Especial LANCE!: acusações, divergências, abusos… os pedidos do Flamengo contra a Globo na Justiça

Terceira reportagem da série especial do L! com os bastidores da disputa entre o clube e a emissora destrincha os pedidos rubro-negros, judicialmente, contra detentora de direitos

Contrato Flamengo x Globo - Inicial Fla
Trecho da inicial do Flamengo no processo contra a Globo no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Reprodução/L!)

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O LANCE! está apresentando nesta sexta-feira uma série de reportagens especiais sobre a disputa entre Flamengo e Globo. No fim de janeiro, o Rubro-Negro entrou com um processo contra a emissora no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), discutindo o acordo que regula os direitos de transmissão e exibição dos jogos do clube no Campeonato Brasileiro, até 2024. Mas o atrito não foi de agora. Em agosto de 2019, as partes trocaram notificações, o Rubro-Negro cobrou na época R$ 5.886.490,59 da emissora, que respondeu em 18 de setembro de 2019, negando a dívida. Somente no fim de janeiro que o caso parou na Justiça, com temas relacionados a acusações, divergências e abusos. O L! teve acesso aos autos do caso, a inicial, e destrincha agora nesta terceira parte do especial.

A inicial do Flamengo no processo contra a Globo contém 43 páginas. O clube começou a apresentação no TJRJ dizendo que a ação ocorre por conta da "divergência de interpretação e falta de consenso para necessária integração de contrato que regula a cessão de direitos de transmissão e exibição dos jogos do Flamengo no Campeonato Brasileiro de Futebol, em diversas vias e formatos de mídia. Pretende o Flamengo na Justiça obter decisão favorável para "declarar a correta interpretação de determinadas cláusulas relacionadas a contraprestações pecuniárias ajustadas e devidas" pela Globo, "suprir lacuna do contrato, através de sua integração, quanto a fluxo de pagamentos devidos ao Flamengo" e condenar a Globo "ao pagamento de valores devidos a título de remuneração e ressarcimento de custos previstos do contrato, conforme sua correta interpretação".

O Flamengo seguiu fazendo um resumo ao juiz sobre o cenário dos direitos de transmissão dos jogos e a história da relação dos clubes com o Grupo Globo. O Rubro-Negro citou que "com seu poderio econômico, o Grupo Globo por longo período conseguiu cobrir propostas de seus concorrentes para adquirir com exclusividade os direitos de transmissão e exibição dos jogos de todos os 20 clubes que participam anualmente do Campeonato Brasileiro de Futebol da série A, em todos os formatos de mídia". Mas citou que "o domínio do Grupo Globo deixou de ser absoluto, tendo alguns clubes de futebol, nas últimas temporadas, cedido determinados direitos de transmissão, em especial os relacionados a TV fechada – com assinatura paga -, a terceiro concorrente do Grupo Globo".

Esta entrada do Grupo Turner, por meio do Esporte Interativo e a TNT, fez a Globo "deixar de ter exclusividade para exibição de todas as partidas em todas as mídias possíveis". O Flamengo afirmou que a Globo, então, passou a ter interesse em "impedir que a concorrência exibisse sozinha determinados jogos", e isto "fez com que a Globo passasse indevidamente a considerar a relação jurídica de terceiros como influente sobre suas obrigações contratadas com o Flamengo, com abuso de direito e em prejuízo deste". O clube do presidente Rodolfo Landim ainda argumentou que enfrentou "insustentável resistência" da Globo em cumprir as obrigações - fazendo referência às notificações trocadas entre as partes ainda em 2019.

Ao comentar na inicial sobre os contratos com a Globo nas temporadas anteriores e atual, o Flamengo afirmou que "devem ser considerados os contratos de cessão de direitos firmados entre as partes no ano de 2011, que se referem às temporadas dos anos de 2012 a 2015, seus respectivos aditivos firmados em 2012, que tratam da prorrogação de prazos contratuais para inclusão das temporadas de 2016 a 2018, bem como o contrato formado a partir de aceitação de Proposta enviada ao Flamengo pela Ré em 04 de abril de 2016, que trata da cessão dos direitos para as temporadas dos anos de 2019 a 2024".

