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PCC no futebol: agências suspeitas de lavagem de dinheiro têm mais de 200 atletas

Três das quatro empresas de agenciamento investigadas reúnem cerca de 200 jogadores

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André Caramante
São Paulo (SP)
Dia 27/09/2025
04:00
Foto: Reprodução
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Três das quatro empresas de agenciamento investigadas reúnem cerca de 200 jogadores — de promessas da base a estrelas internacionais — e são apuradas por suposta movimentação de dinheiro do tráfico em operações financeiras ligadas ao PCC
Resumo supervisionado pelo jornalista!

Lion Soccer Sports, UJ Football Talent e FFP Agency, três das quatro empresas de agenciamento de jogadores de futebol investigadas sob suspeita de ligação com a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) têm, juntas, aproximadamente 200 atletas entre seus agenciados — de meninos nas categorias de base de grandes e pequenos clubes do Brasil até estrelas com fama internacional e convocação para a Seleção Brasileira. A quarta agência, a Promoesporte Brasil, está na investigação; o rastreio dos negócios dela segue em curso.

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Atletas agenciados por empresa investigada por relação com o PCC

As agências de jogadores de futebol entraram no radar da Polícia Civil de São Paulo, do Ministério Público e da Polícia Federal em dezembro de 2021, após os assassinatos de Anselmo Becheli Santa Fausta, o “Cara Preta”, um grande fornecedor de drogas para o PCC, e de seu braço direito, Antonio Corona Neto, o “Sem Sangue”, no bairro do Tatuapé, zona leste de SP. Sem Sangue, de acordo com a polícia, atuava na Promoesporte Brasil.

Para os investigadores, a suspeita é a de que o PCC utiliza essas empresas para movimentar dinheiro obtido com o tráfico de drogas por meio de contratos, comissões e negociações no futebol, num esquema financeiro complexo que mistura exploração de talentos da bola e lavagem de dinheiro. As empresas aproveitam a ascensão rápida e valorização dos jogadores para intermediar vendas, empréstimos e remunerações, camuflando recursos ilícitos em transações esportivas.

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Até o momento, não há evidências nas investigações que comprovem a participação ou o conhecimento dos atletas e demais agentes do futebol sobre as possíveis ligações criminosas das agências que os representam com membros da facção criminosa PCC. UJ Football Talent, FFP Agency, Lion Soccer e Promoesporte sempre informaram não ter ligação com a facção criminosa e que operam dentro da lei. 

Dentre os aproximadamente 200 atletas ligados às agências investigadas, destacam-se nomes de peso, incluindo duas estrelas que já conquistaram espaço na elite do futebol internacional e na Seleção Brasileira: o zagueiro Éder Militão, atualmente no Real Madrid e representado pela UJ Football Talent, com passe estimado em cerca de 50 milhões de euros; e Lucas Beraldo, defensor do Paris Saint-Germain, avaliado em torno de 20 milhões de euros, que integra o elenco da FFP Agency.

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Outros atletas conhecidos agenciados pelas empresas investigadas são:

  1. Du Queiroz (meio-campista, ex-Corinthians. Passou a ser representado publicamente pela FFP em 2021. Foi negociado para o Zenit, da Rússia. Valorizado com o aval técnico de Danilo Andrade, ex-jogador do time do Parque São Jorge, segundo as investigações, está hoje no FC Orenburg, também da Rússia)
  2. Igor Formiga (lateral-direito, ex-Corinthians, negociado pela FFP Agency, atualmente no Juventude)
  3. Emerson Royal (lateral-direito, ex-base do São Paulo e, hoje no Flamengo, com passagens por Betis, Barcelona, Tottenham, Milan, Atlético Mineiro e Ponte Preta; conectado nas investigações à Lion Soccer e UJ Football Talent)
  4. Murillo (zagueiro, ex-Corinthians e vendido ao Nottingham Forest, ligado à Lion Soccer)
  5. Vitão (zagueiro, ligado à Lion Soccer, do Internacional)
  6. Ramon (lateral-esquerdo, ex-Flamengo e emprestado ao Vitória, ligado à Lion Soccer)
  7. Guilherme Biro (atacante, ex-Corinthians e atualmente no Sharjah, ligado à Lion Soccer. Tem passagens pela Seleção Brasileira de base)
  8. Matheus Araújo (meio-campista, ex-base do Corinthians e atualmente no Ceará, ligado à Lion Soccer)
  9. Davidson (atacante, ligado à UJ Football Talent, do clube Basaksehir, Turquia)
  10. Luan Patrick (zagueiro, ligado à UJ Football Talent, com passagens por Athletico Paranaense, América Mineiro, RB Bragantino, Hellas Verona e, atualmente, no Estrela Amadora, Portugal)
  11. Rayan Lucas (meio-campista, ligado à UJ Football Talent, formado no Flamengo e atualmente no Sporting B, Portugal)
  12. Gustavo Scarpa (meio-campista, ligado à FFP Agency, ex-Palmeiras, Nottingham Forest, Olympiacos e, hoje, do Atlético Mineiro)
  13. Felipe Negrucci (volante, ligado à FFP Agency, do São Paulo)
  14. Caio Matheus (atacante, ligado à FFP Agency, ex-São Paulo)

