Luiz Gomes: ‘Inicia o ano da Seleção. Quem paga a conta dos desfalques?’
'Nem a Copa América da Conmebol nem os jogos de Tóquio do COI, vale dizer, estão incluídos no calendário do futebol internacional como datas Fifa'
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Dessa vez até que vai doer pouco. Apesar da convocação de sete jogadores que atuam por aqui, os clubes brasileiros não vão sofrer prejuízos maiores. Afinal, com os jogos das Eliminatórias contra Bolívia e Peru acontecendo nos dias 27 e 31 deste mês os chamados por Tite vão ficar de fora apenas de uma, no máximo duas rodadas desses inúteis campeonatos estaduais. Menos mal que seja assim.
Mas e a partir daí? O discurso da CBF de que 2020 seria um marco em que passaria a respeitar as datas Fifa é uma falácia. Sim, não haverá jogos da seleção no mesmo dia de jogos do Brasileirão, é verdade. Mas em algumas etapas das Eliminatórias, os clubes entrarão em campo apenas dois dias depois. Ou seja, ainda mais considerando as longas e cansativas viagens pelo continente, dificilmente os convocados terão condições de jogar. Ou pelo menos jogar o que sabem e o que ganham dos seus clubes - e não da CBF - para fazer bem feito.
E isso sem falar na Copa América que será disputada na Colômbia entre junho e julho - absurdamente a quarta edição do torneio em seis anos - e a Olimpíada de Tóquio, prevista para julho e agosto se a epidemia e a paranoia do coronavirus assim permitirem. Durante esses dois eventos o Brasileirão e a Copa do Brasil continuarão rolando normalmente, aí sim com perdas de pelo menos um mês e tantas rodadas para os clubes que tiverem jogadores convocados.
Nem a Copa América da Conmebol nem os jogos de Tóquio do COI, vale dizer, estão incluídos no calendário do futebol internacional como datas Fifa. Isso significa que nenhum clube, seja brasileiro ou de fora, está obrigado a ceder jogadores, nem para a seleção de Tite nem para o time sub-23 de André Jardine. Mas isso é só teoria, a prática, aqui um pouco menos que na Europa ou na Argentina, por exemplo, é a cartolagem baixar a cabeça e engolir solenemente as imposições da CBF e de outras entidades ditas regulatórias do futebol mundial. E conviverem com os desfalques em momentos importantes.
Mantida a mesma base dessa primeira convocação de Tite no restante das Eliminatórias e na Copa América e de Jardine na Olimpíada - ao menos oito clubes (Flamengo, Grêmio, Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Atlético-MG, Ponte Preta e Red Bull Bragantino) terão problemas ao longo da temporada. A situação do Flamengo é ainda mais crítica, sacrificado com as cessões de Bruno Henrique, Gabigol e Everton Ribeiro - além de Arrascaeta para a seleção uruguaia. E isso sem falar em Rodrigo Caio, agora contundido, e Gérson, que anda chamando a atenção de Tite, e que podem ganhar oportunidade com a amarelinha a qualquer momento daqui para frente.
Em realidade, o que acontece é que o atual campeão brasileiro está sendo punido por ter investido. O clube montou um time diferenciado, com jogadores de primeira linha e que custam caro, muito caro a cada 90 minutos que entram em campo com a camisa rubro-negra. Que atraem multidões e, por seu talento com a bola, geram o retorno financeiro que garante a estabilidade do clube e permite novos investimentos, num louvável círculo virtuoso. Se um deles se contunde, como não é raro acontecer em jogos do áspero futebol sul-americano, e fica fora do restante da temporada, quem é que pagará a conta?
Não se trata, aqui, de defender que os clubes não cedam jogadores. A seleção que vai ao Qatar em busca do desejado e demorado hexa tem mesmo de contar com os melhores. Ao menos os que o treinador considera os melhores. O que é preciso, contudo, e essa ladainha é antiga e repetitiva, é que haja bom senso, que sejam resolvidas questões cruciais como a construção de um calendário sem coincidências de datas e a responsabilidade da CBF em indenizar os clubes por perdas com salários pagos em longos períodos de afastamento e eventuais danos provocados por contusões.
Uma seleção forte, seja nas Eliminatórias, na Copa América ou na Olimpíada é desejável. Mas nunca às custas do enfraquecimento dos clubes.
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