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‘Mais de 10% dos esportistas se dopam, e só pegamos 2%’, diz Dick Pound

Dick Pound em evento do Comitê Olímpico Internacional (Foto: AP)
imagem cameraDick Pound em evento do Comitê Olímpico Internacional (Foto: AP)
Dia 27/10/2015
22:06

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O canadense Richard William Pound foi um nadador talentoso. Velocista, especialista nos 100m livre, jamais escondeu a decepção por ter sido, então com 18 anos, somente o sexto colocado na final olímpica da prova em Roma-1960.

Por alguma razão, Pound, mais conhecido como Dick, transferiu a frustração daquele fracasso olímpico para a carreira como dirigente. Advogado por formação, entre as décadas de 70 e 80 se consolidou como umas das figuras mais influentes do olimpismo.

Ele é membro do Comitê Olímpico Internacional (COI) desde 1978. E é considerado o responsável pela ressurreição da entidade.
Na verdade, Pound era o “faz tudo” do comitê. Negociava direitos de transmissão dos Jogos com televisões, cotas e inovações de patrocínios, coordenava avaliação de cidades sede de Olimpíada...

Em 1999, quando o assunto doping ganhou manchetes internacionais com escândalos no ciclismo, o COI se viu obrigado a estancar a hemorragia. Recorreu a Pound para presidir a Agência Mundial Antidoping (Wada, em inglês). Ele exerceu o cargo até 2007, quando foi substituído pelo australiano John Fahey, mas segue no conselho fundador dela.

Polêmico nos comentários e ativo nos bastidores do olimpismo mundial, Pound concedeu esta entrevista ao LANCENET!. Nela, falou de doping e de Rio-2016. Confira:

LANCENET!: Como o Brasil vai sediar os Jogos Olímpicos de 2016, acha que o esforço antidoping realizado pelo país é satisfatório?
Dick Pound: Todos os países poderiam melhorar seus programas antidoping. A realidade é que todas as nações ainda têm problemas com o doping. Mas, agora, especificamente, surgiu uma grande oportunidade de o Brasil mostrar que deseja ser um país livre deste problema. É preciso pôr em prática ações como consolidar uma agência antidoping efetiva, uma política forte de testes fora de competição e estabelecer um alto padrão em seu laboratório credenciado pela Agência Mundial Antidoping (o Ladetec, no Rio de Janeiro).

LNET!: Em Londres-2012, o Brasil tinha 18 atletas em sua delegação (de 259) com a mancha do doping no currículo. Durante entrevista concedida nos Jogos, o atual presidente da Wada, John Fahey, disse que tal número é um bom indício por demonstrar combate. O senhor concorda?
DP: É difícil dizer se é positivo ou não. Acho que seria positivo se o Brasil tivesse identificado 18 atletas dopados e os impedisse de competir na Olimpíada. Eu sempre acreditei que as autoridades deveriam ficar felizes por flagrar pessoas.

LNET!: Na primeira resposta, o senhor disse que todos países e entidades esportivas poderiam se esforçar mais no combate ao doping. O que o senhor quis dizer?
DP: Ainda há muitas federações internacionais sem interesse de combater o doping. Não querem gastar dinheiro por temerem que se pegarem alguém será uma publicidade ruim para o esporte que dirigem. O que é completamente errado. Além disso, orçamentos nacionais para combate ao doping são muito limitados, já que os governos acham que quanto menos gastarem, melhor. Ou seja, acho que existem bons trabalhos para combater este mal, mas não se chega nem perto de ser suficiente. Não estamos pegando o número de pessoas que achamos que se dopam. Estudos indicam que mais de 10% dos esportistas de alto rendimento se dopam, e ainda assim os testes que fazemos não pega mais do que 1% ou 2%.

LNET!: O senhor diz que algumas federações internacionais não fazem o trabalho que deveriam. Quais são elas?
DP: Nenhum esporte pode dizer com segurança que está livre do doping. Eu sempre critiquei muito o ciclismo. Sempre achei ridículo que o ciclista tivesse uma hora "livre" antes de se apresentar ao exame antidoping. Nesta hora "livre" ele poderia ir até o trailer da equipe e ter tempo de sobra para manipular uma amostra. Outra coisa que me incomodava era o teste fora de competição que se fazia: testava-se o ciclista logo que acordava, por volta das 5h da manhã, e ele só corria às 14h! Ou seja, tinha cerca de sete ou oito horas para fazer microaplicações de EPO (o hormônio eritropoietina), testosterona e outras coisas. E testes nunca eram feitos logo antes das corridas. Havia muitas oportunidades, no controle antidoping do ciclismo, de se evitar um resultado positivo. Cada esporte tem sua especificidade. Mas todos sabem que há muito uso de drogas no levantamento de peso e também no atletismo. Mas não estamos pegando tantos farsantes quanto deveríamos.

