Política e rivalidade: a ‘final’ de Boca e River que envolve a arquibancada

Ex-vizinhos e agora rivais, Boca Juniors e River Plate formam uma das maiores rivalidades da América do Sul. Além do campo, brigas políticas e rebaixamento marcam o clássico

Boca Juniors
Boca Juniors e River Plate se enfrentam na final da Copa Libertadores de 2018 (Foto: Reprodução)

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A maior final de todos os tempos. É com esta propaganda que a imprensa argentina e a Conmebol estão vendendo a decisão da Copa Libertadores de 2018. Boca Juniors e River Plate entrarão em campo no próximo sábado vendendo mais que a disputa por um título internacional. O que torna o jogo tão especial é a rivalidade histórica entre os clubes que, muito antes de entrar nas quatro linhas, já estava presente nas arquibancadas. 

- O clima na Argentina é que nada importa mais que Boca e River. Isso vale até para o presidente (Mauricio Macri). Mudaram reuniões pessoais, congressos, tudo porque sabem que o clássico gera o pais. Entre os jogadores, não há outro tema, eles sabem que podem mudar a historia para o bem ou para o mal. É o evento mais importante do futebol argentino desde o titulo mundial. Se puder fazer uma comparação, é como se a Argentina fosse campeã da Copa do Mundo em cima do Brasil. É o momento mais importante da história do futebol argentino - declarou Diego Macias, do Diário Olé. 

O episódio mais recente tem a ver com o setor visitante de La Bombonera. A diretoria do Boca Juniors não permitiu que a delegação do River Plate decorasse o vestiário do estádio, alegando que poderia ocasionar briga entre jogadores. Entretanto, o motivo principal foram as críticas dos torcedores xeneizes após o fato já ter acontecido no campeonato nacional. Na época, as respostas foram para manter "o vestiário sagrado" e "não levar as cores do adversário". 

Dias depois, a Conmebol definiu que os jogos das finais da Libertadores deveriam ter torcida única, apesar do apelo do presidente do país, Mauricio Macri. Os mandatários de Boca e River preferiram que a ideia fosse mantida, gerando reações. O setor visitante do Monumental de Nunez apareceu pichado com a frase "sua gente não quis visitantes. Boca, sim. River c****", apesar do veto de ambos. 

Outra pitada de rivalidade que está agitando as torcidas para a decisão no gás de pimenta. Em 2015, nas oitavas de final da Libertadores, o Boca Juniors foi punido e eliminado da competição após torcedores jogarem o produto nos jogadores do River Plate durante o intervalo. Os Millonarios acabariam campeões aquele ano e criariam a música "Tiraste Gas", que fala exatamente sobre esse episódio. Quatro anos depois, é a chance de uma nova resposta por parte dos xeneizes

"Te sacamos de la copa, te sacamos otra vez
che bostero hijo de p*** te volvimos a coger
lloraste por las patadas
lloraste como un cagon
llora ahora que la copa la ves por televisión
tiraste gas, abandonaste
lo suspendiste porque no tenes aguante" 

Política em jogo: ricos contra pobres e direita contra esquerda

Poucos sabem, mas o River Plate nasceu no mesmo bairro o Boca Juniors. La Boca é um bairro da cidade de Buenos Aires onde está localizada o La Bombonera atualmente, mas que cresceu vendo as equipes nascerem brigando para ser o maior representante do subúrbio argentino. Porém, o bairro viu os Millonarios mudarem de casa e migrarem para Belgrano, uma cidade de classe média alta, na década de 1920. Esse foi o ponto inicial da rivalidade histórica entre as equipes. 

Os clubes viraram o oposto do outro nos anos que viriam a seguir. O Boca Juniors, permanecendo no bairro humilde e operário de La Boca, ganhou contornos de "povão", representando as favelas do país e as camadas mais pobres da sociedade. O River Plate, por outro lado, se mudou para um bairro nobre e foi adotado pela alta sociedade portenha, explodiu financeiramente da década de 1930 - por isso o apelido de Millonarios - e passou a representar os ricos. Virou um duelo de "povo contra elite". 

