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Dia da Consciência Negra: conheça a história de Paul Canoville, o primeiro jogador negro do Chelsea

Com entrevistas exclusivas, entenda a transformação racial do clube inglês

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Dia 20/11/2025
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imagem cameraPaul Canoville, ex-jogador do Chelsea (Foto: Arte/Lance!)

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Em junho de 2025, João Pedro desembarcou de forma meteórica no Chelsea, durante a janela especial de transferências voltada ao mata-mata do Mundial de Clubes, e tornou-se peça decisiva na conquista do título do torneio. Dois meses depois, Estêvão chegou a Londres para assumir o posto de novo xodó da torcida azul. Juntos, simbolizam uma parte do atual protagonismo negro no clube londrino, continuidade de uma marca que se consolidou desde o início dos anos 2000.

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Conheça Paul Canoville, o pioneiro na história do Chelsea

No entanto, a relação entre torcedores e jogadores pretos nem sempre foi harmoniosa em Stamford Bridge. Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, o Lance! relembra a trajetória de Paul Canoville, primeiro atleta negro a defender o Chelsea, um símbolo da luta antirracista no futebol inglês.

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As origens de Canoville

Filho de imigrantes caribenhos e nascido no subúrbio londrino, Paul começou a carreira pelo Hillingdon Borough, em 1979, aos 17 anos. Em meio a uma realidade financeira distante do futebol inglês contemporâneo, viveu períodos de extrema dificuldade e chegou a dormir em um carro abandonado por falta de moradia. Originalmente zagueiro, com 1,83m de altura, foi posteriormente deslocado para a ponta, posição em que se tornaria essencial para o modesto time.

Após duas temporadas, Canoville vislumbrou a oportunidade de mudar o rumo de sua carreira ao realizar testes em clubes de maior expressão, entre eles Southampton e Chelsea. Optou pelo lado azul de Londres e foi contratado em 1981, aos 19 anos. Antes mesmo de estrear, já marcava seu nome na história: tornava-se o primeiro jogador negro a integrar o elenco dos Blues, clube que, à época, completava 76 anos de existência.

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Para o jornalista Luis Fernando Filho, especialista em futebol africano e na trajetória de atletas negros no Velho Continente, o ambiente da Inglaterra naquele período explica grande parte do que Canoville enfrentou ao vestir a camisa do Chelsea:

— Era um sintoma social da Inglaterra naqueles anos. Era comum vermos torcedores, parte deles sendo hooligans e racistas declarados, promovendo perseguições aos jogadores negros. Seja no Chelsea ou em quase qualquer outro clube inglês. Junte-se esses fatores à falta de instituições que protegessem os atletas de abusos raciais, como Federação Inglesa e governo — explicou ao Lance!.

O Chelsea e suas raízes aristocráticas 👑

Para compreender a dimensão do feito, necessita-se considerar o contexto histórico e social em que o Chelsea está inserido na Inglaterra. Em 1905, a entidade foi fundada após a construção do estádio de Stamford Bridge, quando empresários adquiriram o local e decidiram criar uma equipe própria, já nascida sob forte influência financeira.

Situado no bairro homônimo do oeste londrino, o clube se desenvolveu em uma das regiões mais ricas do país, tradicionalmente habitada por uma elite abastada. A área, aliás, também abriga o Fulham, da atual Premier League.

Se a capital inglesa consolidava-se como um dos principais centros políticos do globo no início do século XX, a equipe representava o braço esportivo — fato refletido na origem de seus primeiros dirigentes, muitos ligados à nobreza britânica. O primeiro presidente da instituição, Lord Cadogan, era o maior proprietário de terras da região e detentor de título nobiliárquico. O leão estampado no escudo do Chelsea, inclusive, é o mesmo símbolo heráldico da casa da família do conde.

Essa origem acabou se entrelaçando à postura de parte da torcida, marcada por segmentos com ideais preconceituosos. Nesse cenário, a presença de um jogador negro no elenco principal tornou-se inviável até o início da década de 1980, quando Canoville rompeu uma barreira simbólica que refletia tanto a segregação racial do esporte no Reino Unido quanto a herança social de um clube nascido dentro da aristocracia local.

— O impacto foi cultural e social. Foi um jovem negro inspirando outros jovens negros, em uma década em que a extrema-direita de ideais racistas e anti-imigração predominava nas arquibancadas da Inglaterra. No Chelsea, em específico, Paul Canoville lidou com a forte influência da Frente Nacional em Stamford Bridge: um grupo racista de torcedores que promoviam perseguições e abusos — complementou o jornalista.

Escolha certa? 😡

Nesse sentido, a chegada de Canoville ao Chelsea esteve longe de ser tranquila. O dia 12 de abril de 1982, que tinha todos os elementos para se tornar uma lembrança positiva na carreira, acabou de forma dolorosa. Na estreia diante do Crystal Palace, em Selhurst Park, o jogador foi alvo de insultos racistas.

