Vela terá trocas de barco em 2024 e atletas protestam: ‘História no lixo’

Exclusão da Finn em Paris revolta velejadores, que veem desfiguração da modalidade. A alteração fará com que modelo individual para homens dê lugar a um para duplas mistas

Jorge Zarif
Jorge Zarif, campeão mundial, é um dos principais críticos da retirada da Finn (Foto: Jesus Renedo/ Sailing Energy)

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Uma parcela significativa da vela mundial declarou guerra à World Sailing, a Federação Internacional da modalidade, por nova decisão polêmica relacionada aos Jogos Olímpicos. Após a retirada da classe Star do programa do evento, em 2011, desta vez a entidade decidiu que outro barco tradicional, o Finn, perderá o lugar na disputa a partir da Paris-2024.

Em outubro, o órgão aprovou a entrada de um modelo misto para duas pessoas, o Keelboat, na vaga da Finn, em sua Conferência Anual, realizada em Sarasota (EUA). A classe que será excluída tem Jorge Zarif, campeão mundial em 2013 e quarto colocado na Rio-2016, como maior nome no Brasil e esperança de medalha em Tóquio-2020. Ele lamenta a medida.

– É um absurdo. A Star e a Finn são algumas das classes mais tradicionais da história. A World Sailing não tem a menor ideia do que está fazendo. Acham que a audiência baixa da vela nas Olimpíadas se deve ao programa atual das classes, então ficam tentando mudar tudo. Mas o problema não é esse. É uma decisão política, não técnica. Os maiores ídolos da história estavam nessas classes, como o (Robert) Scheidt. Estão jogando a história no lixo. Não é tão inesperado por sabermos como funciona a federação. Muito lobby e pouco conhecimento de vela – afirmou Zarif, ao LANCE!, durante a Star Sailors League Finals, que ele venceu no sábado, em Nassau (BAH), com Pedro Trouche.

Uma das justificativas da entidade para a troca é a adaptação a um pedido do Comitê Olímpico Internacional (COI), que pede maior igualdade de gêneros nas competições. Para Paris-2024, todas as classes ou serão mistas ou terão provas masculinas e femininas. A Finn só é disputada por homens, já que a embarcação, de 145kg, exige maior esforço físico.

Mas, nos bastidores, sabe-se que houve forte lobby da Federação Francesa de Vela (FFVoile) para a inclusão do novo modelo, um barco de quilha "offshore", com capacidade de atingir grandes velocidades.

Outro argumento favorável à exclusão do Finn é relacionado aos custos elevados, já que há uma diversidade de designs de casco, mastros com diferentes características de dobra e cortes de vela. Mas há quem conteste a versão e veja nas embarcações substitutas os mesmos efeitos. 

Quando a Star, que consagrou Torben Grael e Marcelo Ferreira bicampeões olímpicos, em Atlanta-1996 e Atenas-2004, saiu dos Jogos, a classe que entrou foi a 49erFX, pela qual Martine Grael e Kahena Kunze faturaram o ouro no Rio.

Focado na campanha olímpica para Tóquio-2020, Zarif prefere não pensar no que fará no futuro, mas admite que poderá tentar a sorte em outros barcos.

– Vou pensar quando acabar a Olimpíada de 2020. Tem a opção dos barcos de oceano, mas são muito caros. Eu precisaria de mais apoio. O Laser seria uma opção e o 49er seria outra. Sou muito feliz na Finn, na qual velejo há dez anos e meu pai velejou, e estou focado nisso – declarou o velejador de 26 anos.

A insatisfação com a mudança de classes é só um dos problemas que afastam o grupo de atletas da federação. Nos últimos anos, as críticas se intensificaram, e cerca de 100 velejadores se uniram, em 2012, para criar a Star Sailors League, que busca um formato mais atrativo de provas, com disputas eliminatórias e inspiração nos Grand Slams de tênis, e recoloca a Star em evidência.

Em 2016, Torben foi eleito um dos vice-presidentes da World Sailing, mas a presença dele por lá não foi suficiente reduzir a revolta dos brasileiros. Até mesmo seu irmão, Lars, em entrevista ao LANCE! na semana passada, declarou que a World Sailing é "totalmente hierarquizada" e que "a distância entre quem decide e quem pratica o esporte é um abismo".

Medalhões fazem coro à crítica de  Zarif

Alguns dos principais velejadores da história de Finn e Star não se conformam com a decisão da World Sailing de retirar a primeira do programa olímpico após Tóquio-2020. Esta foi uma das queixas que muitos dos astros fizeram durante a última SSL Finals, em Nassau.

– A vela está perdendo grandes atletas. Primeiro, foi a Star. Deixamos de ter um Torben Grael nos Jogos Olímpicos por causa disso. Eu acho uma vergonha. Se agora estamos prestes a ver outros nomes saindo, acho que o esporte está indo na direção errada – disse o polonês Mateusz Kusznierewicz, ouro nos Jogos de Atlanta-1996 e bronze em Atenas-2004 e duas vezes campeão mundial na Finn.

A crítica é que a modalidade perdeu sua essência e deixou a técnica de lado. De quebra, os velejadores não acreditam que haverá maior divulgação do esporte na mídia com as novas mudanças. Após a Rio-2016, Torben reclamou que boas imagens das regatas foram mal aproveitadas pela OBS, responsável pela filmagem na Olimpíada, o que teria colaborado para a baixa a audiência.

– Os seres humanos tendem a ser resistentes a mudanças. Mas acho que as reações atuais têm muito a ver com uma série de decisões estranhas que a World Sailing tem tomado – afirmou o americano Paul Cayard, campeão mundial de Star em 1988.

A Finn é a classe que consagrou um dos maiores atletas da vela: o britânico Ben Ainslie, medalhista de ouro em Atenas-2004, Pequim-2008 e Londres-2012.

O programa final de eventos de vela para Paris-2024 ainda terá de ser submetido ao COI, que o validará em dezembro de 2020. Outra novidade será a inclusão do kitesurfe.

* O repórter viajou a convite da Star Sailors League 

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