‘O futebol brasileiro perdeu sua essência e tornou-se um negócio’, diz Rodrigo Lima, do Dead Fish

Convidado do 'De Casa com LANCE!', vocalista da banda de hardcore critica processo de elitização do futebol nos últimos anos e conta como nasceu a sua paixão pelo Flamengo

Rodrigo Lima - Dead Fish
Vocalista do Dead Fish afirma que ingresso tem que ser acessível ao torcedor (Foto: Divulgação/Instagram)

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A conexão com um estádio 'padrão Fifa' não é instantânea para Rodrigo Lima, vocalista da banda de hardcore Dead Fish há quase 30 anos. Para o músico, o modelo de negócio atual e a elitização são prejudiciais ao futebol e considera negativo o distanciamento das camadas populares das arquibancadas.

- O futebol brasileiro perdeu muito da essência porque se tornou um negócio, uma coisa de vender pay-per-view, times de empresários para lucrar e vender para a Europa, China etc. E eu comecei a me conectar com essas ligas menores - disse o cantor, que lamentou ainda o ingresso ser inacessível aos torcedores:

- Definitivamente o futebol virou um banco de investimento no Brasil. Na base já tem muita gente de olho. Isso no mundo inteiro, na verdade. Não sou contra o pay-per-view vender jogo, mas o ingresso tem que estar acessível para as pessoas assistirem ao seu time do coração. Eu moro a um quilômetro do Allianz Parque e fui lá assistir um jogo, é legal pra caramba, é bem iluminado, é um baita estádio... Mas sei lá, senti falta de algumas coisas.

Convidado do "De Casa Com o LANCE!" na última terça-feira, o capixaba ainda comentou sobre a paixão pelo Flamengo e contou como foi a "passagem de bastão" na sua família, que era ligada ao futebol (assista ao vídeo abaixo).

- Meu avô esteve no Maracanazzo em 1950. Meu pai é capixaba, mas viveu muito tempo no Rio de Janeiro porque meu avô era de lá. Ele ia muito ao Maracanã, mas eu fui pouquíssimo com meu pai. No meio da adolescência, eu comecei a sentir que não queria mais estar tanto no meio do futebol, comecei a andar de skate. Minha filha é flamenguista e nascida em São Paulo. Ela pode ser o que ela quiser, desde que seja flamenguista (risos), não tem problema nenhum. No Espírito Santo, a liga capixaba é muito fraca e existe uma conexão muito forte com o Rio de Janeiro. Minha companheira é Vasco. O Vasco no Espírito Santo, no meu ponto de vista, é o time de colônia. E tem aquela coisa da preponderância da época da ditadura que você não pode negar que só a Globo pegava, então vivemos muitos anos sob a influência do Campeonato Carioca. Meu pai era extremamente ligado ao futebol. Não conheci meu avô, ele morreu dois anos antes de eu nascer. Pelo o que meu pai diz, meu avô desencanou um pouco do futebol depois do Maracanazzo. Continuou torcendo pelo Flamengo, mas de uma forma diferente.

Confira abaixo outros trechos da entrevista de Rodrigo Lima ao LANCE!.

GERAÇÃO ZICO E A INFÂNCIA RUBRO-NEGRA
Rodrigo Lima: 
É o time que eu carrego na minha memória de infância. Foi a primeira vez que pude virar uma noite assistindo futebol, que foi aquele jogo em Tóquio (decisão do Mundial contra o Liverpool em 1981). Me lembro da batalha da Libertadores, meu pai xingava e gritava muito. Eu e meus irmãos pequenos também torcíamos. Lembro do jogo contra o Cobreloa, do pisão na coxa do Nunes... Eu gostava muito desse tipo de futebol, tanto é que hoje ainda gosto muito da Libertadores e não sou apegado à liga brasileira.

BI DA LIBERTADORES E A DIFERENÇA ENTRE GERAÇÕES
- Estava no Paranaguá, no literal paranaense, um frio e chuva. Foi um jogo lindo. Eu estava sozinho e a equipe da minha banda são todos paulistas e paulistanos, sendo que alguns eram palmeirenses e estavam todos ali secando. Eu fiquei calado dentro do meu quarto e quando rolou o gol no final, lembro que saí na rua só de bermuda e estava chovendo. Encontrei um cara sozinho comemorando na rua. A torcida do Flamengo tem em qualquer lugar. A gente se abraçou, eu sem camisa e estava ventando muito. Pulando e cantando sozinho mesmo. Comemorei com um amigo por áudio de telefone também.

É bem diferente. Aquele futebol de 81 era outra coisa. Não que eu não goste do futebol da molecada de hoje em dia, gosto muito, tem o Gabriel Barbosa, Arrascaeta, Everton Ribeiro, Bruno Henrique... O Flamengo tem um baita time. Mas o sentimento é complicado. Eu acho o Landim um lixo, uma porcaria de presidente, mesmo ganhando tudo. Ele comete erros cruciais.

