Parcerias que estão transformando o futebol brasileiro e fortalecendo a integridade no esporte
Do monitoramento à ação: o fim da era dos episódios isolados

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Nos últimos anos, o futebol brasileiro viveu uma exposição intensa em torno da manipulação de resultados e do mercado de apostas, colocando o tema da integridade no centro do debate. Isso trouxe desafios, mas também um efeito positivo, pois o país passou a olhar para o problema de forma mais estruturada e coordenada.
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O que antes era visto como episódio isolado passou a ser entendido como parte de um fenômeno global que envolve mercados de apostas altamente sofisticados, redes criminosas transnacionais e vulnerabilidades históricas do esporte brasileiro. Também ficou evidente que nenhum ator, isoladamente, conseguiria enfrentar um desafio dessa magnitude. Integridade é, antes de tudo, cooperação. E essa cooperação se materializou, em grande parte, a partir de parcerias técnicas que criaram um fluxo contínuo de monitoramento e análise.
A redução significativa de partidas suspeitas observada em 2024 nasce justamente desse alinhamento institucional. No futebol profissional, a CBF ampliou o número de partidas monitoradas, fortalecendo sua capacidade de detectar comportamentos atípicos com mais precisão. No âmbito internacional, Conmebol e FIFA também mantêm o intercâmbio de informações com a mesma tecnologia utilizada no Brasil, garantindo que riscos identificados fora do país também possam ser analisados a partir do mesmo padrão global de integridade.
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Novas práticas e acordos
Nos estados, esse movimento se refletiu em novas práticas. A Federação Mineira de Futebol, por exemplo, promoveu treinamentos técnicos para árbitros e dirigentes, reforçando a prevenção em competições regionais historicamente vulneráveis. Órgãos públicos como o Ministério Público de Goiás e, mais recentemente, o Ministério Público do Rio Grande do Sul firmaram acordos de cooperação que incluem intercâmbio de dados e apoio investigativo baseados nas análises produzidas pela empresa. São iniciativas que ampliam a capacidade institucional de resposta e aproximam o sistema esportivo do núcleo investigativo do Estado.
No âmbito federal, o Ministério do Esporte e o Ministério da Fazenda também estabeleceram acordos que incluíram treinamento, construção de fluxos de informação e alinhamento técnico sobre monitoramento de apostas. No final de setembro, houve o I Encontro Técnico Nacional sobre Combate à Manipulação de Resultados Esportivos, com capacitações para policiais civis e federais dos 27 estados do Brasil. Governo e setor privado finalmente passaram a operar de forma integrada para compreender e enfrentar riscos de manipulação.
Ao mesmo tempo, clubes de diferentes regiões incorporaram o tema da integridade às suas rotinas. Corinthians, Ceará, Palmeiras, Grêmio, Internacional, São Paulo, Mirassol, Vitória, Criciúma, entre muitos outros, incluíram treinamentos em seus calendários. Para muitos atletas e comissões técnicas, foi a primeira oportunidade de compreender, de forma clara e prática, como esses esquemas funcionam, quais são as abordagens típicas de grupos criminosos e como agir diante de situações suspeitas. Esse componente educativo tem sido um dos mais eficazes para prevenir comportamentos de risco, especialmente entre jovens atletas.
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Trajeto longo a ser trilhado
Há, entretanto, um percurso significativo a ser trilhado. O crime organizado permanece ativo, migra para competições periféricas e explora fragilidades econômicas e estruturais. A decisão recente do STF também expôs vulnerabilidades importantes no arcabouço legal brasileiro, reforçando a necessidade de modernizar a legislação penal aplicada ao esporte. Essa atualização precisa ser mais precisa e ampla, capaz de abranger tanto a manipulação do resultado quanto a adulteração de eventos específicos, como cartões, escanteios, vencedor de sets, vencedor de quartos, entre outros. Também é fundamental estabelecer canais permanentes e eficazes de cooperação institucional entre as esferas penal e esportiva.
Fundamentalmente, a regulamentação das apostas esportivas elevou o monitoramento a um pilar central do ecossistema de integridade. Em um ambiente regulado, operadores de apostas, entidades esportivas e autoridades públicas têm interesse direto em transparência e responsabilidade, o que possibilita uma detecção mais eficaz de padrões suspeitos de apostas e de possíveis manipulações. Embora o mercado ilegal e o offshore continuem a existir, o arcabouço legal permite que os sistemas de monitoramento atuem com maior profundidade, agilidade e cooperação, algo que não era possível em um contexto não regulamentado. Como resultado, consumidores e torcedores passam a se envolver com as apostas esportivas de forma mais segura e confiante, sabendo que, dentro do mercado regulado, existem controles robustos de integridade para proteger as competições e a credibilidade do esporte.
O combate à manipulação de resultados não é obra de um ator isolado, mas de um ecossistema de integridade que depende de conexões contínuas entre confederações, federações, clubes, operadores de apostas esportivas, órgãos públicos e entidades internacionais. Hoje, seguramente, o Brasil está mais preparado que há dois anos: o monitoramento é mais amplo, o fluxo de informações é mais sólido e a capacidade de resposta é mais coordenada. Ainda assim, isso não será suficiente se não avançarmos de forma coletiva, coerente e coordenada.
Integridade no Esporte, com Felippe Marchetti
Felippe Marchetti, Doutor em integridade e medidas anticorrupção no esporte. Atua como Diretor de Integridade da Sportradar na América Latina.
*Autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, esse texto não reflete necessariamente a opinião do Lance!
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