Luiz Gomes: Jogador faz corpo mole para derrubar técnico? Vale refletir

'Pelo menos até essa semana que passou eu acreditava que isso era tão somente uma lenda. Mas os acontecimentos dos últimos dias me fizeram refletir melhor sobre isso'

Rogério Ceni - Cruzeiro
Rogério Ceni foi demitido com apenas oito jogos como treinador do Cruzeiro (Foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro)

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Uma das lendas mais repetidas no futebol é aquela história de que jogador faz corpo mole para derrubar o treinador. Pelo menos até essa semana que passou eu acreditava que isso era tão somente uma lenda, sempre retruquei quem dizia isso em debates públicos ou em discussões nas redações ou nas mesas de bares. Mas os acontecimentos dos últimos dias me fizeram refletir melhor sobre isso. E questionar minhas verdades.

O levante de jogadores do Cruzeiro contra Rogério Ceni, que culminou com a demissão do técnico na quinta-feira, menos de dois meses depois de assumir o cargo, é algo que impressiona. Todo mundo já sabia que o Cruzeiro, frutos de gestões irresponsáveis e pouco éticas, vem perdendo nos últimos anos o status de um clube do bem, bem administrado e vencedor, para afundar-se num lodaçal de irregularidades e transações nebulosas que estão sob investigação da Fifa, do Ministério Público e da polícia. Mas a extensão de baderna que se instalou na Toca da Raposa parece não ter mais limites.

A atitude da diretoria, representada pelo vice-presidente de futebol, Itair Machado, que muitos aliás querem ver banido do clube, foi uma absoluta inversão de valores. Uma afronta às tradições cruzeirenses. Ao treinador, seja ele Ceni ou qualquer outro, e em que clube for, deve ser dada a autonomia de escolher o time que coloca em campo, o que mais julgar adequado a suas crenças e o estilo de jogo que quer implementar. Isso é básico. Aos jogadores, profissionais contratados e, no caso em questão, muito bem pagos, deve ser dado o direito de argumentar. Mas, ao final, aceitar o que se propõe. Ou pedir as contas e seguir seu rumo.

Se demitiu Mano Menezes após três anos de um trabalho bem-sucedido, o Cruzeiro, certo ou errado, deu sinal de que queria mudanças. Quando o elenco ou parte dele se rebelou, manifestando inclusive publicamente a insatisfação pelo não aproveitamento de Thiago Neves e pelas alterações que Rogério Ceni vinha fazendo – ou tentando fazer – no time, cometeu um ato claro de indisciplina. Mas, quando recebem o apoio da diretoria, com a demissão do treinador, os líderes da rebelião se fortalecem ainda mais: ganham uma carta branca para fazer, daqui para a frente, o que bem entenderem, quando bem entenderem. O que vem por aí, agora, não se sabe. Abel Braga é que se cuide.

Rogério Ceni nunca foi um sujeito de temperamento fácil. Nunca demonstrou, mesmo nos tempos de jogador, preocupação em ser político, em cultivar relacionamentos marcados pela cordialidade, quando suas posições não eram as mesmas do interlocutor. Por conta disso, não foram poucos os atritos, de maior ou menor intensidade, com colegas de time e treinadores. Isso é um fato. Mas isso faz parte do pacote de quem o contrata. E, convenhamos, algo que não se impõe sobre suas virtudes, ou seria inimaginável vê-lo durante três décadas no São Paulo, tornando-se um dos maiores ídolos da história tricolor.

Que fique claro, não se está defendendo nesta coluna um regime de força, em que o comandante fala e os comandados, simplesmente, abaixam a cabeça. Não por acaso, Leão, Dunga e outros tantos que agiam dessa forma perderam seu espaço no futebol atual. Divergências, seja no futebol, na política, no dia-a-dia, devem ser encaradas de frente e discutidas, não necessariamente sob a ótica da hierarquia. Mas do que não se pode, jamais, abrir mão, é do respeito e da lealdade. O que parece ter faltado tanto da parte do elenco azul – ou de parte dele – e principalmente da diretoria do Cruzeiro para com o treinador.

Desrespeito, também, foi o que não faltou na sequência de episódios após o empate do Fluminense contra o Santos, quinta-feira no Maracanã. Foi um festival de abusos – de Oswaldo de Oliveira ofendendo torcedores e de Ganso xingando o treinador. O camisa 10, garante a diretoria tricolor, será punido com multa percentual sobre o salário e uma advertência formal. O que é justíssimo. Já Osvaldo pagou com o cargo. É preciso saber se Mario Bittencourt e Celso Barro decidiram pela demissão por conta do gesto obsceno – o que faz sentido mas até poderia gerar também uma multa ou advertência, por que não? – ou se apenas usaram a situação para se livrar do treinador. Ganso, se o caso foi este, que desde o começo vem se bicando com Oswaldo – terá sido assim, como Thiago Neves, Fred e Dedé no Cruzeiro, o maior vitorioso dessa história. Uma transgressão à ordem, em dose dupla.

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