Com carreiras obstruídas, ex-judocas se renovam no esporte paralímpico

Tuany, que perdeu movimentos da perna após golpe de campeã olímpica, e Alana, com uma doença que afeta a visão, desapegaram da velha rotina, mas não do desejo de vencer

Tuany Barbosa disputa em Lima seu primeiro Parapan
Marco Antonio Teixeira/MPIX/CPB

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A vida conduziu Tuany Barbosa, que teve a carreira nos tatames encerrada após um golpe de uma campeã olímpica, e Alana Maldonado, que enfrentou a perda de parte da visão aos 14 anos, a caminhos distintos. Ambas cresceram com amor pelo judô convencional, mas tiveram de buscar novos sentidos para se realizarem no esporte.

Tuany, de 26 anos, dá passos para chegar ao topo no atletismo paralímpico. Nesta segunda-feira, entra em ação nos Jogos Parapan-Americanos de Lima em sua especialidade, o arremesso de peso F57, às 17h33 (de Brasília). No domingo, ela levou o bronze no lançamento de disco.

A ex-judoca perdeu os movimentos abaixo do joelho direito em 2014, aos 20 anos, no final de uma luta do Grand Prix Interclubes, em São José dos Campos (SP), na categoria acima de 78kg, contra a cubana Idalys Ortiz, campeã da Olimpíada de Londres-2012. Ela representava o Instituto Reação, criado pelo ex-judoca Flávio Canto. 

Carioca criada na favela do Jacarezinho, Tuany tinha ambições no judô e se inspirava em Ortiz. Mas o golpe chamado O-soto-gari sofrido teve consequências assustadoras. Ela prendeu a perna, que fez um “S”, levando ao rompimento de todos os seus ligamentos, bem como do nervo fibular.

Os médicos cogitaram a amputação, mas não foi preciso. Em 2017, ela foi incentivada por Flávio Canto a conhecer o movimento paralímpico e chegou ao atletismo. 

– Quando percebi que poderia voltar a ser atleta, tentei me “casar” logo. Tenho uma relação muito boa com o atletismo. Ele me abraçou e eu o abracei. Estamos juntos há três anos e com resultados, tanto que cheguei ao Parapan – diz Tuany, que quer arremessar 10m, ao LANCE!.

A brasileira sente dores ao assistir ao vídeo do combate e preferiu se afastar do judô no início. Hoje, se mostra resiliente. Já recebeu cartas de Ortiz, interessada em saber do quadro da ex-rival, mas nunca mais se encontraram. Se isso acontecer, Tuany dará o seu recado:

– Direi que ainda sou muito fã dela. Eu era do pesado e, se você quer referência no feminino, é a Ortiz. Não tenho mágoa nenhuma e nunca tive. O que aconteceu comigo simplesmente tinha de acontecer.

Campeã mundial em 2018, Alana Maldonado tem outro ponto em comum com Tuany Barbosa: uma “pedra no sapato” mexicana. No domingo, a judoca faturou a medalha de prata na categoria até 70kg no Parapan de Lima. Ela iniciou com derrota para Lenia Ruvalcaba, atual campeã paralímpica, que a derrotou na decisão da Rio-2016, e se recuperou nas demais lutas. Neste evento, diferentemente da Paralimpíada, não há eliminatórias. Já a arremessadora de peso tem dura missão contra a favorita Maria Ortiz.

Diagnosticada com a doença de Stargardt aos 14 anos, quando perdeu de uma vez boa parte da visão, a jovem de 24 não ficou feliz com o resultado, mas acredita estar no caminho para se consolidar no topo. Ela lidera o ranking mundial de sua categoria.

– Para mim, foi uma mudança natural. Eu não tinha chances no convencional e pensei em ser técnica, mas percebi que havia um caminho no judô paralímpico. Vim de um ano muito bom, mas tenho de fazer ajustes para chegar aonde quero. Tenho feito treinamentos específicos para enfrentar a mexicana. Eu me cobro demais. Nunca para mim está bom. Aqui, não foi diferente – disse Alana.

