A rodada de pizza que indignou Casemiro, líder tímido e prematuro

Celebração antes de uma final em que seu time perdeu tirou o então volante da base do São Paulo do sério. Hoje, ele é mais um dos 'Homens de Gelo' da Seleção de Tite

Casemiro aprendeu ser frio desde cedo, com grandes responsabilidades
(Arte: Jader Ferraz)

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Nesta sexta-feira, você acompanhou pela história de Marcelo na série "Homens de Gelo" que há na Seleção Brasileira, assim como no Real Madrid, a figura do guardião. Aquele que segura as pontas para o lateral-esquerdo se lançar ao ataque. Nos dois times, esse guardião é Casemiro. E, claro, não é à toa. Nos últimos anos, o volante tem sido um dos principais jogadores do Real e acaba de conquistar seu quarto título da Liga dos Campeões da Europa. O título da Copa do Mundo seria a consagração total do menino de São José dos Campos, em São Paulo, que driblou a fome ao ponto de desaprovar uma rodada de pizza em comemoração de uma vaga para a semifinal de um grande torneio. Naquela ocasião, Casemiro perdeu a final, mas o episódio acabou marcando sua trajetória que o levou a ser um dos 23 "Homens de Gelo" de Tite na luta pelo hexa e o sétimo personagem da série feita pelo LANCE! sobre o grupo que lutará na Rússia. 

ACABOU EM PIZZA - NÃO PARA CASEMIRO


Corria o ano de 2007. Na Inglaterra, a equipe sub-15 do São Paulo disputava a Copa Nike, um dos torneios mais importantes de base, espécie de Copa do Mundo da molecada. Nomes como Casemiro, Oscar e Lucas faziam do Tricolor um dos favoritos ao título. A equipe não decepcionou. Derrubou todos os adversários até a final. Mas parou no Barcelona em Old Trafford, casa do Manchester United. Ficou com o vice após uma final muito disputada, mas Casemiro teve a certeza de que o título começou a ser perdido na semi.

O Tricolor tinha batido o Hertha Berlim, da Alemanha, na semi, e para celebrar a passagem à final o técnico Bruno Petri quebrou o protocolo e permitiu que os garotos fizessem uma comemoração regada a pizza. A iguaria era um presente para os garotos, que precisavam seguir uma alimentação balanceada durante toda a competição. Foi uma festa, menos para Casemiro, que fechou a cara. Ele reprovou a cena, pois achava que só deveriam comemorar em caso de título, ao fim da competição. Título que não veio. A postura do jovem volante, porém, nunca saiu da memória de Petri.

- Até para mim era exagerada a atitude para aquela idade, mas mostrou a preocupação dele com o time, com os companheiros. E ele se abriu comigo. O Casemiro tem uma coisa de confiança. Se ele sente que o treinador está confiante com ele, ele consegue produzir muito mais. Ele precisa dessa referência - conta Bruno Petri, que trabalhou por anos nas bases de São Paulo e Palmeiras, e hoje faz parte do estafe de Casemiro. 

Casemiro é de uma origem muito pobre, criado sem o pai, aspecto que o obrigou a ser o chefe da família desde criança. Sentiu muita fome, mas ela nunca foi maior do que a de títulos.


AS CARONAS COM O CAPITÃO

Casemiro e Bruno Petri criaram uma relação muito próxima na base do São Paulo, cuja sede fica em Cotia, cerca de 35 quilômetros distante da capital. Na volta dos treinosl, o jogador pegava carona com o técnico, morador da zona norte, onde fica o terminal Tietê, estação de ônibus e metrô. De lá, Casemiro pegava a condução para voltar para casa em São José dos Campos. Esse tempo com Bruno foram preciosos para a formação do garoto, alçado a capitão dos times de base pelo treinador.

- Foi nessas conversas que eu desenvolvi com ela essa questão de ser capitão. Ele tinha essa capacidade de liderança dentro de campo. Eu não precisava nem falar as coisas, e ele já entendia, fazia o que tinha de ser feito no campo - destaca Bruno, que também trabalhou como Gabriel Jesus no Palmeiras. 

