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Exclusivo: Paulo Autuori analisa gestão, Seleção com Ancelotti e a era dos técnicos estrangeiros

Profissional conversou com o Lance! em Lima, no Peru

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Lucas Bayer
Enviado especial
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Vitor Palhares
Enviado especial
Dia 26/12/2025
06:50
Paulo Autuori em entrevista ao Lance! (Foto: Lucas Bayer/Lance!)
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LIMA (PER) - O futebol brasileiro vive uma era de transformações, marcada pela presença cada vez maior de treinadores estrangeiros no país. Ao mesmo tempo, o Brasil, pentacampeão mundial, segue exportando seus profissionais para o exterior, como fez no passado com nomes como Felipão, Vanderlei Luxemburgo e Ricardo Gomes, e continua fazendo hoje com técnicos como André Jardine, Sylvinho e Tiago Nunes. Isso sem falar que a Seleção Brasileira, atualmente, conta com um treinador estrangeiro: o italiano Carlo Ancelotti.

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Para tratar desse e outros temas, o Lance! entrevistou Paulo Autuori, que conta com quase 50 anos de carreira, 27 deles vividos fora do Brasil.

Supercampeão, com títulos do Brasileirão (com o Botafogo em 1995), da Libertadores e do Mundial - ambos com o São Paulo -, Paulo Autuori, de 69 anos, é o atual treinador do Sporting Cristal, do Peru. Ao fazer um raio-x do momento do futebol brasileiro, o técnico opinou sobre o número de profissionais estrangeiros no país, tratando-o com "naturalidade".

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- Completo 50 anos de futebol. Comecei em 1975, passando por várias funções, como treinador, e fui muito tempo assistente. Fui para Portugal como auxiliar e sou treinador principal desde 1987. Nesses 50 anos, 27 vivi fora do Brasil. Estou completando o 27º neste ano aqui. Então, seria uma hipocrisia muito grande falar sobre estrangeiros entrando no nosso país, seja para qualquer setor profissional, mas especificamente no setor profissional em que trabalho - iniciou.

Paulo Autuori em entrevista ao Lance! (Foto: Lucas Bayer/Lance!)
Paulo Autuori em entrevista ao Lance! (Foto: Lucas Bayer/Lance!)

- Sempre fui muito bem recebido nos lugares por onde passei, com uma perspectiva muito boa do profissional brasileiro. Vejo isso com naturalidade, muito mais no mundo globalizado de hoje, em que estrangeiros estão espalhados. Eu vivi isso na pele em 1996 e 97, quando estava no Benfica. Foi o primeiro ano da Lei Bosman (garantiu mudanças regulamentares no futebol). Então, naquela altura, havia 13 nacionalidades diferentes no Benfica. E a crítica que tivemos da imprensa e da torcida era algo absurdo. Passam-se anos, e vou ver o Benfica ser campeão sem um português no onze, com o Porto igual, o Sporting igual. É assim a vida - completou Paulo Autuori, que já trabalhou em Portugal, Japão, Colômbia e Catar, entre outros países.

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Técnico estrangeiro na Seleção Brasileira - um vitorioso

Sobre o momento da Seleção Brasileira, Paulo Autuori optou por deixar de lado a questão da nacionalidade do italiano Carlo Ancelotti. Para ele, trata-se de um profissional vitorioso, com uma leitura de jogo que pode levar o Brasil ao hexacampeonato.

- Não estamos falando de um treinador, estamos falando de um vitorioso, multicampeão. É uma pessoa que, embora eu não conheça pessoalmente, todos aqueles que conhecem sabem perfeitamente que tipo de pessoa é: boníssima, de caráter. Um treinador carta cabal. Já foi campeão em clubes que têm jogadores do mais alto nível. Então, sabe trabalhar com essa diversidade. Me lembro muito bem quando ele voltou para o Real Madrid e voltou a ser campeão várias vezes. Lembro que, num dia, falaram que o Courtois (goleiro) batia o tiro de meta longo. Por vezes, o Real não marcava a saída de bola, subia o bloco, com passe de retorno para o goleiro. E perguntaram a ele, e ele falou: "Eu tenho um centroavante inteligentíssimo, o Benzema. Tenho o Rodrygo de um lado e o Vinícius do outro. Se o Rodrygo e o Vinícius têm 30 metros de espaço, são mortais". Então, isso por si só já diz que é um treinador que trabalha com as características dos jogadores que possui - analisou ao Lance!.

