Gestão Esportiva na Prática: a arte de liderar quem não entra em campo
Do vestiário ao resultado 30 trabalham e 11 aparecem

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Nem todo protagonismo é visível. Mas todo grande time precisa de quem aceite servir antes de brilhar.
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O ciclo do futebol se inicia, termina e recomeça dentro do vestiário. É lá que a mágica acontece ou fracassa. É lá que são feitos os gols mais bonitos e os mais vergonhosos gols contra. Ao longo de uma temporada, as únicas coisas que acontecem naturalmente dentro do vestiário são atritos, confusão e disputa por espaço. Todo o resto é fruto de muito trabalho duro em equipe e das pessoas que lideram esse complexo processo. Fiz alguns paralelos para que entendam:
Imagine conduzir uma orquestra de 30 músicos em que, por regra, apenas 11 podem subir ao palco, cinco ficam à espera de um improviso de última hora, sete sentam-se na primeira fila sem sequer afinar seus instrumentos e 10 assistem ao concerto de fora do teatro, torcendo para que a próxima apresentação seja a sua vez. Essa é a rotina de um treinador de futebol profissional — e, por consequência, do gestor que precisa manter harmoniosa essa banda com egos, expectativas e pressões tão dissonantes quanto um trombone desafinado.
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Transponha a situação para o mundo corporativo. Pense em uma empresa de tecnologia com 30 desenvolvedores que criam códigos a semana inteira, mas apenas 11 podem “subir” para produção; cinco aguardam um bug crítico para entrar em cena; sete observam o deploy sem tocar em uma linha de código; e 10 acompanham o lançamento pelo Slack, torcendo para que o próximo sprint lhes dê visibilidade.
Agora visualize uma agência de publicidade: 30 redatores e diretores de arte preparam campanhas, mas só 11 podem apresentar no pitch ao cliente; cinco entram em caso de “pergunta surpresa”; sete ficam na sala ao lado prontos para nada; e 10 sequer recebem o link da videoconferência.
Em uma multinacional de vendas, a imagem é igualmente cruel: 30 representantes viajam, treinam e estudam produtos, porém só 11 fecham negócios naquele trimestre; cinco disputam migalhas de carteira; sete aparecem nas fotos da convenção sem bater meta; e 10 assistem aos painéis motivacionais pensando no próximo corte de custos. Em qual outro setor, além do futebol, o desempenho diário é avaliado por milhões de “acionistas” apaixonados — torcedores que cobram, vaiam e viralizam qualquer desalinhamento estratégico em tempo real?
Existe uma competição silenciosa no vestiário
Num elenco de 30 atletas, o jogo começa antes de soar o apito: existe uma competição silenciosa no vestiário, onde todos acordam às seis da manhã, treinam com igual intensidade, seguem a mesma dieta e se expõem ao mesmo sol escaldante. No entanto, quando o juiz apita, apenas 11 interpretam a sinfonia em campo. Outros cinco solistas entram no meio da música, tentando encaixar seu solo sem destoar da melodia coletiva. Sete permanecem no banco, vestindo o uniforme, sentindo o peso do colete que nunca será suado. E dez, inscritos na temporada, assistem pela TV, torcendo contra o relógio biológico que transforma juventude em experiência, enquanto as câmeras preferem quem está sob as luzes.
Agora adicione a esse arranjo a crítica implacável da arquibancada, a lente ampliada da mídia e a ansiedade das famílias que veem no placar do domingo o seu termômetro de estabilidade emocional. Cada escolha do técnico se transforma em manchete; cada minuto sem entrar em campo vira munição para empresários, redes sociais e grupos de WhatsApp. Em qual outro setor um profissional pode ser julgado por milhões em rede nacional por não “produzir” naquele dia, mesmo tendo cumprido todas as metas internas?

Se, numa empresa tradicional, bastaria redirecionar tarefas para equilibrar a produtividade, no futebol a planilha não aceita macros. A gestão exige sensibilidade quase cirúrgica: conversar com quem não jogou, conter o ego dos destaques da partida, blindar quem jogou mal, antecipar frustrações e manter a moral lá em cima para que, quando o script exigir uma nota aguda, o reserva esteja pronto a cantar sem desafinar.
Eis a arte, a dor e a delícia de liderar um elenco: reger um espetáculo onde nem todos tocam, mas todos precisam sentir-se parte da música.
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Felipe Ximenes escreve sua coluna no Lance! todas as quartas-feiras. Confira mais postagens do colunista:
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