Bahia, o clube que abraçou seu povo e está colhendo os frutos da parceria

Através de plano de sócio com preço acessível e de ações afirmativas em apoio a causa LGBT, contra o racismo e o machismo, clube baiano reforça sua identidade popular

Torcida do Bahia
Com plano de sócio popular e ingressos baratos, Bahia tem boa média de público (Fotos: Felipe Oliveira / EC Bahia)

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Exaltada no hino do clube, a torcida do Bahia é, mais do que nunca, o principal patrimônio do clube. A "turma tricolor", como diz o primeiro verso da música, é popular. E, sendo popular, abrange todas as classes, raças, gêneros e crenças. Pensando nisso, a diretoria resolveu abraçar de vez a sua torcida, que abraçou de volta e, juntos, estão querendo levar o Bahia a outro patamar. Sempre democrático e plural, assim como é o povo do Bahia.

Com ações de inclusão, lideradas pelo Núcleo de Ações Afirmativas, o Esporte Clube Bahia vai muito além do discurso. Planos de sócio popular, camiseta oficial por R$ 99, campanhas contra racismo, homofobia, machismo e intolerância religiosa são só alguns dos movimentos tomados pela diretoria do Bahia para alavancar o clube no cenário nacional. O atual presidente do Bahia, Guilherme Bellintani, assumiu em dezembro de 2017 e logo no começo de 2018 criou o grupo responsável por discutir as ações que fortaleceram a identidade do Bahia como um clube popular.

- Nossa torcida é muito popular, muito diversa. Ricos, pobres, negros, brancos, gays, héteros, trans... Nossa torcida tem tudo. E a gente precisava de um processo de comunicação que fizesse a torcida se sentir integrada. O futebol é um ambiente muito masculino, muito preconceituoso, comumente é um canal de difusão de ódio. Uma série de circunstâncias que o ser-humano tem e aproveita o futebol para canalizar negativamente. A gente busca com o Núcleo de Ações Afirmativas justamente o contrário. Fazer com que essas pessoas não se sintam excluídas do dia a dia do futebol. Queremos que eles se sintam acolhidos e protegidos. Seja mulher, gay, negro, indígena - disse o presidente Bellintani ao LANCE!.

Composto por sócios, conselheiros e funcionários do clube, o Núcleo de Ações Afirmativas começa o debate sobre os temas que podem ser abordados pelo clube. Dependendo do assunto, a diretoria convida estudiosos e pessoas de movimentos sociais para o debate, como foi o caso das ações do Novembro Negro, em 2018, quando o clube homenageou diversos heróis negros da história do Brasil - como Dandara, Zumbi dos Palmares, Luísa Mahin e Marielle Franco - e chamou professores universitários e militantes de movimentos negros para os debates. O mesmo aconteceu em abril deste ano, quando o clube convidou pessoas do movimento indígena para promover as ações pela demarcação de terras indígenas.

Guilherme Bellintani
Bellintani, presidente do Bahia, com camisas lançadas (Divulgação)

Outra causa muito defendida pelo clube é a luta contra o machismo no futebol. Para isso, a diretoria conversou um grupo de torcedoras - as “Tricoloucas” - para promover ações dentro da Arena Fonte Nova e nas redes sociais do clube. No estádio, o clube criou a “Ronda Maria da Penha”, com panfletagem para conscientização contra o assédio sobre mulheres e, numa parceria com a Polícia Militar, aumentou o número de policiais femininas dentro da Arena.

- O Núcleo nasceu com esse propósito. Não lançamos nada só pela questão do marketing. Os temas são debatidos internamente, os nomes homenageados são pesquisados, tem todo um trabalho. Nós temos o nosso propósito - ressaltou Bellintani.

"Queremos que todos se sintam acolhidos e protegidos. Seja mulher, gay, negro, indígena", diz Bellintani

Recepção da torcida e jogadores
Como Bellintani falou, não é segredo que o futebol é um ambiente ainda muito masculino e recheado de preconceitos. Mas, conhecendo sua torcida, o Bahia não temeu as reações do seu próprio torcedor as ações tomadas pelo clube. Muito pelo contrário. Encontrou na torcida tricolor um apoio para difundir todas as causas defendidas.

- Nossas torcidas organizadas, por mais que tenham problemas normais de torcidas organizadas, como casos de violência, em geral entendem muito a formação do nosso povo. São pessoas que vem de origem popular, dos guetos de Salvador, muitos negros. Houve uma aceitação muito boa, inclusive ajudando na divulgação das causas. As organizadas estão trabalhando nesse aspecto, também no respeito as mulheres - elogiou Bellintani.

Com elenco de jogadores, a relação sempre foi de muito respeito e conversa. Enquanto o Bahia, através da sua diretoria, respeita as posições pessoais dos atletas, os mesmos também entendem os posicionamentos do clube.

- Os jogadores também respeitam a nossa causa. Eles sabem que a gente respeita muito eles também. Por exemplo, se votou em Bolsonaro, votou em Haddad, a gente não tem problema nenhum com isso. cada um aqui é livre para manifestar o seu posicionamento político, de crença, o que for. Nós permitimos que alguns cultos evangélicos sejam realizados dentro do clube, nós também temos nossa capela onde tem missa, temos alguns jogadores que são de religião de matriz africana. Isso é tudo muito livre dentro do clube. O que tem que imperar é o respeito ao outro e a diversidade - disse o presidente, antes de revelar que o técnico Roger, único negro entre os treinadores da Série A, faz questão de defender as mesmas causas do clube, por convicções própria.

