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Bronze com DNA baiano: há 25 anos, o ‘Bala’ conquistou a única medalha negra da natação

Em entrevista ao Lance!, Edvaldo Valério celebra feito em Sidney e acende alerta

Edvaldo Valério em entrevista exclusiva ao Lance! (Foto: reprodução)
imagem cameraEdvaldo Valério em entrevista exclusiva ao Lance! (Foto: reprodução)
Dia 16/09/2025
06:30

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O dia 16 de setembro de 2000 vai ficar marcado para sempre na história da natação brasileira. Quando tudo parecia perdido na final do revezamento 4x100m livre durante a Olimpíada de Sidney, um jovem de 22 anos pulou na piscina com a missão de tirar o Brasil da quinta posição e levar ao pódio em uma bateria contra grandes nomes da natação mundial. Um nadador negro, baiano, de origem simples. O combo que tinha tudo para dar errado no esporte, mas só de estar ali na piscina era uma prova de que a barreira já estava quebrada.

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Mas Edvaldo Valério Silva Filho foi além. Era preciso cravar seu nome na história do esporte brasileiro.

"Tem a possibilidade o Brasil do bronze, tem a possibilidade… Vem a medalha, vamos Bala, vem a medalha… É Brasil, é Brasil, é Brasil! Edvaldo Valério! A festa é brasileira! O baiano Bala garantiu o bronze! É a primeira medalha do Brasil nas Olimpíadas 2000. Xuxa, Borges, Carlos Jayme e Edvaldo Valério, mais Bala do que nunca", narrou Galvão Bueno, em transmissão pela Rede Globo de Televisão.

Edvaldo Valério conseguiu. A história estava feita. Era o primeiro - e até hoje o único - negro brasileiro medalhista olímpico na natação. Nesta terça-feira, este episódio ímpar para o esporte brasileiro completa 25 anos. E para comemorar, o Lance! bateu um papo exclusivo com o protagonista deste feito.

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— A estratégia ajudou muito. Começamos com Fernando Scherer e Gustavo Borges, que eram experientes, e depois vieram dois estreantes, eu e Carlos Jayme. A ideia era deixar a equipe perto das primeiras posições para que eu pudesse fechar forte. E funcionou. Mas não foi só isso. Todo mundo queria muito aquela medalha, treinamos bastante e contamos também com a desclassificação da Holanda, que era muito forte. Claro, teve estratégia, teve dedicação, mas também teve a mão de Deus — relembrou Valério ao Lance!.

Da esquerda para a direita: Fernando Scherer, Carlos Jayme, Gustavo Borges e Edvaldo Valério (Foto: Satiro Sodré/SSPress)
Da esquerda para a direita: Fernando Scherer, Carlos Jayme, Gustavo Borges e Edvaldo Valério comemorando a conquista da medalha na natação (Foto: Satiro Sodré/SSPress)

Ainda jovem, Edvaldo Valério realizava um sonho ao disputar a Olimpíada de Sidney com Fernando Scherer, o Xuxa, e Gustavo Borges, dois atletas que eram referência para o baiano. Naquele dia, a força e velocidade de Edvaldo tornaram esse momento ainda mais especial. Foi com essas valências que ele conseguiu fazer uma prova de recuperação e bateu as mãos na borda da piscina em terceiro lugar. Os seus ídolos foram ao seu encontro de braços abertos, como se os papéis de idolatria estivessem invertidos.

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Aquele garoto, que mais parecia uma "bala" dentro da água - daí a origem do apelido -, agora era ídolo de uma nação. A referência de um estado que não tinha a mínima tradição na natação. Um símbolo de representatividade no esporte brasileiro.

— Eu não gosto de tratar isso como comemoração, porque não é. É um ponto de reflexão. A Bahia tem 82% da população negra, o Brasil tem cerca de 55%, e ainda assim, até hoje, eu sou o único nadador negro do país com medalha olímpica. Isso mostra que algo precisa mudar. Sempre houve esse preconceito velado de que “negro não é para natação”, e eu gostaria que outros viessem depois de mim justamente para derrubar de vez essa ideia — refletiu.

Luta pela natação baiana

Edvaldo Valério na Arena Aquática de Salvador (Foto: reprodução / redes sociais)
Edvaldo Valério na Arena Aquática de Salvador (Foto: reprodução / redes sociais)

O protagonismo dos negros na natação brasileira é justamente uma das causas que movem o dia a dia de Edvaldo Valério atualmente. Mas o caminho é longo. Na época em que ainda treinava para as Olimpíadas de Sidney, o nadador evoluiu aos trancos e barrancos e precisava nadar cerca de 20 quilômetros por dia em Salvador, cidade sem a mínima estrutura para acolher um competidor de alto nível.

Ainda assim o "Bala" não quis deixar suas raízes e seguiu perto dos seus pais, seu Edvaldo Valério Silva e Dona Aina Sotero dos Santos, para mostrar que era possível ganhar uma medalha olímpica treinando na sua terra.

