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Lauter no Lance!: Então é Natal! Assim cantava a pivô da Seleção de Basquete…

O danado do canto de Natal brotava em todos os cantos desta Terra Brasilis

invasão russa na Ucrânia
imagem cameraMarcas da guerra: conflito entre Rússia e Ucrânia (AFP)
Autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, esse texto não reflete necessariamente a opinião do Lance!
Dia 23/12/2025
20:54

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... entre uma cesta e um "toco"! E, de tanto cantar, e repetir, a cada Natal, num mantra sem fim a mesma constatação óbvia, ganhando inimigos eternos e simpatizantes de caráter duvidosos, cestas e tocos, Natal após Natal.

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O danado do canto de Natal brotava em todos os cantos desta Terra Brasilis. A intérprete, Simone Bittencourt de Oliveira, ou apenas Simone, uma habilidosa pivô, que de tão habilidosa, virou ala, e ganhou vaga até em seleção olímpica de basquete do Brasil, no começo da década de 1970, encantou e cantou o mundo. Virou intérprete de peso, cantava Milton, Chico, Sueli Costa, Ivan Lins, uma verdadeira "Cigarra", respondendo a doce pergunta assim: "Porque você pediu uma canção para cantar, feito a cigarra..."

Minha memória, besta e seletiva, guarda com carinho, imagens de Simone nas quadras, e sua voz modulando histórias de muita gente, cantadas, por aí, por aqui, pela Cigarra Simone.

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Mas, então é Natal, e aquela irremediável canção me acorda, e avisa, para todas as moléculas que me compõem, é dia de paz! Que assim seja.

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Que antigos irmãos se reencontrem, sejam eles ucranianos ou russos (irmãos étnicos, eslavos orientais!). Me lembro sempre do Campeonato Mundial de Atletismo de 2013, uma época de altíssima tensão nas fronteiras comuns destes dois países, que transbordava na pista do Estádio Olímpico de Moscou, principalmente em uma prova, o salto em altura masculino, onde duas trincas de atletas se destacavam, o time de saltadores ucranianos, e o timaço caseiro, dos russos, que dominavam o ranking mundial naquele ano.

Apenas um ucraniano conseguia enfrentar a trinca fortíssima da Rússia, ele era Bohdan Bondarenko, que iria defender o ouro como quem defende a sua Carcóvia natal, uma cidade sitiada, que se defendia da invasão russa quarteirão a quarteirão, casa a casa!

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Nas arquibancadas, a sensação de que Moscou era uma cidade invadida, mas era uma invasão diferente, sem mortos, sem sangue. Dezenas de milhares de ucranianos, se vestiram de azul e amarelo, e atravessaram sem medo, a fronteira inimiga, em carros velhos, ônibus sucateados e camionetes apinhadas. Era a hora da vingança, Bonda entraria em ação, desafiando os anfitriões e a lei da gravidade. Naquela tarde quente de verão de 2013, véspera da deflagração oficial de uma invasão covarde, o Estádio Olímpico de Moscou era deles, antes do hino oficial, após a entrega do ouro para Bondarenko, milhares de vozes embargadas entoaram, a plenos pulmões, o hino da Ucrânia, num aviso aos anfitriões, que se preparassem para noites escuras e frias, nevascas sem fim, e a resistência de um povo que não cogita se entregar. Que os olhares do mundo não se desviem das fronteiras invadidas. E que mais um Natal não passe à margem das cidades tomadas ou destruídas. Vidas ucranianas ainda resistem!

Natal em Gaza

Hoje, véspera de Natal, em Gaza, um menino palestino recebe das mãos de um agente da UNRWA (Agência da ONU que cuida de refugiados na Faixa de Gaza) uma bola de plástico, dessas que se perdem eternamente nos telhados alheios, e sai a esmo, andando, divagando e dominando a bola que não se perdeu. Na esquina destruída seguinte, já fazem parte do estranho séquito, mais dois refugiados e um jovem com a camisa da Cruz Vermelha. Enfim chegam ao "estádio", uma praça quase completamente destruída, onde sobrevivem, de pé, dois grandes suportes para dizimados balanços, que pararam de rugir, desde o primeiro bombardeio.

No meio do que já foi uma rua, e hoje serve como depósito de automóveis destruídos e contorcidos, caminham quatro adolescentes, netos de israelenses que participaram da ocupação israelense, e vivem em Gaza desde 1967. Por terem nascido em Gaza, tentam resistir e sobreviver em sua terra, que terra? Mais adiante, os dois grupos se encaram, cada um de um lado da extinta praça, que jaz entre eles. Em silêncio, o dono da bola se adianta até o meio de um arremedo de quadra de futebol, e a coloca, impávida, no centro do "gramado". São dois times frente a frente, oito jovens que tem em comum o medo, a dor de perdas, e a atração ancestral por uma bola parada no centro de um campo, prestes a ser posta em movimento. Dois times prestes a duelarem, não por justiça, ou por vingança, mas por um bem maior.

Pela magra alegria e pela antiga sensação de humanidade, contidas numa partida de futebol.

Ali não havia vencedores ou vencidos, só crianças sendo, novamente, crianças.

Um repórter britânico, veterano correspondente de guerra, desde a Guerra dos Seis Dias, uma guerra, que apesar do nome, nunca terminou, tem apenas forças para usar seu celular como câmera profissional, fotografando e filmando a cena. Enquanto corriam, os jogadores iam deixando um rastro de poeira, formando um ambiente digno de Apocalypse Now, de Coppola, o repórter ia se soltando, invadindo o "campo", sorrindo e vertendo lágrimas, constatando a viabilidade, a possibilidade da improvável paz. E o jogo segue, ao som de contidas gargalhadas, e enfim, ouve-se casuais trocas de frases, sobre o gol perdido, o drible desconcertante ou o tampo do dedão que resolveu desaparecer no cimento quente. Quase conversas casuais, quase papo de arquibancada. Soa enfim, o apito final, não do juiz, pois não há juiz neste jogo, mas o massacrante aviso de recolher. É a hora de reencontrar a dor!

Saem, em direções opostas, mas com a mesma estranha sensação, de que o inimigo não é tão ruim de bola, e joga até limpo. Quem sabe amanhã, não nos encontramos aqui, vamos trazer mais amigos, precisamos de um time "de fora". Dessa vez a gente ganha. E o cara com a camisa de cruz vermelha, será que ele ajuda a gente, ele pode apitar! Vamos fazer um campeonato?

Mas é hora de voltarmos para o que já foi nossa casa, dizem que hoje é Natal! Hoje, em algum lugar do mundo, que não aqui, é Natal. Amanhã ganhamos deles, eles são legais, mas não jogam nada!

E assim segue a vida, cacos esquecidos de história deixados no chão. Por falar em chão, amanhã nada de jogar descalço, queremos preservar os nove dedos que ainda nos restam.

Será que haverá amanhã?

Do alto de um prédio semidestruído, um aparelho de som, distorcido pelo calor e pelas bombas, resiste a tudo, e canta, em português, pela milionésima primeira vez:

"Então é Natal...!"

Cesta de três pontos para a pivô Simone.

Lauter Nogueira

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