Vitória 126 anos: veja como o Barradão mudou a história de um bairro periférico
Estádio do Rubro-Negro foi um fator de transformação para a região de Canabrava

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Terrenos baldios, mato, aterro sanitário... Era assim, até os anos 1980, uma área do bairro de Canabrava que vivia esquecida pela população de Salvador. Mas esse espaço se transformou a partir de 1983 e hoje é a casa do Esporte Clube Vitória, que completa 126 anos nesta terça-feira (13) e viu sua história e a história desta localidade periférica ser completamente mudada pelo que hoje é o maior patrimônio material do clube: o Barradão.
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Mas a importância do Barradão não é apenas simbólica, afinal os rubro-negros se vangloriam de ser o único time da capital a ter um estádio próprio. O "santuário rubro-negro" também foi essencial para os resultados esportivos do Leão da Barra, que passou a incomodar o até então hegemônico Bahia. Se o Vitória virou esse grande clube do futebol brasileiro que é hoje, muito se deve ao Barradão.
Antes da construção do estádio, o clube fundado em 1899 tinha só 12 títulos estaduais. Atualmente são 30. Ao todo, 171 Ba-Vis já foram disputados no Barradão, com 63 resultados positivos para o Vitória, 54 vitórias para o Bahia e 54 empates. Mas como esse time fundado pela aristocracia baiana no final do século XIX, no Corredor da Vitória, área nobre da capital, foi parar em um bairro periférico de Salvador e mudou o modo de vida de toda uma comunidade?
A história do Barradão

A região de Canabrava passou a ser ocupada de forma mais intensa a partir dos anos 1970, com assentamentos de famílias desapropriadas. Antes, toda aquela área era vista de forma marginalizada pela população soteropolitana, como explica o historiador e mestre pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Ricardo Carvalho.
- A região de Canabrava era vista como um apêndice da cidade. Como uma área até com um certo preconceito, como se fosse meio que o fim do mundo. Uma área realmente fora da rota. Não existia um acesso fácil, não existiam serviços ali que atendessem a população, mesmo pequena. E realmente era como se fosse um interior de Salvador.
- Era com uma área fora do contexto da expansão urbana. E ainda tinha a visão preconceituosa. Inclusive, quando o Barradão se instalou na região, o local era um centro de depósito dos resíduos da cidade, o chamado lixão, o que aumentou ainda mais o preconceito contra a área - completou.

O Vitória treinava no Campo da Graça, tinha uma sede na Orla de Salvador e também mandava jogos na Fonte Nova. Diante dessa logística difícil, Manoel Barradas, ex-presidente do clube, começou a arquitetar a construção de um novo complexo para o time baiano, que depois receberia o nome em sua homenagem.
- Por que Canabrava, né? Se era uma área fora do centro da cidade, com dificuldade de acesso e de serviços urbanos. Foi uma doação do governo do Estado da Bahia, que se compatibilizou com a necessidade do Vitória naquele momento. Foi muita ousadia da gestão. Até uma certa visão de futuro.
- Naquele momento parecia um absurdo levar a sede do Vitória para lá, construir um estádio. Aquele que não era um local, digamos assim, tão aprazível, tão encaixado nas necessidades do Vitória. Mas foi uma inteligência de gestão aí. Essas coisas que a gente percebe em grandes gestores, seja no futebol, seja no mundo corporativo, seja em qualquer área, que é aquele que antecipa o passo - esclareceu Ricardo.
O Barradão é só uma parte do complexo esportivo Benedito Dourado da Luz, que ainda conta com chácaras para hospedar o elenco profissional e a base, restaurante, departamento médico, fisiológico, estatístico e a Academia do Leão, novo centro de formação do clube.
A fortaleza rubro-negra

O Vitória de fato se transformou com a construção do Barradão. Inaugurado em novembro de 1986, em partida que terminou empatada contra o Santos por 1 a 1, o estádio vai completar 39 anos em 2025 e já foi palco de muitas glórias da equipe, que além de Campeonato Baiano e Ba-Vis, venceu quatro títulos da Copa do Nordeste, foi campeão da Série B em 2023, vice-campeão brasileiro em 1993, terceiro colocado em 1999 e vice-campeão da Copa do Brasil em 2010. Tudo isso de 1986 para cá.
Foi o Barradão que ajudou a projetar o Vitória nacionalmente e abrigou algumas das partidas mais marcantes da história do clube. Quem acompanhou tudo isso de perto foi o empresário Dario Andrade, que também já foi conselheiro do clube.
- Tivemos um jogo entre Vitória e Vasco da Gama, em que vencemos o Vasco por 5 a 4, se não me falha a memória, com Bebeto, Duílio... Foi realmente um jogão. Tivemos também uma virada histórica em cima do Bahia. Estávamos perdendo por 2 a 0 e conseguimos virar para 3 a 2 na final do Baiano. Além disso, teve aquela goleada histórica de 6 a 1 sobre o Bahia. Vários jogos marcantes.
- Outro jogo inesquecível foi numa quarta-feira à noite, pela Copa do Brasil, quando o Vitória aplicou uma goleada de 5 a 0 no Flamengo. E sempre que falamos de jogos históricos do Vitória, os Ba-Vis se destacam, principalmente com o Neto Baiano. Ele nos deu muitas alegrias como centroavante - relembra Dario.