LNET!: O que o senhor disse é que do total de esportistas de alto rendimento, 10% se dopam e apenas 1% é pego. É isso mesmo?
DP: Exatamente.

LNET!: Então muitos casos não têm sido detectados. Pode acontecer de amostras guardadas, estudadas daqui a alguns anos, darem resultado positivo, como houve no passado (com EPO e Cera)?
DP: Sim. Há muita trapaça sofisticada por aí. Atletas são ajudados por médicos, físicos, técnicos e oficiais. Os trapaceiros sempre procuram novas maneiras de se doparem e de evitarem detecção. É uma indústria. Isso faz com que este tipo de gente tenha uma vantagem, ainda que momentânea, sobre os exames de detecção. Isso aconteceu com o EPO. Isso aconteceu com o Cera. E com certeza há alguma coisa por aí que não conhecemos e só teremos ciência daqui a algum tempo. Por isso tomamos a decisão de voltar no tempo oito anos e retestar amostras guardadas.

LNET!: Nos Jogos de Londres, poucos casos foram divulgados. Acha que dentro de um ano ou pouco mais mais casos podem aparecer, uma vez reanalisadas as amostras?
DP: É possível, com certeza. Foi algo feito depois de Pequim-2008, e aí descobriu-se o Cera. Aí está a importância de se reavaliar as amostras.

LNET!: Ao longo de sua gestão como presidente da Wada, foi possível criar suspeitas apenas ao ver competidores apresentarem performances boas em excesso?
DP: Muitos anos atrás, o mundo do esporte criou suspeitas sobre Flo-Jo (Florence Griffith-Joyner). Ela teve uma enorme melhora, o que a tornou suspeita. É parecido com o que aconteceu com a nadadora chinesa Shiwen Ye em Londres-2012. Foi uma performance tão fantástica (nos 400m medley) que levantou suspeitas. Mas, de outro lado, realmente temos de aceitar que fenômenos acontecem. De qualquer forma, toda vez que uma performance incrível ocorre, as pessoas criam suspeitas. É o problema de o doping ter se tornado um fantasma tão grande. Lembro-me que (o ciclista americano) Floyd Landis, em 2006, repentinamente deu uma reviravolta em uma etapa crucial e faturou o título da Volta da França. Muitos o celebraram, mas fiquei com a impressão de que aquilo tinha sido bom demais para ser verdade. Tanto é que logo depois ele foi flagrado.

LNET!: Durante os Jogos de Londres, o senhor fez comentários sobre os velocistas jamaicanos, dizendo que eles eram difíceis de serem encontrados para testes antidoping. O que quis dizer?
DP: Fontes confiáveis da Wada, que dizem onde há alvos específicos que devem ser testados, incluem a Jamaica na lista. A Jamaica é um país que não tem um programa antidoping tão bom quanto a Wada gostaria. Ele existe, mas levou muito tempo até a Wada conseguir persuadi-la a ter um programa antidoping nacional. Mas o que quis dizer em meus comentários é que sempre que desempenhos excepcionais como os dos atletas jamaicanos acontecem, perguntas serão feitas. Eu só acho que se os atletas são limpos, então é preciso fazer todo esforço possível para demonstrar isso. Muitos atletas jamaicanos de alto nível testaram positivo e foram suspensos, então é claro que o país não está imune ao doping. As performances deles nas duas últimas Olimpíadas foram formidáveis. Então, em 2012, as pessoas se levantaram e disseram: "Será possível?". Não é uma acusação, mas será que está acontecendo algo?



Dick Pound acredita que organização será desafio do Rio-2016 (Foto: AP)


LNET!: A explosão de Usain Bolt em Pequim chamou sua atenção?
DP: Bolt era um atleta jovem de muito talento, mas a evolução dele em 18 meses foi extraordinária. Então, é claro que haverá perguntas. E ninguém deveria se insultar por conta destes questionamentos.

LNET!: O senhor acredita que há muita proteção dos comitês olímpicos nacionais e de federações internacionais a astros?
DP: Não dirijo a Wada diariamente mais, então é preciso perguntar aos dirigentes atuais. Mas há casos de proteção de países, e não estou nomeando nenhum, a grandes estrelas. Muitas vezes os próprios governos comandam o controle antidoping. E isso me faz lembrar dos dias da Alemanha Oriental, nas décadas de 60 e 70.