À época inicial da investigação, Igor Formiga era da FFP. Há um ano, ele é representado pela Elenko Sprts Ltda.

Outras quatro mortes relacionadas ao PCC, além das execuções de Anselmo Cara Preta e Antonio Sem Sangue, se tornaram cruciais para que os investigadores aprofundassem as investigações sobre os esquemas de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas da facção.

As mortes de Rafael Maeda Pires (“Japa”) e do empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach foram marcos importantes para avançar nas investigações sobre as empresas de agenciamento de jogadores ligadas ao esquema de lavagem de dinheiro do PCC.

Rafael Japa, considerado sócio oculto da FFP Agency e integrante da facção, de acordo com as apurações, foi encontrado morto em maio de 2023, com um disparo na cabeça, em um carro no bairro do Tatuapé. Japa tinha influência direta nas decisões operacionais da agência, e mensagens de WhatsApp apontam que ele endossava e validava negociações, além de trabalhar próximo a outros membros do PCC, como Danilo Lima de Oliveira (“Tripa”), Anselmo Cara Preta e Antonio Sem Sangue.

A morte de Rafael Japa suscitou hipóteses de homicídio interno da facção ou suicídio forçado, ambas indicando clima de guerra e controle pela organização criminosa. O corte no comando da FFP Agency com a morte de Japa abriu brechas para que a polícia pudesse colher novas provas, rastrear movimentações financeiras e aprofundar a compreensão de como o futebol era usado para lavar o dinheiro do tráfico.

Atletas agenciados por empresa investigada por relação com o PCC

O rastreamento dos dados telefônicos de Rafael Japa revelou sua conexão com Danilo Gabriel de Andrade, ex-jogador de futebol e técnico das categorias de base do Corinthians. Entre janeiro de 2021 e junho de 2024, Danilo foi treinador das equipes Sub-23 e Sub-20 do Corinthians, período em que seu aval técnico era visto como fundamental para validar jovens talentos que deveriam ser priorizados para agenciamento por empresas ligadas ao esquema criminoso. Em 2012, como jogador, ele foi campeão mundial pelo clube. 

Em conversas interceptadas de um grupo de WhatsApp chamado “Sports!”, Filipe Tancredi (dono formal da FFP Agency) e Rafael Japa consultavam Danilo para confirmar a qualidade dos atletas. Um caso emblemático do crivo de Danilo é o do meio-campista Du Queiroz, destaque da base do Corinthians, que em 2021 foi aprovado tecnicamente por Danilo como "o melhor jogador que ele tem no elenco do Sub-23" e comparado ao ídolo Paulinho. 

Essa validação serviu como um “crivo técnico” para que a FFP Agency avançasse nas negociações de representação do atleta, incluindo contratos e procurações. As conversas indicam pagamento de valores (como "100k" frente a uma oferta de "50k"), sem detalhamento claro, possivelmente ligados a comissões, luvas ou entradas, caracterizando uma negociação estruturada sob influência da facção.

Rafael Japa, conforme revelam as apurações, tinha influência direta em decisões operacionais da FFP Agency, endossando negócios que contavam com a indicação de Danilo. A morte de Japa em 2023, com um tiro na cabeça, representou um ponto de inflexão para as investigações, abrindo espaço para aprofundamento da conexão entre PCC, agenciamento e o contrato de patrocínio que mobilizou milhões.

Até o momento, não há indícios de que Danilo Andrade, Du Queiroz ou outros atletas soubessem da origem ilícita dos recursos vinculados às empresas que os representam. A atuação de Danilo limitou-se, segundo as investigações, à avaliação técnica dos atletas, sem envolvimento direto nas transações suspeitas.

Este emaranhado revela a influência de figuras do futebol legítimo como Danilo, que, ainda que sem conhecimento formal, acaba participando de um sistema que facilita a lavagem de dinheiro da maior facção criminosa do país por meio do esporte.