Carlo Ancelotti, técnico da Seleção Brasileira, durante Brasil x Senegal
Carlo Ancelotti durante jogo da Seleção Brasileira (Foto: Rafael Ribeiro/CBF)

- Não é um treinador preso a uma maneira de jogar, tem repertório para trabalhar de diversas maneiras. Acho que, para a Seleção Brasileira, ter um profissional desse nível é motivo de orgulho. Acho que está muito bem entregue, porque é um treinador que pode trabalhar com os melhores jogadores do mundo, com uma atmosfera interna muito legal. Isso significa que, para mim, qualquer profissional que estiver envolvido em qualquer setor, quando vai para uma conjuntura diferente, sabe ler o contexto. O que impacta culturas distintas, hábitos e costumes. Não vou ferir meus princípios e valores morais, mas vou saber adaptar meus conceitos profissionais para aquela realidade, naquele contexto, para poder ter êxito. Já vi muitos treinadores de lugares diferentes que apenas repetiam aquilo que faziam no seu país — treinadores de nome, falo isso fora do Brasil — e que não alcançaram nada. De repente, não tiveram a humildade de ler o contexto e de entender que teriam de alterar, não ferir os seus conceitos, mas adaptá-los àquela nova realidade - completou, analisando, mais uma vez, o cenário do futebol.

Nacionalidade, mais uma vez, para o lado: o que importa é gestão

É verdade que a nacionalidade dos treinadores no Brasil se tornou tema recorrente nas rodas de debates nos últimos anos. Entretanto, de nada adianta se, por trás desse processo, não haja uma gestão responsável. Assim pensa Paulo Autuori, que citou o sucesso do Flamengo, enaltecendo o trabalho do ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello (2013-2018).

- Conheço vários profissionais de várias nacionalidades, vitoriosos, que têm uma ideia diferente. Não vou dizer que o que eu faço é o melhor; é melhor dizer que eu faço o que acredito. Então, acho que tudo tem relação com a parte econômica do país também. E o Brasil já se estabilizou há um tempo em relação aos outros países da América do Sul; tem força, tem um potencial incrível em termos gerais, industriais, tem uma forte agricultura e agropecuária. É um país forte hoje. Prefiro dizer que hoje o Flamengo e o Palmeiras são essas potências, de maneira evidente, uma vez que partiram para uma gestão consciente, séria. E nisso eu jamais vou deixar de elogiar o Bandeira quando falo do Flamengo. Já tenho muita idade (risos), mas sempre escutava isso: "quando o Flamengo fizer as coisas certas, vai ser inalcançável", pelo número de torcedores que tem pelo Brasil todo. Isso nunca rolava - explicou.

Eduardo Bandeira de Mello ex-presidente do Flamengo
Eduardo Bandeira de Mello, ex-presidente do Flamengo (Foto: Divulgação/Lance!)

- Ele teve a coragem necessária para fazer. Foi por vezes criticado, mas acho que, na Libertadores de 2019, a torcida do Flamengo reconheceu isso de uma maneira muito legal. Quando ele chegou ali (em Lima), foi ovacionado. Reconhecem a capacidade que teve de juntar uma equipe muito forte, com o Fred Luz também e outros, e ter a coragem de seguir uma lógica de gestão. E este processo, ser lógico, é um processo. Por vezes vai haver um conflito entre acertar o clube no aspecto econômico, para que no futuro tenha estabilidade, ou ser populista, como, sem dúvida, é a maioria dos dirigentes brasileiros: muito populismo - completou Autuori.

Confira outras respostas de Paulo Autuori ao Lance!

Decisão da Libertadores - Flamengo campeão em cima do Palmeiras

"Dois exemplos de gestão. Total merecimento, têm ganhado nos últimos anos de forma clara, autoritária e evidente. Então, acho que foi merecido os dois estarem nessa final, mais uma do Flamengo em Lima. Qualquer um que fosse vencedor seria por merecimento total."

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Filipe Luís e Abel

"Para mim foi complicado, porque trabalhei com o Abel como jogador. Sempre foi um grande profissional, e eu estou contente de vê-lo como treinador. E o Filipe também: nunca trabalhei com ele, mas sempre nos falamos, sempre trocamos ideias. O Filipe é um detalhista, se mergulha no futebol como ninguém. Então, por vezes, trocamos ideias sobre estratégias e vivências do futebol. Assim, além do merecimento dos meus amigos, ficaria satisfeito com qualquer um que ganhasse."

