A saga do Pantanal para jogar a Copa São Paulo
Empurrados pelo sonho de viver do futebol, 20 garotos do Mato Grosso do Sul protagonizaram uma saga para jogar a 42ª edição da Copa São Paulo, a mais importante competição das categorias de base no Brasil. Peneirados em clubes, escolinhas e até times de várzea pelos grotões do Estado, formaram há menos de um mês o Pantanal, um dos desconhecidos entre os 92 times da Copinha.
O time montado no afogadilho peregrinou pelas paisagens pantaneiras para treinar, contou com doações para comprar material esportivo, passou as festas de fim de ano concentrado e encarou dez horas de ônibus até São José do Rio Preto. O LANCENET! acompanhou os últimos dias de preparação e a viagem dos garotos.
(Jogadores do Pantanal passam por odisseia para jogar a Copinha - Foto de Mauro Graeff Jr.)
O desafio dos meninos é do tamanho dos rios pantaneiros em época de cheia. Há 25 anos um time do Mato Grosso do Sul não passa para a segunda fase da competição. Sem tradição no futebol, os clubes locais sofrem com a falta de dinheiro. O único representante no Brasileiro é o Cene, na Série D. Todos sabem da disparidade técnica em relação aos outros times. Por isso, o objetivo é um só:
- Vamos dar a vida nas partidas da primeira fase. Vai que um empresário nos vê - diz Danilo Siqueira, 17 anos.
No Pantanal há jogadores de dez cidades do Estado, quase todas onde o futebol se resume a torneios amadores. Como a maioria dos candidatos a jogador, o grupo é formado por garotos pobres, repetidores do mantra de que “vão melhorar de vida para ajudar a família”. Com experiência de 25 anos como técnico, Eloi Kruger é um otimista, mas realista.
– Desses 20, talvez um tenha sucesso. Ou nenhum. O futebol é assim, infelizmente.
Os garotos do Pantanal sabem dessa realidade. Mas, após odisseia para chegar à Copinha, vão apostar. O grupo do Pantanal da Copinha é composto também por América-SP, Atlético-MG e Criciúma. A equipe estreia nesta terça, às 17 horas, contra o América.
Sem tempo para treinos, aposta é na motivação
Com menos de um mês para preparar o time, o técnico Eloi Kruger apostou na preparação tática e na motivação dos jogadores. A falta de tempo é uma das justificativas para não investir no reforço muscular. A outra é que o Pantanal não tem preparador físico.
- Precisava dar uma cara ao time, trabalhar o emocional do garotos, fazer eles acreditarem que podem - diz o treinador, homem conhecido no futebol do Mato Grosso do Sul, dono de um título estadual profissional.
FOTOS! A saga do Pantanal e seu caminho para a Copinha
A comissão técnica é formada apenas por Eloi e seu Adão, o faz-tudo do time. Ele é roupeiro, massagista, ajuda na alimentação e no que mais for preciso. O Pantanal que disputa a Copinha saiu do zero.
O nome do time já existia, é verdade. Só o nome. É um clube da cidade de Ladário, na fronteira com a Bolívia. Bolas, roupas de treino, uniformes de jogos foram comprados novos. Quase tudo bancado pela Federação de Futebol do Estado do Mato Grosso do Sul.
Diante das carências, o treinador gasta tempo em conversas e palestras para unir jogadores de time que até há pouco não se conheciam.
Mostra filme com histórias de superação. Uma sessão foi com o "Invictus", que conta a trajetória do líder Nelson Mandela. Superação é a palavra deste grupo.
Futebol virou a salvação na fronteira com a Bolívia
Em Corumbá, na fronteira com a Bolívia, papelotes de cocaína são vendidos a R$ 1. A divisa seca facilita a entrada da droga e possibilita que ela bata a porta dos jovens mais rapidamente do que em outros lugares. O futebol tornou-se um instrumento contra a entrada de garotos no tráfico internacional e no contrabando, crimes comuns em fronteiras.
De Corumbá, a 450 quilômetros de Campo Grande, vieram três jogadores para o Pantanal. Todos gostam de lá, mas, se tivessem opção, voltariam somente para visitar familiares. Queriam ficar em alguma parte do Brasil jogando bola.
- A situação lá é complicada. Se eu não der certo no futebol, não sei o que vou fazer. Muitos dos meus amigos que jogavam comigo e pararam com o esporte já estão presos por envolvimento com o tráfico - diz o atacante Luan Dhoseffer Baez dos Santos.
Tímido, o garoto de 17 anos já foi dispensado de testes no Palmeiras, Atlético-PR e Paraná.
Sonha em arrumar um time na Copa São Paulo. Caso não consiga, deverá voltar para a categoria de base do São João de Araras, interior de SP, pelo qual jogou parte de 2010.
- O futebol não é fácil. É um sonho que às vezes parece estar longe demais. Vou tentar mais um tempo. Esse torneio (a Copinha) é minha esperança.
Sonhos na peneira
Entre fim de outubro e início de novembro foram realizadas duas peneiras, em Campo Grande e Rio Brilhante. Foram selecionados 42 jogadores de dez cidades. Depois, 20 ficaram no grupo.
Em 7 de dezembro, foram para Três Lagoas, a 350 quilômetros de Campo Grande. Ficaram alojados embaixo do estádio da cidade e fizeram amistosos com times amadores.
Dia 27 foram para a cidade de Rio Negro, no meio do Pantanal. Ficaram em uma escola aproveitando o rio próximo para fazer hidroginástica
Dia 1 de janeiro começaram a viagem. Foram até Campo Grande, onde dormiram. Saíram às 8 do dia 2. Foram dez horas de viagem de ônibus até São José do Rio Preto em um dia tórrido num ônibus sem ar-condicionado.