Flamengo x River Plate - Campeão
Rodrigo Lima vibrou com a segunda conquista rubro-negra (Foto: AFP)

ENCANTAMENTO COM A SELEÇÃO DE 1982
- Eu lembro da seleção de 82 que assisti com meu pai. No meu ponto de vista, não sei se eu era criança demais, mas foi a seleção mais sensacional que eu vi jogar na vida. Eu lembro da tristeza do meu pai. Na época fiquei triste, mas era tristeza de criança. Talvez isso tenha sido o Maracanazzo dele.

BASQUETE NA ADOLESCÊNCIA E TORCIDA PELOS "BAD BOYS"
- Entrei na escolinha com seis anos de idade. Meu pai, como torcedor, queria que eu fosse jogar de futebol. Mas eu não era bom. Até aprimorei bem. Com 11 anos fui para o basquete, mas eu era baixinho. Entrei no mirim do Alvares Cabral, joguei um ano e jogava legal, mas passou um ano e todo mundo cresceu, mas eu não. O técnico dispensou e foi bastante triste esse momento.

- Sou torcedor do Detroit Pistons desde os anos 90. Antes da pandemia estava em Nova York e fui no Madison Square Garden para assistir New York Knicks e Detroit Pistons. O jogo foi feio, mas foi lindo estar lá. Fui no último jogo antes da cidade entrar em "lockdown". Vi todo aquele lance de jogar camiseta dos times e tudo mais. Fiquei desligado da NBA durante um bom tempo, mas o meu camarada Juninho Sangiorgio, que torce pelo Celtics, começou a me instigar.

- Isiah Thomas, Bill Laimbeer, Joe Dumars, Dennis Rodman... Acompanhei os dois títulos. Não lembro se no Brasil era televisionado, mas eu tinha parentes em Michigan na infância, então ganhei camisas e vídeos dos caras. O Detroit sempre foi um time mais raçudo. Dizem que era um time desleal, vi até o documentário do Jordan ("Arremesso final") que ele desce a lenha nos Pistons, mas aquele time era bastante coeso, até para azedar o jogo. Mas eles eram muito talentosos.

Maradona - Cabelo Loiro
Músico acompanhou Maradona em ação (Foto: Divulgação)

IDA À BOMBONERA E PAIXÃO PELO FUTEBOL ARGENTINO
- Eu vi o Maradona jogando na Bombonera contra o Rosario Central com o cabelo pintado com duas cores. Foi marcante. Já fui muitas vezes na Argentina e todas as vezes tento visitar o bairro, tem uma cultura diferente de futebol, que é bem parecida com São Cristóvão e Vasco. O Rosário Central tomou uma surra do Boca com o Maradona perdendo pênalti. Onde eu vou tento assistir um jogo. Já conheci o estádio olímpico da Alemanha, assisti um jogo do Hertha Berlim, que não é o estádio que Hitler construiu, mas sim o estádio que Jesse Owens ganhou quatro medalhas na cara do Hitler, importante pontuar isso.

- Sempre gostei muito do futebol argentino por ser mais coletivo, aquilo de 'toco y me voy', coletividade. Hoje eles têm menos craques, mas sempre gostei bastante da força e pressão, até um pouco da catimba. É do jogo. E comecei a admirar muito o time da Argentina quando o Maradona começou a jogar, apesar de amar o Zico e toda aquela geração de 82. Quando chegou nos anos 90, aquilo foi explosivo. Já fui no estádio do Racing, da Bombonera e outros estádios de bairro. Eu gosto do jeito que eles jogam.


APROPRIAÇÃO POLÍTICA DA CAMISA DA SELEÇÃO 
- A camisa verde e amarela hoje representa um movimento de direita conservador, golpista, autocentrado... Simplesmente não me interesso mais pela camisa verde e amarela. Talvez use a camisa azul em algum momento quando achar que o futebol brasileiro tenha transcendido esse momento de fascismo, homofobia, etc... A camisa da Seleção não representa mais a ideia de futebol, representa uma ideia de direita conservadora, estúpida, elitista, mentirosa e golpista.

- Temos uma postura muito forte desde antes do golpe da Dilma, mas ali as coisas ficaram mais claras. Esse medo de falar de política é talvez porque o futebol no Brasil não tem o significado cultural que tem, já tem um significado mais comercial. E as pessoas tentaram enquadrar a minha banda nesse sentimento. Esse governo neofascista que venceu com esse discurso é absolutamente político. Eles têm uma agenda política de extrema direita, de destruição de direitos da população. Futebol não é só futebol. Música não é só música. Você é parte disso tudo, isso já é uma postura política.

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