- Quando trouxemos o Roger, foi pelo currículo dele como treinador, pela imagem que a gente tinha dele. Mas a gente não sabia que ele ia se identificar tanto com as causas do clube, virar um porta-voz da gente, da causa de todo o Núcleo de ações afirmativas. Ele é muito envolvido com isso, muito engajado. Foi uma grata surpresa ver a identificação dele com o clube.

Não são só os torcedores do Bahia que apoiam as ações afirmativas do clube. Pelas redes sociais, o Tricolor de Aço tem recebido muito apoio de torcedores de outros clubes. Inclusive, do rival Vitória.

- Temos percebido uma simpatia de torcedores de todo o Brasil, como se o Bahia fosse o segundo time dessas pessoas. Vimos uma série de demonstrações desse tipo, até mesmo de torcedores do Vitória. Alguns, mais progressistas, até falam, claro que brincando, que vão mudar de time. Muitos torcedores de outros times também comentam que vão comprar uma camisa do Bahia, que queriam que seus times fizessem o que o Bahia faz. Não é nosso objetivo, mas a gente tá vendo que comercialmente também tá fazendo diferença. Aumentou o número de seguidores em redes sociais, aumentou o engajamento - revelou o gerente de comunicação do Bahia Nelson Barros.

Roger Bahia
Roger <b>usou&nbsp;</b>camisa da coleção Clube do Povo, no SporTV (Reprodução)

Crescimento econômico
Mesmo que nada tenha sido feito pela marketing, todo esse fortalecimento da identidade popular do Bahia já tem dado frutos ao clube. Na última segunda-feira, o Tricolor de Aço atingiu a marca de 35 mil sócios - eram 18 mil em maio de 2018. A previsão de receita para este ano é de R$ 190 milhões, contra R$ 137 mi em 2018 e R$ 105 mi em 2017.

Uma das ações que impulsionou o crescimento do número de sócios foi o lançamento do plano “Bermuda e camiseta”, com mensalidade de R$ 45 para pessoas com renda mensal de até R$ 1.500. O Bahia também passou a produzir o próprio material esportivo, com a marca Esquadrão. E lançou uma camisa oficial, como a de jogo, por R$ 99. As vendas estouraram.

Na última semana, no dia de combate a LGBTfobia, o Bahia lançou a coleção de camisas “Clube do Povo”, com estampas em apoio a diversas causas sociais, como o combate à homofobia e o racismo. Foi um sucesso. Em menos de 24 horas, mais de mil camisas foram vendidas pela internet. Nas lojas físicas, foram outras duas mil peças. Os estoques se esgotaram e devem ser repostos em breve.

- O nosso trabalho de marketing com a identidade da torcida acaba trazendo o torcedor mais para perto. A gente mais que dobrou o plano de sócios em um ano. Não adianta ficar só no discurso. Dizer que somos um clube popular e não trazer o torcedor para perto. Também barateamos o ingresso, o plano de sócios, temos camisa oficial por 99 reais. Cresceu muito o faturamento com plano de sócios, venda de camisa, bilheteria... E isso tem impacto direto no futebol. A gente pode contratar mais, por exemplo.

E o torcedor está mesmo mais perto. No Brasileiro deste ano, o Bahia tem média de público de 23.944 pagantes. É a sétima melhor média da competição, na frente de clubes como o Grêmio, Cruzeiro, Atlético-MG e Santos. O ticket médio é de R$ 22, um dos menores da Série A.

Respeito a história e futuras ações
Outro projeto da diretoria muito elogiada pela torcida tricolor foi o projeto “Dignidade ao Ídolo”. Uma espécie de “bolsa atleta” para ex-jogadores marcantes do Bahia que estão passando por dificuldades financeiras. O primeiro ídolo que recebeu a ajuda do Tricolor foi o ex-lateral direito Mailson, que atuou pelo clube no final da década de 80 e começo dos anos 90. Diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), ele passava por dificuldades até ser amparado pelo Tricolor.

Os ex-jogadores recebem entre 1 e 3 salários mínimos e têm a situação avaliada a cada seis meses, para renovação ou corte da ajuda. Entre outros ex-atletas que recebem auxílio do clube estão o ex-atacante Naldinho e o também ex-lateral direito Zanata.

- Começou com o Mailson, que é um ídolo muito importante, querido pela torcida, muito vivo na memória de todos ainda. Hoje ele está de cama. Criamos o programa inspirado nele, para financiar remédio, cuidador. Vários outros ídolos hoje também recebem esse auxílio - revelou Belinttani.

Entre os futuros projetos do Bahia, estão o fortalecimento do combate ao machismo no estádio. O clube lançou, recentemente, o site "MeDeixeTorcer.com", com informações sobre o que fazer em casos de assédios, estatísticas e um formulário para denúncias. Em breve, o clube vai implementar no seu aplicativo para celular uma ferramenta para denúncias de assédios. 

A outra ação que o clube planeja fazer é um pouco mais profunda: discutir, através do Núcleo de Ações Afirmativas, a relação entre clube, jogadores e torcedores. A intenção da diretoria, segundo o presidente, é entender a questão da pressa da torcida com os resultados. Os debates devem começar em junho para, em seguida, alguma ação ser realizada.

- Queremos discutir um pouco a relação de torcida e clube. Vamos discutir um pouco a questão da pressa no futebol, a intolerância, a intransigência, da roda gigante que é o futebol. Um dia você tá bem, aí perde dois jogos e já pedem para o treinador sair. As famosas cornetadas. Começamos a estudar esse assunto. É um tema um pouco diferente, mas queríamos justamente mudar um pouco - finalizou o presidente do clube baiano.

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