Astro em xeque! Entenda a ameaça à soberania de Daniel Dias na piscina

Brasileiro, que chegou a 33 medalhas de ouro na história dos Jogos Parapan-Americanos, terá dificuldades para alcançar topo do pódio em nível mundial após novas classificações

Daniel Dias (Foto: Saulo Cruz/EXEMPLUS/CPB)
Daniel se emocionou após a conquista dos 200m livre, sua última prova em Lima (Foto: Saulo Cruz/EXEMPLUS/CPB)

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O brasileiro se acostumou a comemorar os feitos de Daniel Dias, maior astro paralímpico do país nas piscinas. Nos Jogos Parapan-Americanos de Lima (PER), não foi diferente. Na última sexta-feira, ele se despediu da competição com o sexto ouro, na prova dos 200m livre S5, e chegou a 33 medalhas douradas na história do evento, no qual nunca perdeu. Mas não está totalmente feliz.

O próximo desafio do atleta, o Mundial de natação paralímpica, em Londres (ING), entre os dias 9 e 15 de setembro, será o mais difícil que ele já enfrentou. O novo sistema de classificação definido pelo Comitê Paralímpico Internacional (IPC) alterou os adversários do multimedalhista, que enfrentará rivais avaliados, até um ano atrás, com menor grau de deficiência. Seus tempos são consideravelmente superiores aos do paulista de Campinas.

Em uma de suas especialidades, os 50m livre, Daniel tem como melhor marca pessoal 31s86. Este era o recorde mundial da prova antes da polêmica. 

A entidade passou a reclassificar nadadores com base em critérios que afirma serem científicos e desenhou novo cenário. O brasileiro perdeu a condição de recordista, já que o italiano Antonio Fantin, que competia na S6, foi reclassificado e passou a ser S5. Ou seja, ganhou uma ajudinha. Seu tempo mais rápido é 30s16, melhor marca homologada na distância atualmente. Compare abaixo o panorama da classe S5 antes e depois da medida do IPC.

A CLASSE S5 ANTES E DEPOIS

Os recordes mundiais hoje, em provas dos Jogos Paralímpicos, após as novas classificações
50m costas: Lichao Wang (CHN), 34s60
50m livre: Antonio Fantin (ITA), 30s16
50m borboleta: Lichao Wang (CHN), 32s94
100m livre: Antonio Fantin (ITA), 1m06s24
200m livre: Francesco Bocciardo (ITA), 2m23s65

Como estariam os recordes mundiais hoje, em provas dos Jogos Paralímpicos, sem as novas classificações
50m costas: Daniel Dias, 34s95
50m livre: Daniel Dias, 31s86
50m borboleta: Daniel Dias, 33s98
100m livre: Daniel Dias, 1m08s39
200m livre: Daniel Dias, 2m26s51 

A polêmica é antiga, mas ganhou força com as mudanças. Alguns astros, como Andre Brasil, até foram considerados inelegíveis, já que subiram de classe (quanto menor o número, maior é o comprometimento). O Comitê Paralímpico Brasileiro levará o caso à Justiça da Alemanha, onde fica a sede da entidade máxima do esporte paralímpico, presidida pelo carioca Andrew Parsons.

– É claro que celebramos as conquistas do Parapan. São 33 medalhas de ouro e sei do brilho que isso tem. Mas é difícil a gente não falar de classificação funcional. Com esse novo sistema, eu, de fato, não concordo. Estamos sendo prejudicados. Mas isso não me impede de dar meu melhor no Mundial. Sei que a realidade da competição será diferente – afirmou Daniel, de 31 anos, que terá como foco no Mundial as suas especialidades, os 50m livre, 100m livre, 50 costas e 50 borboleta, além de dois revezamentos.

Se o sistema não mudar, Daniel, que nasceu com má formação congênita dos membros superiores e da perna direita, terá grandes dificuldades de manter no Mundial e nos Jogos de Tóquio-2020 a soberania típica. Até hoje, ele já faturou 24 medalhas em Jogos Paralímpicos, sendo 14 de ouro. O astro promete não deixar de lutar por marcas melhores.

– Em uma semana, o contraste será grande do que vivemos em Lima. Mas meu papel é o mesmo, de treinar, me dedicar e dar o melhor. Busco uma evolução como atleta, sem me preocupar com eles. Entendo que existem grandes adversários, assim como existiram nesses anos todos. Mas quem sabe eu não possa melhorar minhas marcas? É o que vou buscar – falou Dias.

Para o treinador-chefe da natação brasileira, Leonardo Tomasello, o critério de classificação do IPC é equivocado e desleal com Daniel e outros esportistas.

– Ele não foi afetado, exceto na classe de peito (SB), mas os medalhistas campeões da Rio-2016 na classe 6 baixaram para a 5, o que torna injusta a competitividade. Vai se tornar uma disputa muito mais difícil, até desleal. É como se ele fosse competir uma classe acima dele – explicou Leonardo.

Em Lima, o nadador já havia chegado ao topo do pódio nos 50m livre, 100m livre, 50m costas e revezamento 4x100m medley 34 pontos. Na despedida, ele fechou os 200m livre com o tempo de 2m43s34, à frente do mexicano Gustavo Martínez, que levou a prata, com 3m01s66, e do colombiano Miguel Rincon, que ficou com o bronze, com 3m03s76.

Mizael questiona o IPC: 'Qual é a verdade sobre o Daniel Dias?'

O presidente do CPB, Mizael Conrado, é crítico ferrenho do novo modelo de avaliações do IPC. Sucessor de Andrew Parsons na entidade nacional, ele saiu em defesa do nadador e deixou no ar uma pergunta ao ex-aliado.

– Temos que perguntar para o IPC se o Daniel foi uma mentira para o esporte. Se esses atletas estavam na classe errada e são de fato S5 e não S6, então os resultados do Daniel, indicado para três Laureus, que conquistou tudo que conquistou, maior medalhista paralímpico da história da natação, não foi verdadeiro? Porque com esses outros atletas que eram do S6, o Daniel Dias não seria o que foi. Alguma coisa está errada: ou é o Daniel Dias campeão ou é o Daniel Dias agora, que mesmo melhorando suas marcas, não tem nenhum recorde mundial. Qual é a verdade do Daniel Dias? – indagou Mizael, em coletiva com jornalistas brasileiros em Lima, na sexta-feira.

Com o novo sistema de classificação, o chinês Lichao Wang, e os italianos Antonio Fantin e Francesco Bocciardo tiraram recordes mundiais do paulista. Em provas que constam no programa dos Jogos Paralímpicos, Daniel perdeu cinco marcas.

– Os atletas que hoje têm marcas melhores que o Daniel não surgiram ontem. Foram campeões na categoria de cima, ou seja, no S6. Tem atleta, inclusive, que já foi do S7 e, hoje, está no S5. É a mesma coisa de pegar um jogador de 23 anos e voltar ele para o sub-20, sub-18 – afirma o dirigente, ex-jogador de futebol de cinco e bicampeão mundial.

* O repórter viaja a convite do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB)

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