Luiz Gomes: ‘Vilão de 90, capitão de 94, técnico fracassado. Qual terá sido a Era Dunga, afinal?’

Dunga foi o símbolo do fracasso do time de Sebastião Lazaroni em 90, mas o ex-jogador reescreveu sua biografia e colocou uma pá de cal no seu passado ao vencer a Copa em 94

Dunga Seleção Brasileira
Dunga foi um dos nomes mais importantes da Seleção Brasileira em 1994 (Foto: Reprodução)

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A final da Copa de 1994 que a Globo mostrou, no último domingo, foi uma oportunidade de se fazer justiça a um personagem daquela conquista: Carlos Caetano Bledorn Verri, ou simplesmente Dunga. Foi impressionante como nos Estados Unidos, quatro anos depois do fiasco na Copa da Itália, o volante reconstruiu positivamente sua biografia e colocou uma pá de cal no seu passado, tornando-se fundamental para o tetra.

Dunga foi o símbolo do fracasso do time de Sebastião Lazaroni. Aquele período insosso da Seleção, com a eliminação nas oitavas de final para a Argentina, numa derrota por 1 a 0, gol de Canniggia, ficou eternizado como a Era Dunga. Sinônimo de um jogo feio, de baixo nível técnico e completamente fora das tradições do futebol brasileiro. Foi a primeira vez que o time jogou no esquema 3-5-2. Talvez, a denominação tenha sido um exagero, afinal o que vivemos ali foi a Era Lazaroni, uma escolha à época tão surpreendente quanto obviamente infeliz do comando da CBF. Uma tragédia anunciada.

Uma parte daquele time encerrou ali, nos gramados italianos, sua história com a camisa amarela. Gente como Alemão, Bismarck, Silas, Valdo, Acácio. Mas Dunga, apesar do carma que carregava, sobreviveu. Foi uma aposta de Carlos Alberto Parreira e motivo de duras críticas ao treinador, até chegar à Copa dos EUA.

Dunga fez uma eliminatória sofrida como sofrida foi a classificação do Brasil. Mas tornou-se líder do time, respeitado pelos jogadores e pela comissão técnica. E como líder exerceu um papel importante, influenciando na decisão de Parreira em convocar Romário, até então preterido, para o célebre jogo contra o Uruguai, no Maracanã, quando o Baixinho fez a partida que ele considera uma das mais brilhantes da carreira, marcando os dois gols – que havia prometido aos companheiros – que carimbaram o passaporte brasileiro para o Mundial. Dunga tornou-se companheiro de quarto e uma espécie de anjo da guarda de Romário na Seleção.

Já nos EUA o futebol de Dunga foi crescendo durante a Copa. Jogando ao lado de Mauro Silva, na proteção à zaga - o Brasil sofreu apenas três gols durante todo o torneio - foi um guerreiro, campeão de desarmes e roubadas de bola, o que não chegou a ser uma surpresa. O que Dunga, mostrou, porém, foi muito mais do que isso, e no jogo decisivo contra a Azurra, isso ficou marcado de forma inquestionável.

Dunga não se limitou a tomar a bola dos italianos. Armou jogadas, distribuiu o jogo, com lançamentos longos e precisos que por vezes deixaram Romário, Bebeto e Cafu, na lateral direita, com boas chances de marcar. Em seus pés tiveram origem alguns dos mais perigosos ataques da Seleção naquela partida, que, somente por capricho, os deuses do futebol impediram que se convertessem no gol do título. Nos 120 minutos da decisão cometeu um único erro, no segundo tempo, um passe mal dado, uma bola atravessada na frente da área que nos fez tremer, relembrar aquela bola de Toninho Cerezo na Copa da Espanha, 12 anos antes, contra a mesma Itália, quando Paolo Rossi adiou o sonho do tetra. E coroou sua atuação com uma cobrança segura de pênalti, o último convertido pelo Brasil.

Dunga conheceu o inferno em 90, chegou ao paraíso em 94 levantando a taça como capitão. Mas o mundo dá voltas – e o seu mundo continuou a girar. De novo voltaria a ser sinônimo de fracasso, de antijogo, ao assumir como técnico, em 2006, a seleção que disputaria, com nova decepção, a Copa da África do Sul, em 2010. Escolha surpreendente – jamais havia sido técnico – o professor Dunga saiu desacreditado – o que não impediu seu retorno, em 2014, quando ao invés de apontar para o futuro a cartolagem da CBF voltou ao passado. Aquele que fora reconhecido como um líder natural, o capitão do tetra, tornou-se autoritário arrogante, alguém que se impunha não mais pelos seus méritos, mas pela força, a imposição de um linha dura rechaçada pelos jogadores.

Ninguém é herói ou vilão por toda a vida. Nessas idas e vindas sempre haverá momentos que se perpetuam, seja para o bem ou para o mal. E a copa do tetra para Dunga é um capítulo que não pode ser apagado na gangorra das contradições que o futebol lhe reservou. Qual terá sido a Era Dunga, afinal?

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