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Xico Sá relembra Sócrates: ‘Naquela mesa está faltando Ele e a Democracia Brasileira sente muito’

Nos dez anos da morte de Sócrates, jornalista, que foi amigo do Doutor, escreve crônica especial para o LANCE! em homenagem ao ídolo

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Lance!
São Paulo (SP)
Dia 04/12/2021
01:54
Atualizado em 04/12/2021
08:30

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Naquela mesa ele sentava sempre/ E me dizia sempre, o que é viver melhor”. Desculpa aí, Doutor, mas ouvi essa faixa nas versões de Nelson Gonçalves, Zeca Pagodinho, Zélia Duncan, Otto, Criolo, Demônios da Garoa e do próprio Sérgio Bittencourt.

Xico Sá com Sócrates
Xico Sá com Sócrates na TV Cultura, gravação do 'Cartão Verde' (FOTO: Arquivo pessoal)

Sim, óbvio que furei o disco de Milionário e José Rico, como nas madrugadas dos últimos dias do sobrado da Pompeia: “Nesta longa estrada da vida/ Vou correndo e não posso pararrrr”.

Dez anos? O tempo está de sacanagem, Doutor.

Sei que não gosta de botar futebol no meio de coisa séria e institucional como mesa de bar, mas, com licença, vou ligar para atleticano Reinaldo, um dos melhores caras que você me apresentou naquela viagem & delírio em BH. Galooo!

Com o Fernando Kaxassa falo sempre, óbvio, foi outro legado que você me deixou. Ele exibiu agora o filme do Marighella em Ribeirão Preto, no cine Cauim, lógico. Segue contando a piada que você amava, a de sempre: “O cara diz que é doutor mas nunca operou uma galinha; o cara diz que é jogador, mas só chuta para trás”. Desrespeito à parte com o seu calcanhar, Magrão, o chiste faz sucesso até hoje.

Xico Sá com a filha
Irene (com a mãe Larissa Zylbersztajn) herdou o afeto do pai pelo Doutor (FOTO: Arquivo Pessoal)

Calma, Doutor, só mais uma palinha futebolística. Seu Peixe de infância correu risco de rebaixamento inédito, ufa, mas já passou; o Botafogo, da juventude em Ribeirão, foi vice da Copa Paulista; o Corinthians da vida eterna, compay, está no jogo por uma vaga na Liberta, salve, salve país de Itaquera.

A democracia, meu velho, é que não anda tão bem das pernas. Vez por outra sofre uma falta bruta do elenco dos quartéis. E em uma grave hora no começo de 2020 — você vai vibrar com essa! —, sabe quem saiu para defendê-la? A Gaviões da Fiel, camarada, em uma aliança inédita e urgente com as alas que se proclamam antifascistas das torcidas do Palmeiras, Santos e São Paulo.

Foi lindo ver a insurreição na avenida Paulista, lembra que você uma noite, creio que na Mercearia São Pedro, cantou essa bola? Sim, você havia feito um bate-papo na quadra da Gaviões e, utópico e profético, ficou delirando sobre a potência política das organizadas. Rolou, Doutor, pelo menos um capítulo de novas possibilidades.

Xico Sá com Sócrates
Xico Sá com Sócrates na Mercearia São Pedro, o bar preferido (FOTO: Arquivo Pessoal)

Tanta coisa, amigo, desde aquela última vez em que nos encontramos. Teria que ser um Homero para contar tudo. Sabe o mendigo da rua Costa com a Augusta, o Ivanildo, que ficava ouvindo jogos do Corinthians no rádio e tirando onda com os passantes do contra? Ele mesmo. Tentei achá-lo esta semana. Desapareceu durante a pandemia, informam os garçons e flanelinhas da área. Jamais ele esquecerá daquela noite em que você chegou, como se fosse mais um andarilho na garoa, e o abraçou depois de uma vitória importante do Alvinegro de Parque São Jorge — pena eu não me lembrar do jogo, só sei que era inverno de 2010.

Nunca testemunhei cena tão comovente, Magrão. Vai se danar, mas recordo que eu dizia ser algo parecido com um filme do Frank Capra. Você corrigiu: “Na hora eu só pensei no Carlitos, no Chaplin, porra”.

O Mazinho? Não conseguiu vender ainda as terras que herdou do cacique. Deixa quieto, Doutor, que figura o velho Maza. Outro dia, fizemos um “zoom” com o Gustavo e o Duzão, tuas belas crias, só para tirar uma buena onda.

Indispensável dizer que passar nas calçadas dos nossos bares é um motivo de muita alegria, Magrones. Cada lembrança que daria um livro da Sherezade e as mil e uma noites.

Na sua ausência, andei lendo e relendo até as biografias. Óbvio que fiquei pensando no que o amigo diria pela minha escolha de leitura: “Ô maluco, cê também perde tempo com a vida de qualquer tranqueira, né não?”

Relaxa, Doutor, saiu agora a tradução ao português do livro do escocês Andrew Downie, “Doutor Sócrates” (Grande Área). Aproveitei o embalo e peguei de novo o “Sócrates” (Objetiva) do Tom Cardoso. Com o intimismo de “Sócrates Brasileiro: minha vida ao lado do maior torcedor do Brasil” (Prumo), da sua Kátia Bagnarelli, em parceria com a jornalista Regina Echeverria, só chorei, pela parte que nos toca e as mensagens nas garrafas (e escritas nos guardanapos) para sempre.

Outro dia o Vladir Lemos veio aqui em casa, a gente reuniu aquelas fitas-cassetes de gravações sem fim dos nossos papos. O Victor Birner está cada vez melhor como comentarista, o bicho é estudioso do esquema, a gente tirava onda e ele abria o sorriso mais generoso do mundo — só a sua cachorra Dayse era capaz de merecer uma recepção mais bonita. Viva nossa bancada no “Cartão Verde” da TV Cultura. O jogo hoje é veloz e segue atropelando na curva.

Ah, Doutor, sei que ficaria chateado que a coisa descambasse para a choradeira, mesmo que tenhamos chorado juntos até em improváveis noites das boates azuladas do interior.

Naquela mesa redonda ou quadrada está faltando Ele. E a saudade Dele, caríssimo Sérgio Bittencourt, está doendo não apenas na massa do Corinthians, mas em todos os torcedores da Democracia Brasileira.

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