa durante 20 anos. Sou péssimo perdedor, mas admito: eu perdi – afirmou Moscatelli, ao LANCE!.

A despoluição de todo o complexo lagunar da Baixada de Jacarepaguá foi orçada no Plano de Políticas Públicas, que engloba obras de legado dos Jogos, em R$ 673 milhões. Isto incluiria as obras de dragagem (retirada de sedimentos) das águas vizinhas ao Parque Olímpico. A responsabilidade era do governo estadual, que não informou quanto já foi gasto.


Em 2014, uma denúncia de formação de cartel travou a licitação para as obras. Meses depois, discordâncias técnicas entre o Ministério Público Federal e o Estadual emperraram o andamento. No período, o Rio decretou estado de calamidade pública e reconfigurou seus gastos. As metas ambientais saíram de cena. Não há mais peixes na Lagoa de Jacarepaguá.

“As legítimas intervenções do Ministério Público acabaram por atrasar, em um ano e meio, o início das obras e, assim, com o passar do tempo, o orçamento previsto para o projeto foi impactado. No período, adveio a crise econômica, agravando a situação”, informou a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA).

A prefeitura ficou encarregada de recuperar, dentre outros, os rios Arroio Pavuna e Pavuninha, que cercam a região, mas também abandonou os trabalhos. O município diz que só terá resultados efetivos quando o estado fizer sua parte na Lagoa.

– Minhas expectativas são as piores. As autoridades brasileiras nos fizeram de trouxas no quesito meio ambiente. Se nada foi feito com 5 bilhões de pessoas olhando, agora está na mão da natureza – diz Moscatelli.

O tratamento de 80% do esgoto despejado na Baía de Guanabara, palco das provas de vela na Olimpíada, foi outro legado não cumprido. O estado diz ter alcançado 50%.

Governo diz que aguarda mais verbas

A Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) diz que aguarda a viabilização de recursos para dar continuidade às intervenções na região da Barra.

O órgão informou ter concluído os serviços de limpeza pesada (resíduos sólidos de grande porte), manguezais, batimetria (medição da profundidade) e sondagem (medição da capacidade de resistência do solo) das lagoas.

Mencionou ainda o plantio de 30 mil mudas de mangue e a instalação de sete quilômetros de cercas de proteção na faixa das lagoas Camorim e Tijuca.

BATE-BOLA
Mario Moscatelli - Biólogo, ao LANCE!

‘A Lagoa virou uma latrina’

LANCE!: Da promessa ambiental do Rio ao quadro atual, o que foi feito na Lagoa de Jacarepaguá até agora?
Mario Moscatelli: Se compararmos com anos atrás, os rios continuam podres, e a Lagoa virou uma latrina. O que houve de mudança foi um pequeno trecho de manguezais em Jacarepaguá, na periferia do Parque Olímpico, que tive a honra de recuperar. Mas, convenhamos, é praticamente nada em relação ao que nos foi prometido na candidatura.

L!: Por que acha que isto ocorreu?
MM: Não é assunto que chama a atenção das autoridades. Quando olhamos a mobilidade urbana ou a belíssima revitalização da Zona Portuária, vemos nitidamente que ali houve vontade politica. Recuperar Baía, rios e lagoas, infelizmente, não dá voto.

L!: O estado diz que as intervenções do Ministério Público na Lagoa foram legítimas. Concorda?
MM: Acho que sim. Mas também são legítimas as minhas denúncias de lançamento de esgoto e crescimento desordenado. A prefeitura não respeita leis. Desta forma, são dois pesos, duas medidas.

L!: Outro argumento é a crise econômica...
MM: Pode falar que não te dinheiro, mas, na Copa, foram gastos mais de R$ 1 bilhão. Com isso, se recuperaria todo o sistema lagunar da Baixada de Jacarepaguá, trazendo qualidade de vida para 1 milhão de pessoas. Este país não tem prioridades. Se tem, são diferentes das minhas.

AS PROMESSAS

Dossiê de Candidatura
O documento apresentado pelo Rio de Janeiro ao Comitê Olímpico Internacional (COI) na época da candidatura para sediar os Jogos de 2016 tinha o legado ambiental como uma das prioridades. Nenhuma promessa foi de fato alcançada. No Item 6 (Meio Ambiente e Meteorologia), o texto colocava como objetivos de curto e longo prazo a recuperação dos rios e córregos da cidade, e citava particularmente o sistema lagunar da Barra da Tijuca, o que inclui a lagoa que margeia o Parque Olímpico da Rio-2016. As obras de dragagem estão paradas e sem perspectivas.

Plano de Políticas Públicas
O documento, que engloba as obras de legado para os Jogos, citava o desassoreamento das lagoas de Jacarepaguá, Camorim, Tijuca e Marapendi, a construção de uma ilha-parque com os sedimentos dragados, a ampliação do mole do canal de Joatinga e a recuperação de manguezais do entorno das lagoas (em parte alcançados). O projeto iria permitir “uma maior renovação hídrica nestas lagoas, propiciando melhoria da qualidade das águas, além de possibilitar um avanço para a retomada da atividade pesqueira através da navegação de pequenas embarcações”.

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