Foram seis os contratos firmados entre as partes em 31 de maio de 2011, que tratam de maneira individualizada dos diversos canais de mídia. Estes contratos tiveram seus prazos prorrogados através de termos aditivos firmados em agosto de 2012 para incluir a cessão dos respectivos direitos de 2016 a 2018. Para 2019 a 2024, foi a proposta assinada em 4 de abril de 2016 (confira os detalhes de cada contrato ao longo desta série especial).

Contrato Flamengo x Globo - Inicial Fla
Outros trechos dos pedidos do Flamengo na inicial contra a Globo na Justiça do Rio de Janeiro (Foto: Reprodução/L!)

O Flamengo alegou existir três divergências contra a Globo por meio dos contratos: "cessão dos direitos de transmissão e exibição de jogos em 'Televisão Aberta, Televisão por Assinatura, Internet, Telefonia Móvel, Vídeo sob demanda e circuito fechado no Brasil e exterior'", "Despesas com logística e deslocamento" e "Participação do Flamengo na receita líquida sobre venda de serviço de Oferta Direta dos Jogos - Divergência quanto ao conceito de receita líquida".

Na primeira divergência, o Flamengo apontou que "foi previsto como base de cálculo da contraprestação devida ao Flamengo um “Valor Total de Referência” de R$ 1,1 bilhão, sobre os quais foram estabelecidas fórmulas de divisão de pagamentos previstas em três diferentes partes, baseadas em três diversas causas – (i) “Participação Igualitária”, (ii) “Premiação por Performance”, e (iii) “Participação por Exposição”". O ponto de conflito é relacionado ao cálculo da “Participação por Exposição”. "A fórmula de apuração do valor devido ao Flamengo considera o número total de jogos do clube transmitidos/exibidos pelo Grupo Globo (“Aparições do CLUBE”) dividido pelo número total dos jogos do campeonato transmitidos/exibidos na respectiva temporada (“Total de Aparições”)", argumentou o Rubro-Negro.

A argumentação do Flamengo seguiu dizendo que "são considerados somente os jogos transmitidos/exibidos nas TVs aberta e fechada, com exclusão dos jogos transmitidos através do sistema pay-per-view". E que "a proporção encontrada a partir de tal fórmula corresponde ao percentual devido ao Flamengo a ser aplicado sobre a parcela de 30% do Valor Total de Referência". Com isto, o Flamengo acusa a Globo de vir aplicando, "indevidamente, no cômputo de jogos totais do campeonato transmitidos, não apenas aqueles por ela transmitidos, mas também aqueles jogos de times que cederam seus direitos para exibição por terceiros (Esporte Interativo)". O clube se defende que "isso afeta diretamente a proporção de Aparições do Flamengo na fórmula ajustada entre as partes e que não poderia ser influenciada por situação não prevista no contrato".

O Flamengo segue acusando a Globo, dizendo que "manobram para que os jogos do Flamengo não sejam exibidos em TVs aberta e fechada, e sim no sistema pay-per-view, quando existe a chance de dar lugar, na TV aberta, à exibição dos mesmos jogos exibidos por seu concorrente Esporte Interativo, com a finalidade de esvaziar e impedir a audiência exclusiva deste em TV Fechada. Ou seja, priorizando a exibição de jogos do Flamengo pelo sistema pay-per-view, que não são computados no cálculo de apuração do “Fator de Exposição” do Clube, a Globo provocou a redução da participação do Flamengo nesta parte da remuneração contratada (“Participação por Exposição”), em manifesta violação ao princípio da boa-fé, notadamente por violação aos deveres anexos de colaboração e cooperação". A questão do fluxo mensal de pagamentos também foi citada pelo Flamengo, que pede para o magistrado integrar o contrato.

Na segunda divergência, o Flamengo aponta que no contrato firmado com a Globo para as temporadas de 2011 a 2015, sobre à cessão dos direitos de transmissão em televisão por assinatura, depois prorrogado até 2018, "prevê, em sua cláusula dezoito, obrigação da emissora de ressarcimento de custos relativos a passagens aéreas ou rodoviárias dos membros da delegação do Flamengo para locomoção aos locais de todos os jogos do campeonato". Esta condição também está presente na cláusula 14 do contrato da TV aberta, pelo ressarcimento de custos com logística e deslocamento.