Aos que dizem que futebol não se mistura com política, Boca e River tiveram participações em um dos momentos mais difíceis da história da Argentina. Em 1976, o general Jorge Videla, o almirante Emílio Massera e o brigadeiro Orlando Agosti formaram a junta militar que governou o país após o golpe de Estado que derrubou a presidente Isabelita Perón. A ditadura tomou conta do país por quase 20 anos, deixando mais de 10 mil pessoas desaparecidas no regime que durou até 1981. 

Os três militares eram torcedores assumidos e sócios-honorários do River, fazendo com que a imagem da ditadura respingasse no clube - que nunca se manifestou diretamente como apoiador. Com isso, os Millonarios passaram a representar a parcela "à direita" politicamente da sociedade, enquanto a parcela "à esquerda" politicamente era tratada como resistência e se vinculava ao Boca Juniors e outros clubes populares do país. Naquela época, os clássicos viraram uma guerra política. 

Em 2003, a Comissão Diretora do River Plate cancelou os títulos de sócio-honorário concedidos aos três militares. Pelo estatuto do clube, nenhuma pessoa que tenha pendências judiciais ou que já tenha sido julgada pode ser sócia. Os três foram julgados e presos em 1985, quando o regime militar havia sido substituído por um governo civil. Nas arquibancadas, uma música criada pelo San Lorenzo foi adaptada pelo Boca Juniors, ligando o River Plate a ditadura militar.  

"Somos tan diferentes,
vos sos platea y nosotros popular.
Hasta en la gente podes notar,
que no es la misma la manera de pensar,
esta hinchada hizo la cancha y jamás olvidará,
que la tuya te la hizo el gobierno militar" 

Tragédias e rebaixamento: quando a rivalidade saiu do futebol

A história de Boca Juniors e River Plate também é marcada por momentos que não são bons de lembrar. A tragédia da "Puerta 12" é considerado o pior acidente da história do futebol argentino. Em 1968, o superclássico foi disputado no Monumental de Nuñez e terminou sem gols. Após a partida, os torcedores do Boca ficaram presos no Portão 12, pressionaram a saída e provocaram uma avalanche no estádio. Cerca de 71 pessoas morreram e 113 ficaram feridas. Nunca se soube porque os portões estavam fechados, se a polícia reprimiu ou se foi outro fator. 

Outra tragédia, mas sem feridos, aconteceu neste ano na Argentina. Segundo a polícia da cidade dos Apóstolos, um torcedor colocou fogo na casa de outro devido a uma discussão entre Boca e River. Arturo, de 29 anos, revelou para a polícia que se irritou após bater boca sobre o clássico com o ex-cunhado e colocou fogo propositalmente na casa dele. A vítima perdeu todos os pertences. 

- Estamos vivendo um momento histórico no nosso país. São duas equipes muito grandes que estão decidindo a Libertadores. Estamos vivendo com muitos nervos, muita paixão. É um espetáculo para a Argentina. Estamos muitos nervosos, vai ser importante para todos. Os clássicos contam muitas historias, é sempre decisivo, sempre importante - declarou o ex-jogador do Boca Juniors,  Julio Gaona. 

Entretanto, a maior causa de brigas entre torcedores é o rebaixamento do River Plate no Campeonato Argentino. Aconteceu em 2011, no aniversário de 15 anos do título da Libertadores de 1996, o clube não conseguiu vencer o Belgrano por dois gols de diferença em casa e caiu de divisão. Com isso, o Boca Juniors se manteve como um dos clubes que "nunca foram rebaixados" - ao lado do Defensa y Justicia. 

Todas as formas possíveis de provocação com o fato foram utilizadas, mas no clássico pela Libertadores de 2015, a torcida do Boca Juniors levou um drone para sobrevoar o campo de jogo contra o River Plate, exibindo um fantasma da Série B. A música "River decime que se siente" também viralizou nas arquibancadas e passou a ser cantada nos clássicos. 

"River decime que se siente
Haber jugado el nacional
Te juro que aunque pasen los años
Nunca nos vamos a olvidar

Que te fuiste a la B
Quemaste el monumental
Esa mancha no se borra nunca mas

Che gallina sos cagon
Le pegaste a un jugador
Que cobardes los borrachos del tablon" 

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