Participante ativo na vida do clube, Dario lembra as gestões que contribuíram para o desenvolvimento do patrimônio rubro-negro e já traça caminhos para o futuro.
- Eu acompanhei o processo de desenvolvimento do estádio do Vitória, o Barradão, e do seu centro de treinamento. Cada administração, com seu respectivo presidente, trouxe melhorias para o clube, tanto no estádio quanto na mobilidade e estrutura geral. Tivemos vários nomes importantes: Ademar Lemos, Alex Portela, Paulo Carneiro, Raimundo Viana e o próprio Fábio Mota.
Nós, como sociedade e torcida, também precisamos fazer a nossa parte e acreditar que o Vitória pode se tornar o maior clube do Nordeste. Para isso, é necessário abrir mão de algumas coisas e partir para a SAF, porque esse é o caminho. O futebol profissional hoje é muito caro.
Dario Andrade
- Atualmente, o Vitória está em pleno desenvolvimento, tanto no futebol quanto na parte patrimonial. No entanto, ainda há muito a ser melhorado, especialmente na gestão do futebol de base. Eu acompanho tudo isso e sempre procuro contribuir. Inclusive, já sugeri ao Fábio Mota que ele busque construir um ginásio de esportes. Isso seria fundamental para agregar valor à comunidade de Canabrava, 7 de Abril, Pau da Lima, São Marcos... Esses bairros precisam de um espaço para atividades sociais e esportivas - concluiu.
Um bairro transformado pelo Vitória

Por falar em desenvolvimento e melhorias para o Bairro de Canabrava, o Barradão mudou completamente a história do local. Se antes a região ficava esquecida e com aparência abandonada, agora vários serviços e comércios se instalaram por lá, como esclarece o professor Ricardo Carvalho.
- As condições de moradia melhoraram, e uma boa parte da população começou a migrar para lá. Eu acredito que foi uma via de mão dupla, literalmente. Enquanto o Vitória e o Barradão ajudaram muito o bairro a se desenvolver, hoje Canabrava e seu entorno — Pau da Lima, São Marcos, toda a área de São Rafael e parte de Cajazeiras, que se conecta pela Estrada Velha do Aeroporto — foram profundamente beneficiados pelo Barradão. Isso é inegável.
Com o estádio, chegaram negócios, movimentação econômica, o chamado 'business'. Uma estrutura desse porte, somada a uma torcida tão grande quanto a do Vitória, trouxe desenvolvimento. Mas, por outro lado, o próprio Vitória também foi beneficiado. O clube, que tinha uma imagem ligada a uma elite que surgiu no Corredor da Vitória e no bairro da Graça, acabou se transformando ao se instalar em um bairro popular, numa área de expansão urbana".
Ricardo Carvalho

Hoje o Barradão também é fonte de renda para muita gente, seja de Canabrava ou de outros bairros, que aproveitam a grande movimentação para tirar o sustento. A reportagem do Lance! foi até o Barradão no dia 6 de maio de 2025, data em que o Vitória empatou contra o Defensa y Justicia, pela Sul-Americana, e conversou com alguns torcedores e comerciantes, que falaram sobre a relação com aquele espaço tão significativo para o bairro.
Dona Fátima, por exemplo, vende churrasquinho perto da entrada do estádio e tira todo o seu sustento do Vitória. Torcedora e moradora de Canabrava, ela acompanhou todo o desenvolvimento do Barradão [assista ao material completo no início desta matéria].
- Eu trabalho com isso há 40 anos, e para nós moradores é muito importante, porque mudou a história de Canabrava. Tirou o lixão daí, era muito lixo, muriçoca e abelha, mas hoje em dia a história é outra.

Valmir da Silva, de 50 anos, vende de tudo na porta do Barradão, de adereços, a ingressos e capa de chuva. Ele é um dos vendedores que não mora em Canabrava, mas tira sua renda do Barradão.
- Eu trabalho no Barradão desde 1997. Moro em Camaçari, mas venho fazer meu dinheiro aqui. Eu sempre trabalho aqui, vi o Barradão crescer desde 1997, não vi antes. Uma das principais mudanças que eu vi nesse período foi o crescimento do público feminino, nunca vi tantas mulheres em um estádio de futebol [...] O Barradão para mim é minha fonte de renda e o local onde venho para conhecer amigos, conheci muita gente por aqui. Hoje eu vim para pagar meu cartão de crédito - diz em tom de brincadeira no final.

Torcedor do Vitória de longa data, o servidor público Celso, de 75 anos, estava ao lado da esposa Sueli fazendo o tradicional esquente para o jogo quando relatou ser testemunha ocular da construção do Barradão e do desenvolvimento do bairro de Canabrava.
- Quando a primeira máquina entrou aqui eu estava presente. Em 1986, no jogo contra o Santos, eu estava aqui, assim como na segunda inauguração, na partida contra o Olímpia (PAR). Foi uma evolução maravilhosa. Naquela época a gente frequentava, mas não tinha nem iluminação direito. Essa turma nova não sabe o que eu passei para vir ao Barradão. Logo no início não tinha nada, a estrada era de barro. A gente que consumia aqui na região também acompanhou a evolução dos moradores e dos negócios. Conheço pessoas aqui que estão muito melhor do que estavam por conta o Barradão.

Foi assim que, aos poucos, o Barradão se impôs em uma área esquecida de Salvador e ganhou forma como a casa do Vitória. Além de trazer resultados esportivos, fez parte da transformação de todo um bairro e aproximou as massas do clube. Não à toa, o Manoel Barradas é o considerado estádio raíz, que saiu do lixão para se tornar um local sagrado para a torcida rubro-negra.
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