O Flamengo aponta três principais divergências na interpretação de cláusulas contratuais com a Globo, pelos direitos do Brasileirão

A Proposta aceita pelo Flamengo, para os anos entre 2019 a 2024, estabelece "que a mesma é complementada pelas disposições previstas nos contratos de cessão de direitos (...) celebrados pelo clube com a Globo para as temporadas de 2012 a 2018, no que tais contratos não conflitarem com a Proposta”. O Flamengo entende que "tais previsões de ressarcimento de custos não são incompatíveis com as disposições da Proposta" por não se confundirem "com a remuneração em contrapartida ao conjunto dos direitos cedidos", acreditando ter direito a ser ressarcido.

Já na última divergência, o Flamengo aponta ser relacionado ao contrato pelo "conceito de receita líquida na cláusula da Proposta que prevê a participação do Flamengo sobre 50% da receita líquida gerada pelo serviço que se denominou “Oferta Direta de Jogos”". O Rubro-Negro afirmou que a Globo "ao apresentar planilha de apuração do que seriam as receitas líquidas sobre os serviços em questão, realizou descontos que não se limitam a impostos, tendo elas incluído no cálculo despesas com comissões pagas a empresas do grupo e custos diversos com a operação, tendo assim apresentado ao Flamengo um cálculo relativo ao lucro da operação, que não se confunde com receita líquida, sendo esta a base de cálculo da participação devida ao Flamengo". O Fla pede a condenação da Globo pela diferença a ser apurada desta divergência.

No tópico seguinte da inicial, é citada a "tentativa do Grupo Globo de se enriquecer indevidamente às custas do Flamengo". Ao argumentar e mostrar jurisprudência que entende ser a correta, o clube pede ao juízo que para que seja reconhecido que "o cálculo da remuneração denominada “Participação por Exibição” prevista na Cláusula 1.2, item III da Proposta", seja apenas os jogos exibidos ou transmitidos pelo Grupo Globo.

O Flamengo ainda fala de um "abuso de direito" da emissora, que estaria "se distanciando tanto da boa-fé, como do objetivo econômico da cláusula (remuneração por exibições) ao selecionar a grande maioria dos jogos dos quais o autor participa para serem exibidos exclusivamente em canal Pay per View, o qual não é contabilizado para a regra de “Participação por Exibição”. O Flamengo seguiu os seus argumentos, dando o valor para efeitos fiscais da causa, meramente estimativo, em R$ 100 mil.

Contrato Flamengo x Globo - Atual
Trecho do atual contrato do Flamengo com a Globo que é considerado como clube e alvo de divergência com a emissora (Reprodução/L!)

OS PEDIDOS DA INICIAL DO FLAMENGO NA JUSTIÇA

O Flamengo terminou a inicial com os pedidos contra a Globo na Justiça, aguardando o deferimento dos mesmos. Confira-os:

"(i) declarar que, para o cálculo da remuneração denominada “Participação por Exibição” prevista na Cláusula 1.2, item III da Proposta, apenas os jogos exibidos/transmitidos através dos meios de comunicação do Grupo Globo devem ser considerados, condenando a Ré a promover os pagamentos da diferença a ser apurada em liquidação a partir da inobservância desta obrigação;

(ii) Seja suprida lacuna da Proposta quanto ao fluxo de pagamentos devidos ao Flamengo no que se refere a remuneração denominada “preços por temporada” (item 1.2 da Proposta), mediante acolhimento do fluxo de pagamento detalhado nos parágrafos 72 a 76;

(iii) Seja reconhecida a obrigação da Ré ao ressarcimento dos custos relativos a passagens aéreas ou rodoviárias dos membros da delegação do Flamengo para locomoção aos locais de todos os jogos do campeonato, bem como custos de hospedagem, conforme cláusulas 14ª do contrato original de TV aberta e 6ª do contrato original de TV fechada, para condená-las ao pagamento de tais despesas, inclusive as já incorridas, em data anterior ao ajuizamento da ação, a serem apurados em liquidação de sentença;

(iv) Seja declarado que, para o cálculo da participação do Flamengo em razão da venda do serviço que se denominou “Oferta Direta de Jogos, a definição da expressão “Receita líquida” seja aquela prevista no art. 208, § 1o do Decreto no 9.580/18, de modo que não sejam repassados ao Flamengo quaisquer custos operacionais, com a condenação da Ré ao pagamento de tais valores a serem apurados em liquidação de sentença; e,

(v) Seja a Ré condenada ao pagamento das custas e honorários advocatícios de sucumbência, nos moldes do art. 85, § 2o do CPC
".

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