Necessidade de valorizar os times que chegam na final

"A gente precisa valorizar mais, no Brasil, o fato de chegar até a final. Por vezes, os jogos de finais são decididos por um lance circunstancial. O equilíbrio é grande. Acho que, nesse jogo, o Flamengo foi melhor, especialmente no primeiro tempo. Jogou mais. No segundo tempo, achei que não foi tão bom quanto esperava, mas é normal em jogos decisivos assim. Porque há níveis de ansiedade; a vontade de ganhar às vezes supera o lado racional, creio que você deixa de fazer algumas coisas. Mas acho que o Flamengo foi mais próximo daquilo que o fez chegar à final. E, por isso, creio que foi merecido."

Danilo na história do Flamengo

"Um gol desses, para qualquer jogador, fica marcado. Uma situação tão clara no Flamengo, pela quarta vez campeão da Libertadores, e ele ter sido o jogador que fez o gol e decidiu o jogo, logicamente fica marcado. Mas o grande lance do futebol é que, às vezes, o roteiro da história do futebol é algo inexplicável, inesperado, e que faz isso por vezes. Eu acho que esse é o grande lance que faz o futebol ser a paixão que é no mundo todo. É certo que quem tem mais equipe, quem tem os melhores jogadores, pode ser desequilibrante em uma partida, em um jogo decisivo. Mas o futebol, com certeza, é o esporte coletivo em que o imprevisível acontece e em que aquele menos capacitado, pelo menos no momento, pode ganhar o jogo. Já vimos várias vezes isso acontecer, e isso é o que faz com que seja essa paixão no mundo todo."

Danilo foi o herói do Flamengo na final da Libertadores
Danilo foi o herói do Flamengo na final da Libertadores (Foto: Luis Acosta/AFP)

Neymar tem que ir para a Copa do Mundo?

"Acho que o Ancelotti já respondeu isso: ele (Neymar) precisa estar bem fisicamente. E, para estar bem fisicamente, precisa jogar, se cuidar. Ele é especial. Alguém duvida disso no mundo? Não creio. Agora, ele precisa passar a imagem de que gosta realmente do futebol. Ele, bem fisicamente, é óbvio, é um tremendo aporte para a Seleção Brasileira, tanto para a Seleção quanto para qualquer equipe do mundo. É um talento, todos sabem perfeitamente. Mas o Ancelotti já respondeu isso, e aí não há que ficar especulando muito."

Flamengo x Santos - Neymar
Neymar em ação pelo Santos (Foto: Vyctor Santos/Pera Photo Press/Gazeta Press)

"É um campeonato mundial. Normalmente, você tem que levar quem está na sua melhor forma desportiva. Isso é importante: quando você fala em forma desportiva, não é forma física, porque são quatro aspectos, quatro vertentes importantes. Parte técnica, que é a qualidade do jogador, que é dele; parte tática/estratégica, aquilo que ele faz para o coletivo da equipe; parte física; e a parte mental, fundamental hoje em dia. Você está no mundo competitivo, e a força mental… você pode até ser menos qualificado do que o seu oponente, mas, se você tiver mais força mental que ele, é capaz de superar. É aquilo que falamos: o futebol é o único desporto coletivo que te permite ser menos qualificado do que o teu adversário e vencer. Da nossa parte, como profissionais, temos que apoiar isso."

Brasil sofre com a mudança geracional?

"A visão que todo mundo do futebol fora do país tem do Brasil é a mesma: é uma potência. Essas comparações são odiosas. Não dá para comparar contextos completamente diferentes. "Pô, fulano não jogaria." Não! O gênio é gênio em qualquer circunstância; por isso é genial. Então, quem era genial no passado, se jogasse nos dias de hoje, seria genial também, porque ia encontrar algo diferente; é isso que os faz gênios. O Brasil é o único país no mundo que tem quantidade e qualidade. Ou seja, uma mudança de geração não é tão difícil como em outros países. Acho que, aqui na América do Sul, tanto o Brasil quanto a Argentina têm essa facilidade; os outros não têm. E, se você for ver, a Alemanha passa por isso, a Itália passa, a própria Espanha teve. A França não tem hoje em função das colônias africanas, que abastecem de maneira muito qualitativa e também em quantidade. Mas a grande maioria das seleções no mundo tem dificuldade nessa mudança geracional. O Brasil não. Por isso, a pergunta que eu faço: o Brasil necessita de nove vagas para estrangeiros? O futebol brasileiro precisa disso? É uma pergunta que está aberta para debate. Eu tenho a minha resposta. É necessário? Se você for ver, os clubes brasileiros sempre — alguns mais por características, outros mais por necessidade — lançaram jogadores mais novos do que o resto do mundo. Hoje, já estão sem espaço. Por qual motivo? Vamos pensar um pouco nisso. Então, não vejo dificuldade nenhuma no Brasil. Acho que a visão ainda é, pelas minhas andanças por esse mundo, graças a Deus, tive essa bênção de poder trabalhar em lugares distintos, de muito respeito e admiração pelo futebol brasileiro."

