Lucão: ‘Não vejo Olimpíada ano que vem a menos que haja uma vacina’

Central campeão olímpico nos Jogos do Rio-2016  acredita que o vôlei brasileiro viverá uma temporada 'extremamente atípica' em meio à crise financeira, com saída de atletas do país

Lucão - Volei
Aos 34 anos, Lucão é uma das referências da Seleção Brasileira na caminhada para Tóquio (Foto: Divulgação)

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Ouro nos Jogos Olímpicos Rio-2016 e um dos líderes da Seleção Brasileira de vôlei, ao lado do levantador Bruninho, o central Lucão torce para que a modalidade realize sua retomada com mais eficiência do que o país em geral, que, em suas palavras, está uma bagunça em meio ao caos provocado pela pandemia da COVID-19.

Aos 34 anos, o atleta do EMS Taubaté Funvic admite que não vive hoje uma expectativa pelos Jogos de Tóquio tão intensa quanto antes, ainda que o evento tenha sido adiado para 2021 e esteja no radar de todos os brasileiros. A postura dos japoneses no planejamento, na visão dele, será de responsabilidade para garantir a saúde dos envolvidos e a presença do público. E se a conta não fechar, o jeito é esperar Paris-2024.

Em entrevista ao "De Casa do o LANCE!", o gaúcho contou que tem descarregado as energias na bola de vôlei e mantido o corpo em movimento sozinho em um ginásio em Pindamonhangaba (SP), onde mora, e refletiu sobre a pandemia, a crise no vôlei brasileiro, a carreira e as futuras gerações.

Além do ouro na capital fluminense, Lucão também ajudou o Brasil a faturar a prata na Olimpíada de Londres, em 2012, o título mundial em 2010, dois vice-campeonatos mundiais (2014 e 2018), dois títulos de Copa do Campeões (2009 e 2013) e, mais recentemente, o ouro na Copa do Mundo de 2019.

Por clubes, foi campeão da Superliga nas temporadas 2007/2008 e 2008/2009 e 2009/2010 (Cimed), 2012/2013 (RJX) e 2018/2019 (EMS Taubaté Funvic). Em meio às incertezas sobre quando os jogos voltarão a acontecer no Brasil, o gaúcho renovou contrato com o time paulista para 2020/2021.

Quais as suas perspectivas de retomada dos treinamentos e jogos no momento
difícil que o Brasil passa, devido à COVID-19?

Nossa sorte é que o calendário do vôlei é o inverso do futebol. A Superliga acabaria em maio, e foi encerrada um mês e meio antes, então o prejuízo não será tão grande. Mas é claro que, para um atleta, ficar parado sem exercitar o corpo como deveria faz muita falta. O clube fez uma previsão de retorno, mas ainda não confirmou, que é de voltarmos na terceira semana de julho, de forma padronizada, com exames, e depois dois ou três dias em casa esperando os resultados. Assim, começar a treinar, talvez não com o time completo, mas em grupos pequenos, mais ou menos como fizeram na Alemanha com o futebol. O calendário começaria no final de agosto, com o Paulista. Perdê-lo não é tão ruim para os times grandes. Talvez seja para os menores. Já a Superliga eu não consigo vejo como colocaremos público enquanto não houver uma vacina. Isso é o mais preocupante, e não nós voltarmos a treinar. E ver se a resposta de jogar sem torcedores será legal. Temos aí quatro a cinco meses para criarmos uma boa programação, muito diferente do que foi criado no Brasil, com essa pandemia, porque nosso país está uma bagunça. 

Os problemas já estão sendo sentidos no vôlei brasileiro...
Esse ano será extremamente atípico na Superliga. Está feio. Estamos perdendo muitos atletas para a Europa por causa da crise financeira no Brasil. Isso é triste. Vários ídolos estão indo embora, porque não sabemos nem quantos times teremos no torneio, quem vai conseguir patrocínio e quanto. Alguns clubes que contávamos para manterem os atletas principais do Brasil ou saíram ou não sabem se disputarão. O Sesc-RJ saiu, o Sesi-SP, a princípio, jogará com um time de base e o voleibol está nesse período, em que não sabemos o que acontecerá. Eu tive a sorte de ter um contrato de três temporadas. Em Taubaté, houve problemas de atrasos de pagamento, mas foi tudo explicado para nós e estão seguindo uma planilha. 

