Coluna do Bichara: ‘Três heróis no templo da F1: Halo, Hans e Sainz’

Para alegria do público recorde presente em Silverstone (mais de 450 mil pessoas ao longo do final de semana) e de todos nós foi a melhor corrida do ano


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Silverstone é a catedral da F1, onde, há 72 anos, a primeira prova foi disputada. Uma pista “pé embaixo” o tempo todo, onde os freios são usados em apenas 8% da volta. Para alegria do público recorde presente (mais de 450 mil pessoas ao longo do final de semana) e de todos nós foi a melhor corrida do ano.

No pré-GP, intenso burburinho fora da pista, decorrente de dois assuntos. O primeiro, claro, as desastrosas declarações de Nelson Piquet (não só racistas como homofóbicas) a respeito de Lewis Hamilton. Sobre isso muito foi dito, e não quero ser aqui repetitivo nem lacrador, destaco um aspecto que terminou (compreensivelmente) relegado, a saber, o mérito do comentário de Piquet: tremendo mimimi de sogro.

Carlos Sainz vence o GP da Inglaterra de Fórmula 1
Carlos Sainz venceu o GP da Inglaterra (Foto: JUSTIN TALLIS / AFP)

O tricampeão criticou Hamilton por ter dividido a lendária curva Copse, em 2021, com Max Verstappen (que acabou levando a pior, num acidente que poderia ter sido sério). De fato, ali não é um ponto típico de ultrapassagem, mas o traço distintivo dos grandes campeões é achar espaço onde os outros não enxergam. E foi isso que fez o inglês, jogando muito duro, mas limpo. A crítica de Piquet é improcedente. Logo ele, que é tão valente para algumas coisas, reclamando de curva dividida...


Ainda fora da pista, segue o barulho em torno das medidas anti porposing. Em suma, a FIA anunciou providências a partir do GP da França. Ao estudá-las para resumi-las aqui para meus poucos leitores, confesso que tive dificuldade para compreende-las. Mas não fui o único, pelo menos: Mike Elliot, o diretor técnico da Mercedes, indagado sobre o tema disse que: “Não sabemos muito bem como a coisa vai funcionar. Pelo que ouvimos da FIA, acho que é algo que eles terão que trabalhar, construir e descobrir como vai funcionar pragmaticamente”. Parecia a Zelia Cardoso de Melo explicando o bloqueio dos cruzados.

Na pista, muita chuva na classificação, especialmente entre o Q2 e o Q3, o que trouxe algumas surpresas como a primeira pole de Carlos Sainz (em seu 150º GP) e a chegada de Nicolas Lafiti ao Q3. Sainz foi seguido de perto por Verstappen, que separou as Ferrari. No encalce de Charles Leclerc veio Sergio Perez, seguido de Hamilton.

No domingo de sol havia muita expectativa pela largada, uma vez que Silverstone é a única pista do mundo onde há duas curvas antes da primeira freada, 650 metros após o grid. E não deu outra: um acidente cinematográfico na largada envolvendo Guanyu Zhou, Esteban Ocon e os dois pilotos da casa, George Russel e Alex Albon. O chinês percorreu longos metros de cabeça pra baixo após uma capotagem, sendo jogado no alambrado e ficando imprensado contra a barreira de pneus, coisa nunca dantes vista.

Zhou - Formula 1
O impressionante acidente de Guanyu Zhou (Ben Stansall / AFP)

Felizmente o piloto está bem, o que comprova a fantástica segurança dos carros de F1 hoje, e as nobres funções do Halo (aquela haste esteticamente estranha que fica em volta da cabeça do piloto, e tem esse nome porque seria a “auréola” do anjo da guarda) e do Hans (Head and Neck Support). Com a bandeira vermelha logo na primeira volta, a corrida foi suspensa. Ocon conseguiu chegar ao box com 3 rodas. Já Russel, que teve seu carro rebocado, foi visto tentando desenrolar a situação com os comissários da FIA, mas não deu. Acho que faltou um advogado ali...

Após quase uma hora, foi reiniciado o GP com uma largada eletrizante. Se na primeira, Verstappen (que vinha de pneus macios) ultrapassou Sainz, nessa segunda o espanhol não deu moleza e jogou duríssimo em cima do holandês voador, o empurrando em direção ao muro, e depois defendendo a tangência com bravura, terminando por manter a posição. Na 10ª volta, contudo, ele não resistiu à pressão do campeão do mundo e errou, virando presa fácil.

