Integridade no Esporte – O lado oculto do futebol: como o crime organizado manipula resultados e apostas
Por trás da paixão coletiva, redes criminosas exploram campeonatos menos visados, aliciam atletas e transformam partidas em lucros bilionários, ameaçando a essência do esporte

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O futebol sempre foi um espelho da América Latina: paixão coletiva, improviso criativo e drama em tempo real. Mas, por trás da bola que rola, há uma engrenagem silenciosa e calculista que move cifras bilionárias e corrompe a essência do esporte: o crime organizado. Ele encontrou no futebol, especialmente nos campeonatos menos visados, uma rota segura para lavar dinheiro, manipular
resultados e transformar partidas em planilhas de lucro.
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O mercado de apostas, ainda sem regulação em grande parte do mundo, virou o campo de atuação ideal para essas organizações. Elas se infiltram por meio de intermediários que aliciam atletas, árbitros e dirigentes de clubes pequenos, onde os salários são baixos e a informação circula devagar. O resultado é um sistema que imita a lógica de uma corporação mafiosa: hierarquia, comando à distância e lucro certo.
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O organograma do crime no futebol
O organograma do crime organizado nas manipulações esportivas funciona de forma semelhante a uma pirâmide corporativa.
1. Chefes de Operação / Financiadores
São os "donos do jogo". Localizados ou com fortes conexões fora do país, comandam redes de apostas ilegais sediadas principalmente na Ásia. São eles que injetam dinheiro no sistema e definem quais jogos serão manipulados.
Função: financiar o esquema e lavar dinheiro através de apostas em mercados paralelos.
2. Coordenadores Regionais
Agem como "gerentes de campo". São responsáveis por uma região ou país. Mantêm contato direto com intermediários locais e controlam o fluxo de dinheiro e pagamentos.
Função: selecionar clubes/campeonatos vulneráveis e intermediar a comunicação entre financiadores e aliciadores.
3. Aliciadores
O elo mais próximo dos atletas. São quem "vende o peixe" diretamente ao jogador — oferecendo dinheiro, presentes ou vantagens para que ele provoque determinado resultado. Muitas vezes, pessoas do círculo de confiança dos atletas.
Função: convencer o jogador a participar e garantir sua cooperação.
4. Jogadores, Árbitros ou Dirigentes Corrompidos
Executam as ações dentro de campo ou nos bastidores.
Função: realizar os atos combinados e garantir o resultado conforme o plano.
5. Apostadores e Lavadores
Cedem suas contas, como laranjas, para que os manipuladores apostem grandes quantias financeiras e pulverizem o lucro entre diferentes pessoas e sites.
Função: multiplicar o lucro e dar aparência "legal" ao dinheiro obtido de outras atividades criminosas.
Fluxo resumido: Chefes → Coordenadores → Intermediários → Aliciadores → Jogadores → Apostadores → Lucro e Lavagem de Dinheiro.
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Exemplos práticos pelo mundo:
O Caso Patrocinense — Brasil
O clube mineiro entrou na mira da Polícia Federal por suspeita de manipulação na Série D. Um grupo de empresários, com alegadas conexões no Leste Europeu, teria financiado contratações e combinado resultados. Um dos jogos terminou 3 a 0 ainda no primeiro tempo, exatamente como previsto nas apostas. A PF estima que o grupo tenha movimentado cerca de R$ 250 mil.
O futebol no Equador — violência e apostas
O jogador Jonathan González foi assassinado em 19 de setembro de 2025, o terceiro atleta morto naquele mês em um país dominado por cartéis de drogas. Casos como o de Leandro Yépez, morto dias antes, reforçam o elo entre apostas, narcotráfico e intimidação de atletas.
O escândalo do El Porvenir — Argentina
O clube da quarta divisão argentina foi o epicentro de um escândalo de manipulação de resultados. A AFA suspendeu quatro atletas e investiga conexões com redes de apostas online e operadores estrangeiros.
O caso Finlândia — brasileiros aliciados e manipulação em divisões inferiores
Jovens brasileiros foram atraídos para a Finlândia com promessas de contrato, salário e moradia. Ao chegarem, encontraram moradia precária, pouca comida e nenhum pagamento regular. Receberam ofertas de cerca de R$ 5 mil (800 euros) para "ajudar a manipular resultados". Eles haviam pago entre R$ 15 e 20 mil para financiar a viagem e o suposto contrato. O caso, análogo ao tráfico humano, foi revelado pela imprensa finlandesa e expôs a vulnerabilidade de jogadores estrangeiros em ligas menores.
O crime organizado entendeu algo que o futebol ainda resiste a admitir: cada erro humano pode ser um ativo. Cada gol perdido, uma aposta ganha. Cada silêncio, uma vitória para o sistema. Enquanto as arquibancadas vibram, há quem conte lucros em silêncio. Proteger o futebol, portanto, não é questão de moralismo ou de nostalgia: é um ato de resistência. Porque se o resultado do jogo já está escrito antes do apito inicial, o que resta não é esporte. É apenas o crime, disfarçado de espetáculo.
Integridade no Esporte, com Felippe Marchetti
Felippe Marchetti, Doutor em integridade e medidas anticorrupção no esporte. Atua como Diretor de Integridade da Sportradar na América Latina.
*Autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, esse texto não reflete necessariamente a opinião do Lance!
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