Paulista de Tupã, a judoca teve adaptação tranquila ao judô paralímpico, pois praticava o convencional desde os quatro anos, incentivada pelo tio, Guilherme Maldonado, ex-atleta e atualmente treinador. Na modalidade adaptada, a dinâmica é diferente, já que os deficientes visuais iniciam o duelo com pegada.

Os atletas inciam a luta segurando o quimono do adversário, posicionados pelo árbitro central. Ele controla o combate para que o contato seja permanente. Ao aplicar uma punição, também avisa a qual judoca está se referindo. Os atletas não sofrem punições por sair da área de luta.

Admiradora da bicampeã mundial Mayra Aguiar, ela acredita que falta no Brasil maior integração entre judocas olímpicos e paralímpicos. Por ter vivenciado ambos, a atleta, que defende o Palmeiras, acredita que haveria benefícios aos dois lados se fossem feitas sessões de treinamentos em conjunto.

– Poderia haver uma integração maior, em questão de treinamentos e de tudo. Nós poderíamos somar muito para eles em agilidade, por exemplo. Com a deficiência, desenvolvemos isto. Eles poderiam nos acrescentar, pois não disputam pegada. Seria interessante. São atletas fortes, que rodam o mundo quase todo mês. Faria toda a diferença para nós – lembrou a atleta, que até treina com judocas convencionais, mas não de nível olímpico.

* O repórter viaja a convite do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB)

BATE-BOLA
Tuany Barbosa
Arremessadora de peso, ao LANCE!

‘Tronco se soltou da minha perna e veio para o pulmão. Foi crítico’

Que avaliação faz da progressão dos seus resultados?
Minha evolução no arremesso de peso tem sido crescente e dentro do prazo. Comecei com 7,03m e, hoje tenho 9,90m como melhor marca oficial. A atual campeã paralímpica tem 11,14m. Aqui, quero bater os 10.

Quando sua carreira no judô acabou, a paixão pelo atletismo veio à primeira vista?
Não foi amor à primeira vista. Antes, fiquei interessada pelo halterofilismo. Também tive proposta para competir no remo paralímpico. Mas foi um amor que casou. Quando competi pela primeira vez, em 2017, veio um estalo e o casamento com o atletismo.

O que foi mais difícil?
O momento mais difícil foi a recuperação, quando fui para casa e me dei conta de que não poderia mais voltar para o judô. Tive vários episódios, mas esse doeu bastante. Também tive embolia pulmonar. O tronco se soltou da minha perna e veio para o pulmão. Com isso, tive de ir para a CTI. Foi bem crítico.

BATE-BOLA
Alana Maldonado
Judoca, ao LANCE!

‘Eu tenho uma admiração grande pelo Tite. Ele é muito inteligente’

No ano passado, você sofreu uma lesão no joelho, se recuperou e levou ouro no Mundial. Como foi?
Foi muito louco. Quando soube que teria de fazer a cirurgia, todo mundo achava que tinha acabado o ano para mim. Mas botei na cabeça que queria ir ao Mundial, não só para participar, mas para ganhar. Quando eu abri o olho após a cirurgia, perguntei como havia sido e soube que estava tudo bem, já sentia no coração que eu iria. No quinto mês, já estava muito bem,

O Brasil está no Mundial de judô, no Japão. Você acompanha?
Sim, acompanho tudo. Eu me inspiro em alguns. Não temos muito contato, mas gosto muito de assistir a Mayra (Aguiar), a (Maria) Portela e a Ellen (Santana), que é minha amiga.

Quem são suas referências?
Eu adoro futebol. Já joguei. Conheço os jogadores do Palmeiras, onde treino. O Tite é um cara fora do comum, para mim. Acho muito inteligente. A leitura que ele tem do jogo, as respostas que ele dá... dá para ver que é um cara sensato.

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