Mas Verstappen não estava com sorte: na 12ª volta ele teve um pneu furado, e levou o troco, sendo ultrapassado não só por Sainz como também por Leclerc, só lhe restou rumar para os boxes. As Ferrari lideraram até a volta 25, quando, após as paradas, Hamilton foi o ponteiro pela primeira vez no ano (numa pista onde já venceu 8 vezes). Enquanto isso Verstappen se debatia com a falta de grip, e reclamava muito pelo rápido. Posteriormente se descobriu que ele passou por cima de detritos que ficaram na pista após um choque das duas Alpha Tauri - danificando seu chassi.


Com o holandês fora do páreo, a briga parecia ter ficado mesmo entre os carros vermelhos. À volta 29, após a troca de pneus, Leclerc vinha indócil e colocou pressão na equipe pelo rádio. Deu certo – malandro é o cavalo marinho que finge ser peixe para não puxar carroça... Embora tenha ouvido de volta “you are free to fight”, não careceu luta, e na volta 31 houve uma inversão de posições, com o monegasco assumindo a ponta assim que Hamilton parou e voltou em 3º, atrás de Sainz.

Naquele momento parecia que Leclerc seguiria tranquilo para a vitória e reconquista da vice-liderança do campeonato, mas os deuses da F1 são caprichosos, ainda mais no seu templo. Na 39ª volta Esteban Ocon parou no meio da antiga reta dos boxes, ensejando a entrada do safety car. Sainz, Hamilton e tantos outros correram para por pneus macios, enquanto Leclerc inexplicavelmente ficou na pista com pneus duros e já bastante usados. Claro que ele virou o que os americanos chamam de sitting duck.

Assim que o Aston Martin verde saiu da pista vimos um final de corrida nervoso, com Sainz rapidamente assumindo a ponta (não sem antes implorar no rádio para que pudesse superar Leclerc). Como há muito não se via, 5 carros de equipes diferentes disputaram o 2º lugar (Leclerc, Hamilton, Perez – que surgiu do nada qual um foguete – Norris e Alonso).

A salvo pela pressão das outras equipes (que inviabilizava qualquer estratégia da Ferrari) o espanhol abria alguns segundos do pelotão, despontando para finalmente vencer. Mas a briga estava boa mesmo era atrás, e podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que vimos as dez voltas mais emocionantes do campeonato, com direito a inúmeras ultrapassagens, inclusive uma dupla de Hamilton em cima de Perez e Leclerc que vai ficar na história. Embora com pneus bastante desgastados, Leclerc deu show, protagonizando um duelo memorável com Hamilton.

Carlos Sainz - GP da Inglaterra
Foi a primeira vitória de um piloto espanhol de 2013 (JUSTIN TALLIS / AFP)


Sainz venceu pela vez primeira, sendo seguido por Perez e Hamilton que completaram o festivo pódio. Leclerc – prejudicado pelo inexplicável erro da Ferrari – conseguiu um heroico 4º lugar, seguido por Alonso, Norris e Verstappen – que ao final teve que suar para segurar na 7ª posição, quase sendo ultrapassado por Mick Schumacher (que, chegando em 8º, marcou seus primeiros pontos).
No campeonato temos os dois pilotos da Red Bull ainda liderando, Verstappen com 181 pontos e Perez com 137. A despeito da emoção desse domingo, parece impossível não reconhecer que isso se deu unicamente em função do problema no carro do holandês, que provavelmente deve seguir soberano.

Foi bonito ouvir o hino espanhol, que não era tocado na F1 desde 2013, ano da última vitória de Alonso. Sainz (que parecia não ter nada além de um passado promissor) precisou de 150 corridas para vencer, mas não esmoreceu. Esperou a 1ª vitória como um vigia espera a aurora. Na Espanha*, estima-se que desde o ano 1.700 tenham morrido 40 mil touros, contra 52 toureiros, entre os quais o grande Manolete. Pouca gente se lembra de Islero, o animal que o chifrou. Nas touradas, como na F1, só os vencedores costumam ser lembrados, e Carlos Sainz agora está nesse panteão.

* segundo Elio Gaspari

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