Ao ser chamado pelo técnico John Neal para entrar em campo, Paul iniciou o aquecimento e passou a ouvir gritos ofensivos, além de ser alvo de bananas arremessadas das arquibancadas. Inicialmente acreditou que as provocações vinham da torcida do Palace, mas logo percebeu a dura realidade: as ofensas partiam dos próprios torcedores, que rejeitavam a presença de um jogador negro vestindo a camisa azul.

O episódio voltaria a se repetir diversas vezes na trajetória de Paul pelo Chelsea, manto que defendeu até 1986. Em 1982/83, marcou seu primeiro gol e teve papel decisivo na permanência do clube na segunda divisão, o que lhe rendeu o apoio de uma pequena parte da torcida.

Na campanha de 1983/84, disputou posição com o escocês Pat Nevin, um de seus melhores amigos ao longo da carreira. Naquele ano, Canoville registrou sete gols em 25 partidas e contribuiu de forma decisiva para o retorno do Chelsea à elite do futebol inglês.

Em 1984/85, viveu uma de suas melhores fases, interrompida por uma lesão em dezembro que reduziu sua presença em campo. Mesmo assim, protagonizou uma atuação histórica ao entrar no intervalo e marcar dois gols no empate por 4 a 4 diante do Sheffield Wednesday, pela Copa da Liga — partida que também ficou marcada pelo reencontro com seu pai após 21 anos.

Na temporada 1985/86, viu sua presença diminuir devido a novas contratações e à concorrência no meio-campo. Além disso, o ambiente interno se deteriorou após uma briga com um companheiro de equipe, que o ofendeu racialmente durante um período de concentração.

Após cinco temporadas e 103 exibições, transferiu-se para o Reading, também da primeira divisão, em 1986. No ano seguinte, aos 24 anos, uma grave lesão no joelho pôs fim à sua carreira profissional, levando-o posteriormente a atuar por clubes semiprofissionais da Inglaterra na década de 1990.

Da queda à reconstrução 💪

É evidente que sua trajetória raramente é lembrada pelos feitos em campo, apesar da relevância demonstrada em um dos períodos mais turbulentos da história do Chelsea. Mesmo assumindo protagonismo nos momentos de dificuldade e rompendo o obstáculo racial em um clube tradicionalmente branco, Canoville não recebeu o devido reconhecimento do clube, da torcida e do futebol inglês à época. 

Após uma aposentadoria precoce, enfrentou problemas financeiros e desafios ainda mais severos, como o envolvimento com drogas e o diagnóstico de Linnfoma não Hodgkin, teve uma vida pessoal conturbada: onze filhos com dez parceiras diferentes.

Após superar problemas de saúde, Paul retomou o trabalho em escolas voltadas ao ensino básico, enquanto o Chelsea passou a se reaproximar do ex-jogador, que voltou a ocupar um espaço mais visível na esfera pública do clube. Nesse período, ganhou novo impulso para relatar sua experiência como pioneiro no Leão.

Paul Canoville à serviço do Chelsea (Foto: Divulgação/Chelsea)
Paul Canoville à serviço do Chelsea (Foto: Divulgação/Chelsea)

Em 2008, lançou a autobiografia "Black and Blue", obra premiada na Inglaterra. Paralelamente, em parceria com o próprio Chelsea, criou a Paul Canoville Foundation, iniciativa voltada ao diálogo com crianças e jovens, por meio do esporte e da cultura, para que pudessem aprender com sua história e evitar os erros que marcaram sua vida.

— O caso de Paul Canoville teve um efeito tardio no Chelsea e até mesmo no futebol inglês, mas, pensando em historiografia, foi fundamental como base de reflexão e avanço em políticas contra o racismo na Inglaterra. A criação de uma fundação por Canoville foi importante para conscientizar as crianças nas escolas, a partir da sua história contra os racistas na época — disse Luis Fernando ao Lance!.

A era Abramovich e o renascimento do Chelsea💰

A virada do milênio marcou um ponto decisivo na história do Chelsea. Embora o clube tenha vivido momentos positivos no final da década de 1990, iniciou o novo século mergulhado em dívidas e incertezas que preocupavam seus torcedores, descrentes quanto ao futuro. Esse cenário mudou radicalmente em junho de 2003, quando o bilionário russo Roman Abramovich adquiriu o clube. Sua chegada inaugurou uma nova era no Orgulho de Londres e simbolizou o início do domínio dos chamados "novos ricos" no futebol mundial do século XXI.

Com maior poder aquisitivo, tornou-se possível observar um número crescente de jogadores negros, muitos deles oriundos de países africanos, como símbolos de um Chelsea renovado, capaz de disputar todos os títulos em nível nacional e europeu. Na década de 2000, ídolos não faltam: Didier Drogba, Claude Makelele, Michael Essien, John Obi Mikel, William Gallas, Jimmy Hasselbaink, Glen Johnson, Ashley Cole, Salomon Kalou e Florent Malouda, entre outros.

Na análise de Luis, era inevitável que, ao ampliar o mapeamento de talentos, o Chelsea aumentasse também a presença de atletas negros, movimento impulsionado sobretudo pela disposição do clube em investir nos melhores jogadores do mundo ou naqueles que apresentavam elevado potencial.