Paulo Autuori - Sporting Crystal
Paulo Autuori, técnico do Sporting Cristal (Foto: Divulgação)

Paulo Autuori comenta saída precoce de grandes jogadores para o exterior e analisa modelo de SAF

"Vejo isso de uma maneira muito clara. A minha visão sempre foi sistêmica. Sempre vejo o todo. Não acredito em coisas isoladas. Por exemplo, no futebol brasileiro já houve muitas boas ideias, mas foram colocadas em prática de maneira isolada. Ou seja, o solo não era fértil para que elas pudessem florescer, entendeu? E se perderam muitas boas ideias porque não se tinha a visão do todo. Isso, para mim, é muito claro. Eu vejo as coisas da seguinte maneira: como está o mundo hoje, em termos de globalização, do aspecto financeiro, do aspecto econômico dos países? Uma parte dos clubes brasileiros precisa vender esses jogadores para poder se manter em nível financeiro e econômico, sem passar por problemas. Não podemos esquecer que toda essa onda de SAF falava como se fosse a salvação do futebol brasileiro. Não é! É um mecanismo a mais, um instrumento a mais para todo o processo do futebol, para o mercado. Tanto é que algumas não deram em nada e vão continuar a não dar; outras podem entrar. E outros clubes, como o próprio Flamengo e o Palmeiras, mantêm-se como instituições associativas, mas com uma gestão corporativa, que gera seriedade na gestão e faz com que tenham essa saúde financeira e econômica espetacular que ostentam nesse momento. Então, se saem muito cedo, é porque muitos clubes precisam. O ideal, e acho que não existe o ideal na vida, seria que pudessem se manter um pouco mais aqui e que dessem um pouco mais de retorno desportivo aos clubes que tanto investiram neles. Que continuassem seu desenvolvimento aqui para depois saírem com mais maturidade, não só futebolística, mas também de vida. Senão, muitos batem e voltam. Então, hoje, na formação aqui, você tem que estar preparando os jogadores mais novos para entenderem o nível de exigência profissional que vão encontrar, terem uma ideia de jogo mais próxima daquilo que as demandas e exigências do futebol atual necessitam. Ou seja, o Brasil tem evoluído nisso. Hoje se pensa o futebol de uma maneira um pouco diferente, tenta-se jogar de maneira mais próxima daquilo que se faz fora. Se pararmos para pensar, quando se fala do futebol atual, posse de bola: o futebol brasileiro sempre teve. As pequenas sociedades, as triangulações: o futebol brasileiro sempre teve. Eu sempre vi triangulações, seja lateral-direito, ponta-direita, extremo-direito ou externo, como queiram. Acho que é outra tolice esse conflito de nomenclaturas. Sou do tempo em que a gente falava "e aí, bicho, tá legal?". Hoje se fala "bro". Eu não falo "bro", falo "bicho", mas entendo "bro". Entende onde quero chegar? Você tem que se adaptar ao contexto. Senão, você joga a âncora em águas passadas e fica lá. Essa é a diferença entre ser idoso, que eu sou (risos), e ser velho. O velho deixa a âncora em águas passadas e vive só daquele tempo em que as coisas eram diferentes. Então, acho importante ver as necessidades que alguns clubes têm de vender cedo para poder se equilibrar minimamente em termos financeiros. Não vamos esquecer que há clubes no Brasil hoje com dívidas impagáveis. E não se está falando tanto disso. Continua a irresponsabilidade de estar com essa dívida, não pagar e ainda contratar. Não preciso falar de exemplos que estão aí claros, evidentes. Então, esse lance de SAF não pode cobrir isso de maneira alguma. SAFs entraram aí no Brasil e… como a do Vasco, por exemplo…"

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