Além da questão de liderança, Bruno insistia para Casemiro chegar ao ataque, pois achava que ele tinha muita qualidade ofensiva. Insiste até hoje, tanto que pede para ele fazer esse papel no Real Madrid. Mas Zinedine Zidane não queria, queria que ele fosse o guardão para Marcelo subir. Entretanto, a recomendação do francês não impediu o volante de marcar um gol dessa forma na final da Champions 2016/2017 contra a Juventus (ITA), o seu terceiro título. 


LIÇÕES APLICADAS COM A AMARELINHA

Quando chegou à Seleção sub-20 em 2011, Casemiro já aplicava com perfeição os ensinamentos do mestre Bruno, mesmo tendo pouco destaque no time profissional do São Paulo. Ney Franco que o diga. Naquele ano, o volante foi um de seus pilares nas conquistas do Sul-Americano e do Mundial da categoria. 

- Todas informações bateram quando ele veio trabalhar. Já sabíamos que era um atleta muito técnico, passe muito bom, curto, longo. Ele tinha estilo de meia de chegar no ataque, a gente usou isso muito. Ele fez gol no Sul-Americano de cabeça - relembra Ney Franco, que naquele ano também trabalhou com Danilo, Philippe Coutinho e Neymar no sub-20, hoje todos na Copa.

Ney Franco também lembra de uma outra passagem em que os atributos de Casemiro saltaram aos olhos. Foi na semifinal do Mundial contra a Espanha. O treinador precisou fazer uma alteração tática no meio do jogo e a leitura do volante resolveu o problema.

- A gente iniciou o jogo com a Espanha superior, e eu tive de mudar o posicionamento do Casemiro em campo, eu queria marcar mais pressão com os dois laterais e eu precisava fazer o time com três zagueiros. E ao invés de fazer uma substituição, puxei o Casemiro para fazer o terceiro zagueiro e ele fez muito bem. Começou posicionado e deu toda a qualidade que ele tem hoje. Eu comentei com ele que nessa posição mais atrás, poderia ser um dos melhores do mundo como primeiro volante - afirma o atual treinador do Goiás. 

MAS E O CASEMIRO PROBLEMÁTICO?

Está aí uma coisa que tira o volante do Real Madrid do sério. O modo como sua imagem ficou marcada no período no profissional do São Paulo. Casemiro foi taxado de marrento e até de descomprometido. Tanto para Petri quanto para Ney Franco, que reencontrou o atleta no São Paulo em 2012, foi um erro de avaliação. 

Casemiro sempre foi muito tímido e acredita que esse traço de sua personalidade fez as pessoas o considerarem marrento. Ele saía para a noite na época, mas como qualquer outro jovem de 19 anos, nunca em excesso. De qualquer forma, isso o atrapalhou no São Paulo. Já no Real nunca teve problema e se firmou como um dos jogadores mais importantes do time. Prova de que a imagem que ficou foi equivocada. Para Bruno Petri, não resta dúvidas e ele parece saber o que de fato atrapalhou o pupilo no seu clube formador.


- Minha vontade era de dar nomes, mas não vou falar porque é complicado. As lideranças do grupo profissional na época que poderiam apoiá-lo...  Era um menino do interior, envergonhado, que não sabe nem dar entrevista direito até hoje. Um menino que tem essa característica, precisa de  apoio naquele momento, que é período complicado, porque muda tudo, questão financeira, de dinheiro, assédio feminino. Ele precisaria de um apoio naquele momento e não teve - afirma o treinador.

- Acabou se perdendo um pouco, todo mundo sabe, e foi considerado um marrento quando na verdade era caipira envergonhado. Comparo muito ele com o Lucas (meia do Tottenham), porque ele se deu bem com essas lideranças. Essas pessoas não foram com a cara dele (Casemiro). O maior erro do futebol brasileiro é não ter um profissional que trabalhe nesse momento, com conhecimento de base e profissional, para ajudar o menino que chega lá - completou.

Ney Franco fala sobre por que o volante não teve muitas chances sob seu comandante no Tricolor.

- Ele era jovem, com uma concorrência forte e natural que oscilasse. Existia alguns questionamentos da parte comportamental dele, embora isso não acontecesse comigo. Eu cheguei ele já tinha fama, mas era um garoto tímido. Estava no profissional, com jogadores experientes, ele ficava na dele e isso era mal interpretado - declara.

Bem ou mal interpretado, fato é que Casemiro ganhou o mundo e hoje é peça-chave do Real Madrid e da Seleção Brasileira que lutará pelo hexa na Rússia.









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