— Na minha época, os principais equipamentos estavam em clubes sociais, mas muitos já não existem mais, como o Baneb, onde treinei para a Olimpíada. O Clube Espanhol também perdeu força. Outro ponto é a falta de patrocínio. O apoio só aparece quando o atleta já chegou lá, mas para chegar lá é que se precisa de incentivo. A medalha que eu ganhei foi genuinamente baiana, conquistada com profissionais de Salvador. Hoje, sinceramente, não vejo essa possibilidade se repetir diante das dificuldades que os atletas enfrentam.

Aos 47 anos, Edvaldo Valério é, atualmente, uma figura atuante pela melhoria do esporte baiano e sonha em ver outro atleta negro no topo de um pódio olímpico na natação.

— Tenho um instituto social, que ainda não está ativo, mas pretendo retomar no futuro. Também tenho uma empresa de gestão esportiva, com parcerias em clubes sociais de Salvador, e trabalho na prefeitura, ajudando na gestão da Arena Aquática Salvador, construída na Pituba, no antigo Clube Português.

— Minha meta de vida não é conquistar mais nada para mim. Hoje meu maior orgulho é ver meus filhos seguirem esse caminho: meu filho de 21 anos estuda Educação Física, minha filha de 7 ama a natação. Meu desejo é ver outro atleta baiano conquistar uma medalha olímpica treinando aqui, com DNA 100% baiano - treinador, preparador físico, psicólogo, nutricionista, todos daqui. Mostrar que é possível. O esporte me deu tudo: viajei o mundo, conquistei reconhecimento, estudei com bolsa, entrei para a história. Então, minha missão hoje é retribuir, mostrar para os jovens que é difícil, mas é possível — completou.

A trajetória do "Bala"

Edvaldo Valério durante a Olimpíada de Sidney (Foto: Satiro Sodré/SSPress)
Edvaldo Valério após conquistar a medalha na natação durante Olimpíada de Sidney (Foto: Satiro Sodré/SSPress)

Essa luta pela medalha genuinamente baiana começou muito cedo para Edvaldo Valério, sempre com o apoio dos pais. Edvaldo "Pai" era agente da Polícia Civil, mas sempre se desafiou nas maratonas e artes marciais, enquanto dona Aina foi seu alicerce no início da trajetória como atleta.

Edvaldo Valério começou na natação aos três anos de idade. Os pais do garoto acharam no esporte uma saída para tratar as crises de asma do pequeno "Bala", que treinava no Golfinho, um pequeno clube localizado no bairro de Itapuã, onde morava com a família.

Seu rápido desenvolvimento na modalidade o levou para o Clube Olímpico, na Fonte Nova, a 25 quilômetros de distância de casa. Foi aí que a rotina começou a pesar para Edvaldo Valério, que precisava acordar por volta das 4h30 todos os dias para treinar. O trajeto de ônibus durava mais de uma hora, e ele ainda tinha que retornar a Itapuã para ir à escola. Pela tarde, mais uma viagem em direção ao Clube Olímpico para outra sessão de treinamento. Isso era repetido todos os dias.

Em uma passagem do livro "Edvaldo Bala Valério, a Braçada da Esperança", escrito pelo jornalista Raphael Carneiro, é possível entender o sacrifício feito por Dona Aina nessa rotina frenética para acompanhar o filho prodígio.

"Valério passou a treinar diariamente no novo clube. Isso significava ter de acordar às 4h30 todos os dias. Era tão cedo que, Dona Aina, ao preparar a vitamina do filho, colocava o liquidificador no chão e o envolvia com diversos panos e toalhas. O esforço era feito para não acordar os vizinhos, o marido e a filha do casal, Valéria".

Mas o esforço valeu a pena. Foi no novo clube que ele conheceu Sérgio Silva, seu treinador e braço direito durante toda a trajetória de evolução até a Olimpíada de 2000. Cansado da rotina que o consumia todos os dias, Edvaldo Valério passou a treinar no Costa Verde Tênis Clube e depois foi para o Baneb, que o impulsionou rumo aos Jogos de Sidney.

Piscina do Costa Verde Tênis Clube, um dos locais de treino de Edvaldo Valério (Foto: Rafael do Carmo / Lance!)
Piscina do Costa Verde Tênis Clube, um dos locais de treino de Edvaldo Valério (Foto: Rafael do Carmo / Lance!)

As consequências da medalha

Foi com o "Baneb" estampado no maiô - o que quase gerou um grande problema para Valério - que ele conquistou a medalha. Uma medalha que o transformou em um herói baiano, uma conquista com DNA nordestino que quebrou barreiras. Por muito tempo, Valério passou a ser um dos personagens mais badalados de Salvador, o que pode ter atrapalhado sua continuidade na natação.

— O sucesso me assustou. Fui recebido como herói, mas eu não estava preparado para aquilo. Acabei me perdendo em alguns momentos, com falsas amizades, falta de foco nos treinos e excesso de compromissos fora da piscina. Ganhei muito dinheiro muito cedo e não soube lidar. Quando percebi, já era tarde para me classificar para Atenas 2004 — lamentou.

Edvaldo rodou por outros estados em busca de sequência dentro das piscinas, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, mas não conseguiu retomar o nível pré-Sidney. Ele acabou se aposentando das águas em 2009. Mas nada é capaz de apagar o legado que Edvaldo Valério deixou para o esporte brasileiro, legado que ele luta até hoje para permanecer vivo e para que seja renovado nas próximas gerações.

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