‘Há racismo estrutural dentro do FA no Brasil’, afirma Caião Pereira, ex-seleção brasileira

O ex-nose tackle falou sobre as dificuldades que os atletas negros ainda enfrentam na modalidade . Uma discussão que ainda é pouco realizada 

Caião Pereira relatou a luta de atletas negros dentro do FA Brasileiro
Caião Pereira relatou a luta de atletas negros dentro do FA Brasileiro-(Divulgação/Arquivo Pessoal)

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Não é segredo que o FA no Brasil cresce em número de fãs e praticantes do esporte. Também há uma gama de times e ligas que compõem o ecossistema da bola oval.

Outro fato é a qualidade esportiva dos talentos que “brotam” por aqui. Mas, um assunto ainda é tabu no meio, que se vende como aberto e inclusivo: o racismo no Futebol Americano disputado no Brasil.

A discussão se torna pertinente quando se observa que nas principais equipes os cargos de Head Coach, manager dos times e posições de maior responsabilidade, como os QB´s, são destinados a pessoas brancas.

O cenário de um distanciamento social no momento de ter negros e negras em funções chave nas equipes de campo e fora delas não é um privilégio brasileiro. Na NFL, por exemplo, até poucos anos atrás a posição de quarterback era dominada por atletas brancos.

Houve algumas mudanças que propiciaram a entrada de jogadores negros na posiçao mais “cerebral” e cultudada do FA. Das 32 franquias da NFL, apenas sete contam com QB´s negros: Patrick Mahomes, nos Chiefs, Russell Wilson, dos Seahawks, Lamar Jackson, do Ravens, Deshaun Watson,dos Texans Kyler Murray, dos Cardinals, Cam Newton, dos Patriots e Jalen Hurts, dos Eagles.

Para ter uma visão de como é o contexto brasileiro, falamos com Caio Henrique Lucas Pereira, conhecido como Caião Pereira, que tem uma caminhada firme no FA Brasileiro. Ele tem passagens por Lusa Lions, de São Paulo, Timbó Rex, de Santa Catarina, Yeditepe Eagles, da Turquia, duas passagens pela seleção brasileira, incluindo participação no histórico jogo entre Brasil e Argentina, em 2017 , disputado no Mineirão. Também foi head coach, entre outras vivências marcantes no esporte. Currículo não falta para o ex-nose tackle.

Acostumado a encarar gigantes das linhas rivais, Caião detalhou como ainda há, infelizmente, o racismo estrutural no Futebol Americano no Brasil, algo que é pouco discutido e como tem lutado contra esse mal visível e às vezes invisível, que gerou um projeto de apoio e denúncias de racismo no FA.

-Com o Lucyen Christyen, dono da página NFL da Zueira, e o Matheus Borges, que joga pelo João Pessoa Espectros criamos um grupo para que pudéssemos denunciar casos de racismo no futebol americano. O grupo se chama Coalizão Negra da FA BR-disse, afirmando em seguida, que o que ocorre no FA é um reflexo do que vivemos no país e no mundo, de forma estrutural.

- A situação do racismo no futebol americano nacional é reflexo do racismo do mundo, do Brasil. O que é isso? É um racismo estrutural onde o negro está dedicado a funções operacionais. Se você entrar numa equipe hoje, não tem muitos atletas negros nos times. Porque é um esporte elitizado,caro e automaticamente isso mostra um reflexo da sociedade. Apesar de temos negros praticando, continuamos com aquela ideia de que o negro tem o seu o seu lugar pré-determinado no esporte. No caso do FA, posições de força e velocidade são dadas a negros, enquanto as posições mais cerebrais ficam com os brancos. Somos subjugados como inferiores em posições como quarterback e linhas ofensivas.

O problema relatado por Caião sai do campo e entra nas áreas de gestão do esporte de times, ligas e entidades.

-Você tem órgãos como a CBFA e federações que tem majoritariamente pessoas brancas no comando, pessoas brancas em todas as partes administrativas, pessoas brancas nas partes de comissão técnica e pouquíssimos negros nessas funções. Então eu acho que o problema que nós temos é o racismo estrutural que nos vê apenas como segurança de banco, faxineira, a tia que leva o café, o gari. Há pouquíssimos negros como gerente de banco, diretor de empresa, donos de seus negócios. Eu acredito que é essa diferença que nós temos de patamar entre o negro e o branco. Infelizmente ouço que a falta de negros em postos elevados é uma desculpa. Mas, não. É que o negro ainda tem mais dificuldades de encontrar e alcançar alguns cargos e degraus na sociedade- explicou.

Atletas não denunciam injúrias e racismo

O silêncio, forçado pelo ambiente em que se vive, é outro fator que dificulta o combate ao racismo no FA.

-Ainda se concentram nas injúrias que ocorrem durante os jogos e eventos quando há alguma posição oficial. Porém, se tenta resolver de uma forma simples, sem buscar responsáveis o ter ações afirmativas. Os atletas também não denunciam, pois não encontram espaços ou apoio para revelar algumas mazelas-disse.

Da bola oval, para a bola redonda: perdão a Júlio César e massacre a Barbosa

A temática do racismo no esporte trouxe uma comparação que se conecta com o relato de Caio Henrique: por que o goleiro Júlio César, da Seleção Brasileira que jogou a Copa do Mundo de 2014, titular no famoso 7 a 1 para a Alemanha teve mais “compaixão” do que Barbosa, que em 1950, foi acusado de ser o responsável pela perda do título mundial para o Uruguai, sendo massacrado por anos?

-Um goleiro como o Barbosa, negro, foi subjugado, por uma falha que não cometeu na final contra o Uruguai, em 1950. O Júlio César levou sete gols da Alemanha e contou com mais solidariedade e até recebeu uma proposta para trabalhar em uma emissora de TV. O negro tem todas as qualidade físicas e mentais para ocupar diversos postos, mas ainda é visto como cidadão de segunda classe.

E para melhorar o cenário? O que fazer?

-Eu acho que primeiro precisamos dar oportunidades. A oportunidade é onde a gente percebe que os atletas conseguem ter um olhar de destaque. Apesar que o nosso esporte por ser elitizado, ainda temos também alguns negros que acham que nós somos todos iguais infelizmente. Por isso o trabalho da Coalizão do FA BR vem com essa ideia de conscientizar, informar. Infelizmente a pandemia atrapalhou um pouco nosso projeto. Mas a ideia é criar canais para denúncias de racismo e também ferramentas para que o atleta negro tenha mais consciência da sua história. Temos dentro do próprio grupo historiadores que contam a história do negro na América do Sul, a questão da escravidão. Queremos que os atletas negros no Brasil consigam chegar numa posição de um head coach, de um coach de defesa de ataque, colocá-los em papéis de destaque.

E o papel da CBFA?

-Tenho críticas à confederação e federações. Nenhum esporte cresce sem crítica, mas infelizmente alguns órgãos no futebol americano e no esporte em geral, não gostam de contestações, mesmo que seja construtiva. Para casos de racismo e injúrias não há qualquer punição aplicada. Daí, que termos a proposta da coalizão é para entrar na confederação mecanismos para que haja punições e prevenções contra o racismo. Só com exemplos duros e até exclusão, uma mudança poderá ser vista de fato. Se na diretoria da CBFA não há nenhum membro negro ou alguém em postos-chave, a gestão já começou errada.

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