O que a comunidade do vôlei precisa priorizar para suportar a crise que virá?
​O vôlei brasileiro depende muito da economia, assim como todos os esportes olímpicos. O futebol ainda tem o direito de imagem, que rende muito dinheiro. Os outros sofrem muito. Temos de torcer para as equipes de base conseguirem se manter. Vamos sofrer dois, três ou quatro anos com essa recessão econômica. Times vão acabar. Mas o empenho das pessoas que estão por trás tenho certeza de que teremos. E vamos torcer para não acontecer mais nada. O vôlei enfrentou uma crise forte entre 2014 e 2016. Estavam vindo em uma crescente de novo, e bateu de novo. São ciclos. 

 O COB anunciou que levará delegações para a Europa a partir de julho. Acredita que isso seria importante para as Seleções de vôlei, mesmo que as competições de 2020 tenham sido canceladas?
Eu vejo com bons olhos a ida para o exterior para treinarmos. É sempre importante ter todo ano pelo menos cinco meses de trabalho com todos juntos. Conseguir juntar a galera para treinar, manter o feeling, que já temos há quatro, cinco anos. Mas para batermos um papo, ver o que cada um está fazendo, pois cada um vem de um ponto do Brasil. Eu estou com o ginásio à disposição aqui em Taubaté. Não tem ninguém aqui. Vou lá sozinho, pego o carrinho de bola, saco e ataco umas bolas para manter o corpo ativo. Mas nem todo mundo tem essa possibilidade. Eu há 14 anos não parava. Agora, estou há dois meses parado e sem perspectiva de volta. Isso para o atleta é extremamente complicado. A cada ano que passa fica mais provado que se manter ativo acelera a recuperação de uma lesão. Então mesmo em caso de lesão, ela já começa às vezes no dia seguinte. Eu fiquei uma vez na carreira sem fazer nada por uma semana e foi a pior coisa, pois nunca senti tanta dor para retornar. Temos uma sobrecarga que é cansativa, mas parar do nada é muito prejudicial. Tanto que, na Alemanha, vimos nove atletas se lesionando em uma rodada. Essa volta tem de ser muito bem estudada. 

O que projeta do tempo que resta para Tóquio, se a Olimpíada acontecer?
Eu não vejo os Jogos Olímpicos acontecendo ano que vem sem uma vacina. Querendo ou não, o evento é feito não só para os atletas, mas para o público. É o principal foco. Tem vários poréns lá no Japão. A Vila Olímpica já tem apartamentos vendidos para pessoas. Eles constroem os prédios e, após as competições, as pessoas da cidade passam a morar lá. Tem prazos, contratos. Os japoneses são muito certinhos, então tenho certeza absoluta de que os Jogos não acontecerão se não estiver tudo muito correto.

Como está a sua preocupação de se manter em alto nível diante de gerações tão fortes, dentro e fora do Brasil?
Eu sou um dos que estão mais ferrados, porque sou o mais velho (risos). Já estou mais para o final do que para o início. Para os outros, cada ano é de preparação, e para mim é de preocupação para estar bem. Uma das coisas que botei na cabeça na pandemia é que eu não iria parar. Se eu parei, foram três dias que fui para o Sul ver a família. O foco tem de ser esse. Quem já disputou Olimpíada sabe como é bom. O cara que quer vai fazer de tudo para estar lá. Se outro estiver melhor, tem de ir o outro. Enquanto eu estiver bem e puder estar na Seleção, quero estar, seja para jogar amistoso, Sul-Americano, não importa o campeonato. É prazeroso para caramba estar lá e defender as cores do Brasil, mas se tiver alguém melhor, tem de ir. Mas isso é construído durante quatro anos.