LNET!: Houve um escândalo entre Rio e Londres, com roubo de informações. Qual o impacto disto para o Rio-2016?
DP: Com certeza foi algo embaraçoso para o Rio. Principalmente por toda a abertura que Londres deu para o Rio empregar funcionários em suas fileiras. Mas acho que o desdobramento foi correto, o de demitir os envolvidos. Agora, o Rio terá de trabalhar para refazer seu relacionamento com Londres. Como membro do COI, porém, não passou pela cabeça tirar os Jogos do Rio, mesmo com o roubo de informações.

LNET!: Qual foi a reação entre os membros do COI ao roubo?
DP: Eu não sei, porque não discuti o assunto com ninguém. É um assunto que circulou na direção executiva do COI, e acredito que ela dirá que é um assunto restrito a Rio e Londres. Não envolve o COI, porque são comitê organizadores. Eu nem mesmo sei quais arquivos foram roubados, mas acredito que não tenham sido resultados (risos).

LNET!: Como membro do COI, como o senhor tem avaliado a organização do Rio para 2016?
DP: É a primeira vez que o Brasil receberá as Olimpíadas. E tudo será concentrado no Rio, o que torna as coisas fáceis e difíceis ao mesmo tempo. Não é uma cidade fácil para se circular, como notei nos Jogos Pan-Americanos de 2007. E muitos esportes do programa olímpico não são populares. Se os Jogos tivessem apenas natação, vôlei, atletismo e basquete seria tranquilo. Mas são 28 esportes, muitos dos quais novos para o Brasil. É muita coisa para se organizar e fazer funcionar em um espaço geográfico complicado e pequeno. Provavelmente, o Rio terá mais dificuldades do que qualquer autoridade vai admitir, porque parte da responsabilidade do departamento de comunicação de um megaevento como esse é dizer que tudo está perfeito, que tudo está dentro do orçamento e bla bla bla. Nunca é permitido falar de coisas que não vão bem como se esperava. Os próximos quatro anos passarão como se fossem uma semana. E o problema da Olimpíada é que todas as coisas que a compõem, como a velocidade, a comunicação, os transportes e a administração têm de funcionar. E têm de funcionar perfeitamente já na primeira vez do Rio. Não será possível, depois que Usain Bolt tiver vencido maravilhosamente os 100m, pedir a ele: "você poderia fazer de novo porque nosso sistema de cronometragem falhou?". A repetição será um desafio para o Rio. É preciso assegurar que nada deixe de ser testado. Tenho certeza de que Carlos (Nuzman) ficará bem ocupado.

LNET!: Quando o Rio se elegeu, você foi contra ou a favor?
DP: Eu tenho a política de nunca dizer para quem votei. Mas o que posso dizer é que Rio tinha a melhor campanha e a melhor exposição entre todos os concorrentes. Já durante a apresentação das candidaturas, em Lausanne, meses antes da votação que elegeu o Rio, era possível dizer que pela primeira vez uma cidade sul-americana tinha condições de sediar os Jogos. A maré começou a ficar favorável ao Rio ali. Aí, quando fomos para Copenhague (DIN) votar, todos sabiam que o Rio venceria. O Rio já havia se candidatado para 2004 e 2008, e recebido os Jogos Pan-Americanos de 2007. Todos estavam empolgados com a chance de a Olimpíada ter uma sede nova.

LNET!: Então, antes da votação, o Rio já era favorito, na cabeça dos membros do COI?
DP: Era o quase favorito. Lembro-me de que muitos colegas falavam do Rio, só. Não havia muito entusiasmo por Chicago nem por Tóquio. E, para ser sincero, nem por Madri.

LNET!: Carlos Arthur Nuzman é tanto presidente do COB quanto do Rio-2016. Você acha recomendável que ele dirija as duas entidades?
DP: Não se pode dizer que uma pessoa deveria ser rebaixada por dirigir ambas. Significa que ele é um homem ocupado, mas acredito que ele está amparado por duas competentes equipes. Por isso, acho que ele não deveria ser destituído. Mas ele tem a mesma idade que eu, 70 anos, e terá muitas demandas. Espero que ele pense nele também, além de todos estes projetos.

LNET!: O senhor manteria os dois empregos com 70 anos?
DP: Gostaria de ser esperto o bastante para evitar os dois ao mesmo tempo (risos). Boa sorte ao Carlos.

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