Já a execução de Gritzbach, em novembro de 2024, com dez tiros disparados por policiais militares no aeroporto de Guarulhos, segundo o Ministério Público, teve ainda mais impacto sobre o caso. Gritzbach era apontado como o elo central da lavagem e da movimentação de milhões do PCC convertidos em criptomoedas e aplicados por meio de empresas de agenciamento. 

Sequestrado pela facção em janeiro de 2022, ele foi submetido a um “tribunal do crime” e submetido a horas de tortura e ameaças de esquartejamento. Sua colaboração premiada descreveu o circuito e entregou anexos que embasaram novas linhas de apuração sobre a engrenagem de lavagem envolvendo a Lion Soccer Sports, UJ Football Talent e FFP Agency. A partir das confissões e documentos entregues por Gritzbach, a polícia mapeou as conexões entre a facção, as agências e os atletas, identificando o uso dos contratos e comissões para dar aparência legal ao dinheiro ilícito.

Danilo Tripa e lateral Ramon
Danilo Tripa e lateral Ramon

Danilo Tripa é uma das figuras centrais na investigação que expõe a infiltração do PCC no futebol brasileiro. Apontado pelas autoridades como integrante ativo da facção, Tripa se destacou não apenas pelo papel funcional na lavagem financeira do crime organizado, mas também pela sua reputação dentro da organização como um operador violento e decisivo.

Amigo de infância de Anselmo Cara Preta — intermediador do tráfico de cocaína para mercado interno e externo para o PCC — Tripa foi investigado sob suspeita de participação no sequestro do empresário Gritzbach, acusado de ser o mandante das mortes de Cara Preta e Sem Sangue. Durante esse sequestro, que durou nove horas em um local que servia como alojamento para jovens atletas, Tripa foi descrito como o mais violento e cruel, chegando a ameaçar o empresário com esquartejamento caso ele não ressarcisse R$ 200 milhões desviados em operações com criptomoedas pelo PCC.

No campo, Tripa mantém um perfil público mais discreto, mas aparece nas investigações como dono da Lion Soccer Sports. Ele figurou em eventos públicos como a apresentação do lateral-direito Emerson Royal ao Barcelona em 2021, momento em que apareceu ao lado do atleta, do presidente Joan Laporta e do empresário Ulysses Jorge, dono da UJ Football Talent. Essa imagem reforça a presença de Tripa em ambientes formais do futebol, apesar das suspeitas de ligação dele com o crime.

A UJ Football Talent é outra das três principais agenciadoras de jogadores investigadas no esquema de lavagem de dinheiro ligado ao PCC. Com escritório no Brasil e em Portugal, a empresa é comandada pelo ex-jogador do Palmeiras Ulysses Jorge, que assumiu papel de destaque dentro da teia criminosa que movimentava milhões por meio dos contratos e comissões do mercado esportivo.

Ulysses Jorge e Éder Militão
Ulysses Jorge e Éder Militão

A suspeita da ligação da UJ Football Talent com o esquema criminoso se intensificou a partir das investigações sobre o milionário contrato de patrocínio da empresa de apostas esportivas Vai de Bet com o Corinthians, assinado em janeiro de 2024 e avaliado em R$ 360 milhões. 

Relatórios oficiais das autoridades revelam que parte dos valores desviados desse contrato ilícito circulou por uma cadeia de empresas de fachada — Rede Social Media Design, Neoway Soluções Integradas, Wave Intermediações e Tecnologias, Victory Trading — até chegar à conta da UJ Football Talent. Esse aporte financeiro reforça suspeitas de que a agenciadora não era apenas um negócio de representação de atletas, mas uma peça central na engrenagem de lavagem do dinheiro do tráfico promovida pelo PCC e seus aliados no futebol.

O ex-jogador Ulysses Jorge, à frente da empresa, tornou-se réu por lavagem de dinheiro, acusado de se beneficiar diretamente da triangulação financeira que drenou recursos desviados do contrato de patrocínio do Corinthians com a Vai de Bet. O caso ajudou a expor como o futebol, com sua estrutura comercial complexa e movimentação milionária, virou terreno fértil para a entrada do crime organizado, camuflando ganhos ilícitos por meio de contratos de atletas e empresas legítimas.

Apesar da investigação apontar para o envolvimento da UJ Football Talent no esquema, também não há, até o momento, indícios claros de que os atletas agenciados soubessem da origem das verbas ou da complexidade criminal que sustentava essas operações financeiras.

Procurados pelo Lance!, os citados na reportagem não foram localizados.

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