Acredita em uma possível vantagem de outros países para os Jogos de Tóquio, uma vez que a pandemia chegou em momentos diferentes nos lugares do mundo?
Eu acho que não terá vantagem, porque tem bastante tempo até a Olimpíada, se ela for acontecer. A grande verdade é que não sabemos se vai. Tomara que aconteça. Vamos rezar, mas não é nem pelos Jogos, é pelo tanto de vida que estamos perdendo, mais de 1100 por dia aqui no Brasil. É bizarro.

Como está o Brasil no cenário internacional?
Acho que está parecido com 2016. Quase fomos desclassificados na primeira fase. A França, que era um dos principais times na briga pelo ouro, caiu na classificatória. O vôlei masculino está mais equilibrado ano após ano. A parte de treinamentos e a estatura estão cada vez mais parecidas. Temos um equilíbrio muito grande. Vejo que cada país tem um quesito que ganha. A Rússia na força e alcance, a França na defesa, EUA no conjunto, a Polônia como equipe e em estatura, e com dois a três times. É impressionante o que eles conseguiram criar. O Brasil está sempre ali, entre os três primeiros, sem largar o osso. Nunca ganhamos nada fácil. Temos aquela ideia que o Bernardo colocou desde 2012, de que ninguém vai trabalhar mais do que a gente, e isso no final faz uma diferença. Com o Renan, não mudou, até piorou! Temos treinado que nem cavalos. Vemos que tem jogos que estão indo para o saco, como no Pré-Olímpico, contra a Bulgária, mas no finalzinho encontramos uma saída. Os frutos são colhidos lá na frente.

É momento de cada vez mais valorizar o pódio, e não só o ouro, como nos acostumamos?
Temos um mal que o futebol trouxe. Na década de 70, o Brasil reinava. E criou-se essa cultura. Futebol, futebol, futebol. O basquete depois dos anos 90 sumiu, e era maior que o vôlei. O brasileiro se apega em quem está ganhando. Acho que a imprensa tem de valorizar os resultados, pois não somos uma potência olímpica. Cada medalha que vem para o Brasil é como se fossem dez medalhas americanas. O americano tudo bem não dar valor para uma medalha de bronze, mas o brasileiro se chega a um bronze olímpico merece uma estátua. Porque é tudo muito difícil no nosso país. Se pegar todas as que o vôlei trouxe, incluindo indoor e praia, é mais de 50% de todas que o Brasil tem até hoje. Cada medalha tem de ser louvável. Cada vez o esporte está mais competitivo e mais igual.

Ataque de Lucão pelo meio
Lucão em ação na Copa do Mundo (Foto: Divulgação/FIVB)

O que fazer para o vôlei não perder a força atual e seguir o caminho do basquete, que caiu no esquecimento de muitos?
A questão é a base. Várias situações aconteceram nos últimos dez anos que não foram legais, independentemente de estarmos bem ou não. Foram feitas várias mudanças na CBV para que pudessem manter pelo menos 60% a 70% do patrocínio. O que faz o esporte ter resultados é o dinheiro. Não tem jeito. Se não há recursos para fazer amistosos e enfrentar as melhores equipes, ir para a Europa, você não mantém o nível. Nossa diferença para o basquete é que formamos uma base muito forte. Temos clubes formadores que, mesmo na crise, não largam o osso. Não vemos exposição na mídia. O trabalho que eles têm para manterem equipes é impressionante.

Muitas vezes se fala em uma suposta falta de determinação das novas gerações, que não teriam lutado tanto quanto as anteriores. Isso acontece?
Não dá para falar isso. O mundo é cíclico. Muita gente fala que dormia no Maracanãzinho, com um colchão e sem tampa na privada. Hoje, há uma estrutura maravilhosa. E eu não vejo por causa disso que eles vão se determinar menor. O cara que deseja vai conquistar. Cada vez o vôlei está mais igual. Se antigamente nossas categorias infanto e juvenil não perdiam para a Argentina e hoje perdem, é porque o adversário está trabalhando muito bem hoje, o que não fazia há dez anos. É claro que, às vezes, um cara reclama da comida, sem saber que no passado era muito pior. Esse tipo de coisa podemos cobrar. Mas a determinação vem do ser humano. Ou você quer ou não quer.  

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