‘O que fizemos na NBA não é para qualquer um’, diz Tiago Splitter

Aposentado das quadras após se render às dores no quadril, ex-pivô vê pressão sobre brasileiros na liga, aponta desafios para a nova geração, e fala de jornalismo e negócios

Tiago Splitter fez história ao se tornar o primeiro brasileiro campeão da NBA, pelo Spurs, em 2014
AFP

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Em 18 anos de carreira no basquete, Tiago Splitter se abriu a experiências, acumulou conquistas e fez história. À medida que as dores no quadril o afastaram da quadra, o catarinense intensificou esse processo e hoje tem um futuro bem encaminhado, com foco na liga americana. Jornalismo, negócios e presença em uma comissão técnica são algumas metas.

Ao LANCE!, o primeiro atleta do país a se sagrar campeão da NBA, com o San Antonio Spurs, em 2014, analisou avanços e lacunas do basquete nacional, falou das perspectivas fora das quadras e alertou: os brasileiros hoje na liga têm de mostrar serviço “para ontem”.

LANCE!: Com o fim da temporada 2016/2017, você queria jogar. Em que momento a ideia da aposentadoria ficou clara?
Joguei pelo Philadelphia, terminei a temporada em abril e comecei a me preparar para a temporada seguinte, a de agora. Na época em que joguei, só conseguia atuar de cinco a dez minutos. Só o último jogo que fiz 20 minutos, mas foi um exagero para o que eu podia no meu nível físico. Tentei forçar a máquina para chegar a um nível superior e poder atuar por 20 minutos. Foi quando comecei a sentir meu outro quadril. Até que começou a doer mais. Em um momento se tornou insuportável e tive de ir ao médico.

L!: O problema no quadril impediu que você recebesse boas ofertas para esta temporada? Ou você chegou a recusar propostas?
Recebi propostas. A última, há duas semanas, foi do New Orleans Pelicans. Mas é claro que tive de falar que não estava em condições.

L!: O Aleksandar Petrovic (técnico da Seleção) te procurou...
Ele me ligou. E fui bem honesto. Falei: “Não estou em condições. Se estivesse, jogaria”. Ele entendeu. Falei que a lesão poderia melhorar, mas, infelizmente, não aconteceu.

L!: O que é preciso para que mais brasileiros consigam uma trajetória de sucesso como você teve na NBA? Vê nomes no país com chance de protagonismo?
Não é fácil conseguir o que fizemos. Repetir a carreira do Nenê, Anderson, Leandrinho e a minha não é fácil nem para um americano. Não digo só para um brasileiro. Jogar tantos anos e se manter no topo do basquete mundial não é para qualquer um. É difícil alcançar a a NBA. Nos que já estão, o Raulzinho e o Felício são os que têm mais chances. Depois, os meninos, o Lucas e o Bruno, mas ambos têm de provar que podem já, para ontem, pois eles estão em momento de assinatura de contratos. É preciso estar focado e bem preparado agora, enquanto estão lá.

". A nova geração, do Raulzinho e do Felício, tem o seu espaço, mas tem de crescer mais. Eles estão cientes disso, da pressão. Terão de demonstrar que valem para seguir na liga." - Splitter

L!: O basquete brasileiro melhorou? Passamos por anos difíceis, crises e escândalos. Que balanço você faz da modalidade no país?
Eu diria que a estrutura do basquete brasileiro hoje está melhor. A Liga Nacional é bacana e organizada. Finalmente, ela deixou de ficar estancada e cresceu, como as outras ligas do mundo, com marketing, redes sociais, Facebook e tudo mais. Isso é muito importante para a garotada ter informações, ídolos, para que as cidades possam acompanhar seus times da melhor forma possível. Agora, estamos vendo frutos na garotada nova? Há menos jogadores do Brasil na NBA hoje? Sim. Mas são gerações. Viemos de uma muito boa, com Nenê, Leandrinho, eu, Anderson, Huertas, Alex e Marquinhos. A nova geração, do Raulzinho e do Felício, tem o seu espaço, mas tem de crescer mais. Eles estão cientes disso, da pressão. Terão de demonstrar que valem para seguir na liga.

L!: E o que acha que ainda falta no Brasil para que tenhamos frutos nas novas gerações?
Este é um tema para falarmos durante duas horas. Mas tem de existir um vínculo entre educação e esporte. Se não tivermos o esporte nas escolas e darmos isso nas mãos das crianças, não vai dar certo. O basquete nunca irá sobreviver só de clubes. Hoje, a criança tem de ir ao clube. O certo é nós estarmos nas escolas. Fazemos o contrário. Mas é claro que se nós já temos um problema com a educação no Brasil, imagina com o esporte. As crianças vão atrás do futebol, pois é de massa, mas basquete, vôlei e handebol precisam ser ensinados para as crianças, com bons professores. A partir disso, a coisa mudaria. Poderia haver incentivo das faculdades, uma união entre elas e a liga profissional do Brasil, que obrigasse o atleta em idade de universitário a estudar, e vincular o nome dos clubes com faculdades.

L!: Poderia falar sobre seu interesse pelo jornalismo e pelos negócios? São áreas que você buscou explorar nos últimos meses. Como surgiu?
O jornalismo é algo que sempre gostei. Eu analisava jogos e falava sobre basquete. É uma forma de seguir ligado ao esporte sem poder jogar, como foi na época da Olimpíada do Rio. O gosto pelos negócios acho que é normal, todo mundo tem. Como jogadores, recebemos muitas propostas e temos de analisar o que é melhor, ter base para tomar nossas decisões no futuro. Tenho projetos, mas está tudo engatinhando. Não há nada concreto.

L!: Entre o lado dos negócios, o da mídia ou a possibilidade de compor uma comissão técnica, o que te motiva mais? Por que?
É possível fazer um pouco de tudo. Você consegue estar em uma comissão técnica, ou em um escritório de time, ou da NBA, e na mídia, comentando partidas. Aqui nos Estados Unidos, é comum. Acaba a temporada, você vai para a televisão e, depois, volta para um time. Nos negócios, também. A maioria das pessoas mantém outras atividades. É fundamental montar boas equipes para dar conta de tudo.

L!: Poderia eleger os três momentos mais significativos da sua carreira?
​Com certeza a classificação para a Olimpíada em Mar Del Plata é um momento marcante. A conquista do anel da NBA é outro, talvez este o mais importante. E quando saí da Europa, quando fui considerado o MVP das finais. Em resumo, o melhor momento com a Seleção Brasileira após 16 anos sem participar, com meus amigos e brothers, ser campeão da NBA e o auge na Europa.

A CARREIRA

Trajetória
Tiago Splitter iniciou a caminhada no basquete em 1999, pelo Ipiranga (SC). Em seguida, jogou por nove anos no basquete espanhol, por Bilbao e Saski Baskonia, até chegar a NBA em 2010, já no San Antonio Spurs. Ele ainda defendeu o Atlanta Hawks e o Philadelphia 76ers, onde fez sua última partida da carreira, há dez meses.

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Conquistas
Campeão da NBA pelo Spurs (2014); bicampeão da Liga ACB (ESP), em 2008 e 2010, pelo Baskonia; bicampeão da Copa América (2005 e 2009); ouro no Pan de Santo Domingo (DOM), em 2003.

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Média na NBA
7,9 pontos e cinco rebotes/jogo

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