— O Chelsea da era Abramovich, movido por questões de mercado, foi assertivo ao mapear jogadores negros e especialmente africanos no início dos anos 2000. A introdução desses atletas ajudou a conectar o Chelsea às camadas negras de Londres. Os resultados esportivos dessa geração também transformaram o clube em um dos mais amados da África. Atualmente, é impossível não associar o Chelsea à imagem de Drogba, Essien e Kanté, por exemplo. Todos eles negros e de origens africanas — opinou.

Foi justamente nesse período de ascensão esportiva e midiática que o Chelsea conquistou espaço no coração de torcedores ao redor do mundo, como é o caso de Luiz Filipe Zacarias, de 23 anos, flamenguista de berço e integrante do Blue Army por afinidade com o time do início da década de 2010.

— Eu comecei a torcer para o Chelsea de forma despretensiosa. Um dia eu estava em casa, era um final de semana e eu estava passando pelos canais da TV a cabo que eu tinha, em 2010, e caiu em um jogo do Chelsea. Eu me interessei, fiquei assistindo e, desde então, não parei mais — revelou o torcedor ao Lance!.

— Tiveram dois jogadores em especial que me fizeram acompanhar o Chelsea: Drogba e Ramires. Eu acredito que, não coincidentemente, eu os admirei, pois se tratava de dois jogadores negros e, se a gente for analisar o elenco da época, dos 33 jogadores, 15 ou 16, se não me engano, eram pretos e pardos, ou seja, quase metade do time era formado por jogadores negros. Isso traz uma representatividade enorme e, por mais que eu não tivesse noção na época, com certeza ajudou no meu processo de aproximação e carinho pelo time.

Ramires, ex-meio campista do Chelsea, teve passagem nos Blues entre 2010 e 2016 (Foto: Acervo/Lance!)
Ramires, ex-meio campista do Chelsea, teve passagem nos Blues entre 2010 e 2016 (Foto: Acervo/Lance!)

Ramires fala sobre Canoville e sua passagem pelo Chelsea

Em entrevista ao Lance!, Ramires revelou ter ciência da história de Canoville e fez questão de exaltar a importância do veterano para o Chelsea.

— Sim, depois de um tempo lá eu conheci a história do Paul Canoville. É uma história muito importante, de superação e coragem. Ser o primeiro jogador negro do Chelsea não foi fácil naquele período, e ele abriu portas pra todos nós que viemos depois. Saber o que ele passou e como ele é respeitado hoje me faz ter ainda mais orgulho de ter feito parte desse clube.

O brasileiro também falou sobre o carinho que recebe da torcida dos Blues, mesmo depois de quase 10 anos que deixou o clube, e felicitou os brasileiros que compõe o elenco do Chelsea atualmente.

— Fico feliz demais em saber que a torcida ainda lembra de mim com carinho. Eu sempre dei o máximo com aquela camisa, e o torcedor sempre comenta isso quando me encontra, que se sentia representado em campo. Tenho participado ativamente dos eventos do clube, jogos comemorativos, então o vínculo continua muito forte. Sempre acompanho os jogos aqui do Brasil, estou muito feliz pelo sucesso dos brasileiros que estão lá, o Estevão, João Pedro, e tomara que o clube continue num caminho de títulos e sucesso.

A nova geração do Chelsea 🔵

A passagem promovida por Paul Canoville no Chelsea continua aberta. Após a saída de Roman Abramovich em 2022, o clube passou a ser gerido pelo magnata estadadunidense Todd Boehly, por meio do conglomerado multiclubes BlueCo Group, que mantém a proposta de continuidade histórica da instituição.

No elenco atual, comandado pelo técnico Enzo Maresca, o Chelsea conta com 20 jogadores negros, equivalentes a 76% do plantel — um cenário raro no futebol europeu, ainda que o esporte seja globalizado e diverso. Entre esses atletas, três são do País do Futebol: Andrey Santos e os já citados João Pedro e Estêvão.

Tosin Adarabioyo, Jorrel Hato, Tyrique George, Andre Santos, Romeo Lavia e Jamie Gittens perfilados para a partida entre Chelsea a Qarabag pela Champions League (Foto: Giorgi ARJEVANIDZE / AFP)
Tosin Adarabioyo, Jorrel Hato, Tyrique George, Andre Santos, Romeo Lavia e Jamie Gittens perfilados para a partida entre Chelsea a Qarabag pela Champions League (Foto: Giorgi ARJEVANIDZE / AFP)

Assim, a paixão de Luiz permaneceu intacta ao longo dos anos. A presença contínua de brasileiros e negros no elenco somou-se às conquistas relevantes no período, como a Premier League e a Champions League, e ao protagonismo internacional.

— Sou o cara que acorda às 8h30 para ver o Chelsea jogar em uma manhã de sábado. Minha relação com o clube permanece a mesma: sempre procuro assistir a todos os jogos. Quando o time perde, fico desolado.

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